19 de ago. de 2017

A Uberização da Mão de Obra

A popularização dos serviços prestados por meio de aplicativos incendeia a discussão sobre o limite das obrigações entre empresas e trabalhadores
 
O Tribunal Regional do Trabalho de Belo Horizonte, em Minas Gerais, recentemente foi palco de um debate que vem sendo travado na esfera pública e legal em muitos países: existe relação laboral nas empresas de compartilhamento de serviços? Para o juiz Márcio Toledo Gonçalves da 33ª Vara  do Trabalho de BH.
 
Não só reconheceu vínculo empregatício entre um motorista e a mesma Uber como também obrigou a companhia a pagar todos os direitos trabalhistas. Em sua sentença, ele julgou que, após o fordismo e o toyotismo, estamos entrando na “era do uberismo” — quando seria fácil para as organizações contratar mão de obra por meio de aplicativos para se livrar das obrigações trabalhistas.
 
Surgiram companhias de transportes sem um único carro ou de hospedagem sem nenhum quarto, e cada vez mais profissionais aceitaram permutar esforço e conhecimento com desconhecidos por meio de plataformas digitais. “A tecnologia propiciou que processos existentes fossem repensados, atendendo alguns apelos para a melhor utilização dos recursos produtivos e a otimização de serviços”, diz a professora Neusa Borges, do ESPM.
 
A  Uber, foi considerada pelo Wall Street Journal a segunda startup mais valiosa, com um valor de  41,2 bilhões de dólares. Na outra ponta, seus motoristas amargam dívidas de até 97 000 dólares, como relatou um deles num vídeo que viralizou na internet. 
 Quando diversos estudos sobre o futuro do trabalho apontam que a mão de obra será contratada ocasionalmente, por projetos ou necessidade, o crescente número de negócios baseados em aplicativos incendeia a discussão sobre os limites e as obrigações de cada parte — trabalhadores e empregadores.
 

De quem é a responsabilidade por um serviço malfeito se o executor não responde diretamente à empresa? Se um motorista chamado por um app bate o carro, quem deve pagar as despesas médicas do passageiro? 
 
O debate passa pelas diferentes visões sobre a função do estado e das corporações na economia e na sociedade. Entre críticos e defensores da uberização da mão de obra só há um consenso: essas organizações não se enquadram em nenhuma lei que temos hoje.
 
Para caracterizar  vínculo, é crucial comprovar a subordinação. Ela pressupõe que o empregador dite como, quando e onde o empregado deve trabalhar. “Nessas empresas, o profissional tem a liberdade de se cadastrar ou não, além de poder optar quando está disponível — o que vai contra o conceito atual para configurar a subordinação, pelo qual o patrão determina a quantidade de horas ou dias que alguém lhe presta serviço”, afirma o advogado trabalhista Aldo Martinez, do Souza Cescon, escritório que atende a Uber .
 
Quem discorda alega que as companhias de economia compartilhada realizam um controle mais sofisticado dos “parceiros” (o equivalente a funcionários nas organizações tradicionais). “Startups de compartilhamento de carro, por exemplo, fiscalizam e orientam o motorista por meio do envio de e-mails que sugerem uma quantidade média de viagens ou atendimentos. Seria parecido com a relação que se estabelece entre empregadoras e vendedores externos ou propagandistas”, afirma o advogado trabalhista Ricardo Meneses, do escritório Küster Machado. Para ele, o vínculo se configura mesmo que esses profissionais não se apresentem em um determinado local ou não tenham a jornada controlada.
 
Com medo de estabelecer essa ligação, o criador da Vaniday mudou seu modelo de negócios. A startup, lançada em 2014 para conectar clientes a prestadores de serviços de beleza, inicialmente cadastrava apenas profissionais liberais em sua plataforma.
 Mas, ao receber um dinheiro da incubadora alemã Rocket Internet, veio um alerta. “A Rocket tinha uma empresa de empregadas domésticas que estava sofrendo bastante com processos trabalhistas, por isso os investidores nos aconselharam a contratar salões de beleza para evitar esse tipo de problema”, diz o fundador da Vaniday, Cristiano Soares.
 
Como em qualquer empreendimento, a qualidade do serviço entregue depende dos profissionais. Mas, na economia compartilhada, isso dobra de importância, uma vez que essas instituições sobrevivem à base das avaliações dos usuários e da reputação no mercado.  
Se o indivíduo tem avaliações baixas, ele deixará de ser contratado, acabará saindo da plataforma e, por fim, perderá esse dinheiro extra. Nessa relação, cujo papel do líder de recursos humanos foi substituído pelo do chefe de relacionamento, o retorno financeiro é o maior fator de engajamento.
 A visão de dar oportunidade à mão de obra é compartilhada pela Posher, outra startup que intermedeia serviços estéticos,levando manicures e cabeleireiras para atender funcionárias de grandes companhias, no horário de expediente. 
 
Nos Estados Unidos, difundiu-se a ideia de elas serem “bicos oficiais” e, desse modo, ao mesmo tempo que oferecem uma alternativa de renda extra também precarizam as relações de trabalho. 
 
A exemplo da Uber, na qual o motorista gasta com gasolina, alimentação e balinhas para os passageiros, além do custo da depreciação do carro. 
Para não seguir o mesmo caminho da Uber,a CargoX, plataforma que intermedeia serviços de transporte de cargas, oferece desconto em combustível e facilidade de financiamento de veículos e estuda a possibilidade de dar um plano de saúde aos motoristas.
Essa atenção com a outra ponta é importante, sobretudo porque o debate sobre a responsabilidade social corporativa tem ganhado força. 
 
E preciso lembrar que essas startups são capitalistas — sem nenhum romantismo. 
 
 Fonte: Você RH

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