21 de set. de 2023

Estivadores os pioneiros da previdência

 

A União dos Operários Estivadores, entidade de cunho sindical, tinha por objetivos gerais lidar com as questões referentes a regularização do serviço de estiva, a luta por uma remuneração adequada, a disciplinarização dos trabalhadores e das associações mutualistas de autoproteção características do século XIX, cuja preservação de elementos de assistência e auxílio mútuo a associados e suas famílias ainda persistiam.

A União sempre foi a responsável pelas questões referentes ao amparo dos seus associados e familiares em caso de acidentes, doenças, falecimentos e aposentadorias.

O sindicato organizava com diretoria própria, mas sob sua tutela uma Caixa de Aposentadorias e Pensões que tinha um fundo de arrecadação própria que superava até mesmo as arrecadações da própria União dos Operários Estivadores.

A prestação de serviços assistenciais era uma prática obrigatória na organização associativa dos operários estivadores. Além da CAP que possuía na estrutura sindical, ainda eram fornecidos outros serviços, como atendimentos ambulatoriais e dentários. A necessidade da robustez física para a obstinação no serviço caracteriza a própria necessidade da boa saúde dos operários, deixando à categoria o entendimento de que se precisava fazer presente mediante a situação precária no município.

A provisão de fundos que garantiriam ao trabalhador acesso a benefícios eram estratégias de auxílio entre eles.

No dia 1º /06/ 1939, o jornal O Radical, publicou a manchete “Na vanguarda do seguro social brasileiro”, o regimento interno que vigoraria a partir da reformulação do Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva, publicado em Diário Oficial da União vinte dias depois.

O completo amparo dos estivadores pela reforma do regulamento do Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva . Seguro invalidez, morte, auxilio-funeral, empréstimos, fiança, pecúlio - assistência médica-cirurgiã e hospitalar (O Radical, 1/6/1939)

 Antes de anunciar nas páginas do periódico as mudanças regimentares para Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva, O Radical havia lançado sob o título de “A estiva vae viver melhor” em 5 /06/ 1939.

- "Dentre as providências de iniciativa da atual administração, destaca-se a tabela para uniformização da cobrança de contribuições e fixação de vencimentos e salários base de classe".

"o salário convencionado para servir de base ao cálculo de benefícios em Manaus era de 11$000 , em Aracaju o salário era de 8$500 e as aposentadorias de 42$500 ou 63$750; em Santos o salário de 20$000 e aposentadorias de 100$ ou 150$000. Mas a média de salário efetivo de um estivador de Santos era de 900$000.De modo que o estivador contribuía sobre 900$000 mas recebia o benefício sobre 600$000.

Em maio de 1934 é instituído o Decreto Nº 24.275 que garantiria a criação da Caixa de Aposentadoria e Pensões dos Operários Estivadores. Delimitando com mais precisão as diferenciações nos auxílios, como por exemplo, assistência médica e social, caracterizando uma preconização mais sistemática do caráter pecuniário provenientes das contribuições, ou seja, pensões e aposentadorias. Por esse motivo, o Artigo 4º do Decreto-lei 24.275 dispunha que:

“benefícios e vantagens de que devem gozar os associados consistirão, de preferência, na aposentadoria por invalidez e na pensão por falecimento, e serão atuarialmente determinados, dentro dos limites da receita prevista, assegurada a plena estabilidade da caixa” (Decreto-lei 24.275, de 22 /05/1934)

 No que concerne a União dos Operários Estivadores, as medidas passavam por um processo de institucionalização jurídica do que já predispunha o próprio estatuto da agremiação operária carioca. O modo de gestão baseado nas necessidades do indivíduo supõe uma implementação do modelo de CAP no sindicato com uma certa facilitação. A solidariedade e as redes proteção internas na categoria  formavam bases na qual as CAPs podiam ter uma atuação mais efetiva. Para além disso, é necessário a lembrança que ao contrário do contexto da implementação da Lei Eloy Chaves, o Decreto 24.275 se insere num contexto de preocupação do Estado como um todo com as políticas sociais relativos à questão do trabalho.

A CAP destinado aos estivadores é criada com sede no Rio de Janeiro e tem agências regionais onde se localizam outros sindicatos de estivadores pelo país e os fundos que compunham partiam das contribuições feitas por operários, pelos contratantes e a contribuição do Estado. Os associados contribuíam com cerca de 3 a 5% dos proventos, sendo o valor descontado no ato do pagamento e os empregadores, contribuíam com a mesma parcela e eram obrigados por lei a pagar a sua parte sendo o trabalhador sindicalizado ou não.

Essa situação reflete uma dinâmica própria do serviço da estiva, mas também demonstra o quanto é importante a conquista do mercado de trabalho, o closed-shop, por parte desses operários, já que a lei parece considerar que não parte da empresa a prerrogativa de contar com trabalhadores não sindicalizados para o pagamento da caixa.



Nesse sentido, se faz importante as considerações presentes nos artigos do estatuto da União dos Operários Estivadores a questão da disciplina e da organização do trabalho. Um brio que perpassa toda uma organização que luta para garantir seus direitos, empregando na política de valorização do trabalho exercida através de um reconhecimento coletivo que abarcava diversos fatores, desde a experiência de trabalho mais evidente nas funções relativas ao ofício de estivar, até o respaldo de uma instituição, que organiza as forças de trabalho em um setor preponderante para o desenvolvimento do modelo econômico nacional.

