16 de set. de 2023

A visão do acidente

 Os acidentes sempre existiram e sempre existirão parte dos eventos ocorridos na beira do cais, e isto pode explicar, o porquê de considerá-los como um problema social. É verdade que os acidentes podem ocorrer em todos os lugares e em diversas circunstâncias, e derivar de múltiplas causas. Esta fatalidade social à qual todos estamos sujeitos depende dos riscos e dos perigos que corremos ao longo das nossas vidas.

Os acidentes são eventos que ocorrem de forma repentina, mas às suas causas podem estar associados, simultaneamente, fatores sincrónicos e diacrónicos. (Areosa e Dwyer 2010) Em sentido etimológico, o termo “acidente” significa qualquer evento não planejado, fortuito, imprevisto e fruto do acaso. Na beira do cais um acidente é entendido como algo impiedoso e que provoca danos e prejuízos a família.

Marx e Engels foram dos primeiros autores a debater as condições adversas para a saúde e segurança dos trabalhadores. A reflexão de Marx (1966) incidiu sobre a questão da tecnologia devido a está poder gerar a diminuição da necessidade de mão-de-obra. Após a emergência do taylorismo e da organização científica do trabalho os operários não perderam apenas a sua profissão, enquanto arte ou ofício, padeceu também o seu próprio estilo e ritmo de trabalho, bem como o controlo sobre os seus movimentos. De certo modo, foram transformados em colaboradores direcionados exclusivamente para maximizar a produção.

Será este o problema enfrentado nos portos o sequestro da cultura profissional do estivador.

Os acidentes de trabalho não são acontecimentos passíveis de ocorrer numa espécie de “vácuo social”; pelo contrário, eles percorrem globalmente no mundo do trabalho.



Os acidentes deixaram de ser concebidos apenas como fenómenos fortuitos e individuais, passando também a ser integrados na sua análise de fatores sociais e organizacionais (Hovden, Albrechtsen e Herrera, 2010). A história dos acidentes de trabalho tem demonstrado que, à medida que se vão reduzindo certos tipos de acidentes, também vão emergindo novos tipos de sinistralidade (Dwyer, 2000). Qualquer local de trabalho implica a presença de determinados perigos, variáveis de organização para organização. Deste modo, os acidentes de trabalho decorrem da presença de perigos e da exposição dos trabalhadores aos riscos laborais (Areosa, 2003, 2005).

Além disso, é pertinente lembrar que os acidentes podem acarretar problemas graves para os trabalhadores, mas as consequências destes eventos vão muito para além do indivíduo, afetam as famílias, os seus companheiros de trabalho e os seus empregadores.

Qual e a visão sobre os níveis de risco entre quem organiza o modelo de trabalho e os próprios trabalhadores que fazem e desfazem a lingada? Se o operador portuário estipula um procedimento operacional como seguro, mas os trabalhadores a consideram insegura, podemos entrar aqui na polémica discussão entre as perspectivas de riscos “objetivos” e riscos “subjetivos” (Sjoberg, 1999).

 Existe um longo e antigo debate em torno da questão da atribuição de causas únicas ou múltiplas aos acidentes. A resposta depende, em parte, da posição do ator no sistema social. Mas uma coisa e certa, dizer que a área portuária e um mundo a parte acima do problema social e a mesma coisa que dizer que todos os terminais portuários no Brasil são automatizados utilizando sistema 5 G.

AREOSA, João (2003), “Riscos e acidentes de trabalho: inevitável fatalidade ou gestão negligente?”, Sociedade e Trabalho, 19/20, 31-44.

 AREOSA, João (2005), “A hegemonia contemporânea dos ‘novos’ riscos”, in Carlos Guedes Soares et al. (Orgs.), Análise e Gestão de Riscos, Segurança e Fiabilidade, Lisboa, Edições Salamandra, 203-218.

AREOSA, João; DWYER, Tom. Acidentes de trabalho: uma abordagem sociológica. Configurações. Revista Ciências Sociais, n. 7, p. 107-128, 2010.

DWYER, Tom (2000), “Novas fronteiras nos estudos do trabalho”, in Encontro anual da ANPOCS, Petropólis, 1-24.

Marx, Karl (1966 [1867]), O Capital, São Paulo, Editora Nova Cultural Ltda.

SJOBERG, Lennart (1999), “Risk perception by the public and by experts: A dilemma in risk mana­gement”, Research in Human Ecology, 6, 1-9.

HOVDEN, Jan, ALBRECHTSEN, Eirik & HERRERA, Ivonne (2010), “Is there a need for new theories, models and approaches to occupational accidents prevention?”, Safety Science, 48, 950-965. DOI : 10.1016/j.ssci.2009.06.002

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