O Estado por sua vez, seria responsável pela contribuição da quota de previdência, implementada pelo Decreto 22.872 de 29 /06/1933, correspondente a 2% dos serviços remunerados pagos pelas empresas. Especificamente para a CAP dos estivadores, a contribuição se fazia com três quartos da importância relativa à quota de previdência. Vale salientar que o Decreto 22.872 é a lei de criação do Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos. O que justifica a inserção da CAP dos estivadores na quota de previdência destinado aos marítimos é o fato de que os contratantes dos serviços dos quais as empresas acordavam eram os mesmos contratados por estivadores de uma maneira geral.

 O exemplo do decreto que cria a CAP dos estivadores prevê o citado artigo que preferencialmente se refere a esta como um órgão responsável não pela assistência, mas sim pelo benefício de aposentadoria por invalidez e na pensão por falecimento.

 Um exemplo das assistências já exercidas pela União dos Operários Estivadores, está nas páginas do Diário Carioca, no dia 7 /07/ 1935, as quais noticiam o parecer negativo dado ao Projeto de Lei Nº 34 de 1935 que teria por objetivo extinguir a CAP dos estivadores e incluir os seus associados na categoria dos marítimos, agregando-a ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos. O parecer favorável aos estivadores remonta a uma vitória de mais de vinte mil associados à CAP dos estivadores. Muito embora o próprio Instituto de Aposentadorias e Pensão da Estiva, em um outro momento, acabe por ser incorporado.

Embora o modelo referente aos estivadores tivesse um relativo êxito concedendo benefícios regularmente aos associados, incluindo projetos de cunho assistencialista, envolvendo construções de habitações operárias no bairro de Ramos no Rio de Janeiro, Manaus e na cidade de Paranaguá, a proposta do Ministério do Trabalho já considerava a transformação de todas as CAPs remanescentes em Institutos de Previdência Social das suas respectivas categorias.

No que tange aos beneficiados pelo Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva (IAPE), há conformação das diferentes funções dos estivadores, incluindo os trabalhadores avulsos em carga e descarga desde que seja sobre a água – tal característica é um elemento fundamentalmente novo em relação às CAPs, que apesar de exigir dos empregadores a contribuição para a quota de previdência em caso de contratação dos estivadores, não abarcavam os benefícios para estes trabalhadores.

O que se aprofunda nas transformações específicas do IAPE é o Decreto Lei Nº 1.355 de 19 /06/1939, responsável pela reorganização do Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva. O decreto sistematiza de maneira mais abrangente as funções conferidas ao IAPE. Além de contemplar e inseriu novos dados a artigos que já haviam sido conferidos desde a criação da CAP.

Destaca-se a incorporação de  vigias de carga e carregadores de bagagens aos assegurados obrigatórios;   composição da receita com uma porcentagem equivalente a 3% até 8% sobre os vencimentos, com máximo de dois contos de réis, quando proventos mensais e trezentos mil réis, quando proventos diários; a contribuição da União agora se equiparava proporcionalmente às contribuições dos assegurados; especifica doações e legados, além de contribuições espontâneas dos trabalhadores; especifica também juros e multas de qualquer natureza. O novo modelo garantia aos segurados assistência especificas como: doença, acidente de trabalho e velhice, além das já planejadas, invalidez e morte. Contém também as regras para auxílios variados, que independente de contribuição suplementar, estariam à disposição dos segurados, como no caso de fiança, auxílio natalidade e funeral.

A cargo das sobras líquidas referentes à premiação de seguros e das contribuições suplementares ficam as formas de assistência médica, cirúrgica e hospitalar, além de serviços médicos e ambulatoriais básicos de assistência de gestação, infância e juventude.

A reformulação do IAPE definitivamente serviu a pelo menos dois interesses, ele atendeu às demandas imediatas dos trabalhadores, tendo em vista a insegurança cotidiana do ambiente profissional e aliou-se como um instrumento de solidificação das bases previdenciárias que almejavam o Estado brasileiro.

Ao Decreto-lei de número 1.355, somou-se o Decreto-lei 4.264 responsável pelo regulamento interno do IAPE. Nesse regulamento, as três primeiras partes estão ligadas à administração do Instituto, bem como a esclarecer quem se definiam como os segurados: trabalhadores estivadores (cargas e descargas em água); conferentes, concertadores, separadores de carga e vigia (que não se caracterizavam como trabalhadores estivadores, mas também não estavam inseridos em outras categorias de trabalho específicas na logística portuária); e os que trabalhavam exercendo função de carga e descarga em navios de minérios.

Os estivadores adotaram uma posição estratégica baseada na negociação, não sem conflitos, com o Estado, apoiando-se no indicativo de ser uma categoria estratégica para o desenvolvimento econômico do País.

 OLIVEIRA, Guilherme Santos Cabral de. “Na vanguarda do seguro social brasileiro”: Estiva, previdência e cidadania nas décadas de 1930 e 1940 (Rio de Janeiro). 2017. 134 f. Dissertação (Mestrado em História). Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Seropédica, RJ, 2017.

 

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