“No dia que
estivermos todos juntos nesse combate, a segunda batalha não vai ser ganha
pelo governo.”
Tomou posse no dia 19 de abril a chapa vencedora na recente eleição
para o Sindicato dos Estivadores do Centro e Sul, presidida por António
Mariano.
Os membros da sua
chapa estiveram ao lado da anterior diretoria, presidida por Vitor Dias, na
greve às horas extraordinárias que marcaram a agenda política do país durante
os últimos quatro meses do ano passado. Uma greve dura e radicalizada, que
enfrentou a patronal dos portos, o governo e a campanha cerrada de grande
parte dos meios de comunicação, que tentava desacreditar a imagem e a luta
dessa classe profissional. O objetivo da luta foi impedir a aprovação de uma
nova lei do trabalho portuário, cuja finalidade é implantar a precariedade e
os baixos salários nos portos portugueses, a exemplo do que já acontece em
Sines e Leixões. A lei acabou por ser aprovada em dezembro, e a greve foi
suspensa, mas os trabalhadores portuários comprometem-se a não baixar a
guarda. Entrevistamos António Mariano, o novo presidente do Sindicato dos
Estivadores do Centro e Sul, para saber o que pretendem fazer.
Por que duas listas a concorrer à direção do sindicato?
Penso que o que está em causa essencialmente são diferentes estilos de
atuar na vida sindical. Porque os elementos tanto de uma chapa quanto de
outra, e os estivadores coletivamente, andaram nesta luta que travamos em
2012 perfeitamente unidos e defendendo o mesmo, que era a rejeição daquela
lei de trabalho portuário, que o governo quis e acabou por aprovar em
dezembro. Andamos todos juntos nesse processo de luta. Mas, como em tudo, as
pessoas e grupos têm diferentes estilos de atuação. Concretamente, no meu
caso, o que defendi foi uma determinada visibilidade, uma maior informação
para a opinião pública daquilo que estava se passando, o que penso que não
foi totalmente conseguido nesse processo. O Sindicato dos Estivadores, embora
tivesse tido um processo bastante longo de luta, não foi muito esclarecedor
em relação à luta que desenvolvíamos, evidentemente por culpa da comunicação
social, controlada pelos grupos econômicos e pelo poder político. Mas, mesmo
assim, penso que muito mais coisas poderiam ter sido feitas. E também pelo
estilo de formas de luta. Sou defensor de processos reivindicativos mais
práticos e eficientes e não tão arrastados no tempo como foi o nosso processo
de luta. Depois, porque relativamente a essa eficiência que se pretende na
ação de um sindicato, penso que há muitos aspectos para serem melhorados,
nomeadamente na unidade de todos os estivadores a nível nacional. E esse foi
também um aspeto que não foi devidamente acompanhado, e deveria tê-lo sido.
Por que a luta foi suspensa em dezembro?
Em termos estratégicos, não valeria a pena naquelas condições,
continuar com uma luta quando todas as cargas estavam sendo desviadas dos
portos que estavam em luta. Pela forma progressiva, e não eficiente, talvez,
como essas formas de luta foram feitas, deu tempo para os armadores desviarem
as cargas. Em dezembro fomos obrigados, entre aspas, a suspender as formas de
luta; tínhamos a lei aprovada, temos agora um ano para a negociação do
contrato coletivo de trabalho, não valeria a pena estar nos desgastando mais
enquanto não organizassemos a nível nacional e internacional uma resposta
mais efetiva. A nível nacional juntar todos os estivadores nesse processo, e
a nível internacional encontrar formas eficientes de o fazer. Isso
correspondeu a um alivío da tensão que nós próprios estávamos criando,
temosnoção disso. Embora fosse uma greve em que praticamente todos os dias
trabalhamos um turno; e conseguimos provar com isso que faltavam
trabalhadores nos portos. Mas, claro, face a essas políticas que são de
destruição do emprego, isso não convenceu os governantes, cujos objetivos
eram exatamente opostos, criar precariedade. Mas os estivadores não estão
esquecidos nem estão parados, e os portuguesestambém não estão. Está
nessemomentoem curso um processo crescente de reivindicação e exigência para
que esse governo se demita. Como estivador e como cidadão também estou
lateralmente envolvido nesse movimento de criar condições para manifestações
de protesto.
A divisão nacional foi, portanto, um elemento importante a fragilizar
a vossa luta.
Basicamente, houve sindicatos e portos e estivadores que fragilizaram
essa nossa greve, ao trabalharem em outros portos com as cargas que foram
desviadas dos portos que estavam em greve. Isso é algo que tem de ser
previamente muito bem organizado para que não possa acontecer. Se houvesse
unidade nacional dos estivadores, não conseguiriam ter aprovado a lei, porque
não seriam os portos espanhóis que fariam escoar as nossas cargas. É uma
questão chave.
E depois também penso que a nível internacional, embora tivesse havido
apoio e uma manifestação internacional muito forte e muito grande como
aconteceu no dia 29 de novembro, penso que aí também há muito mais a fazer,
no sentido de tornar esse apoio muito mais eficaz do que passar só por 1 hora
de paralisação a nível europeu, ou duas, ou por uma manifestação. Aí tem de
avançar para outras formas de solidariedade e apoio, que têm de ser
organizadas, têm de ser faladas com as diferentes organizações
internacionais. Aí também há muito a fazer, e a minha chapa pensa que está em
melhores condições para desenvolver todo esse processo de uma forma mais
eficaz.
Como foi a participação dos estivadores no processo eleitoral?
Do universo que poderia votar, cerca de 80% terão votado, o que é uma
boa participação. Somos menos de 400 estivadores, no Sindicato dos
Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul
de Portugal, ou seja, o nosso sindicato representa os estivadores de Figueira
da Foz, Lisboa, Setúbal e uma parte dos estivadores de Sines.
Como dizíamos no nosso programa de ação, havia de fazer alguma
mudança, porque a atual equipe já estava à frente do sindicato há sete anos,
portanto os sócios entenderam que era hora de mudar, embora, no meu caso
concreto, seja um regresso, porque já tinha sido presidente do sindicato de
2002 a 2005.
Temos muita participação nas plenárias, nas assembleias, temos muita
ligação entre nós, conhecemo-nos bem, mas, como qualquer grupo profissional,
político ou social, temos as nossas divergências. A nossa “Assembleia da
República”, no que diz respeito à nossa profissão, são as nossas assembleias.
É lá que discutimos, que debatemos, às vezes com bastante vivacidade, as
nossas divergências. Mas quando se trata de processos de luta, então com a
dimensão do que aconteceu em 2012, essas divergências não afetam o nosso
comportamento exterior. Pelo menos nós temos essa prática, como o sindicato
dos estivadores mais antigo de Portugal, aparecemos em 1896. Se é tomada a
decisão de ir para uma greve, todos vamos para essa greve. Se não é tomada
essa decisão, não vamos. Temos essa prática de unidade na ação, que é
essencial. Se a temos a nível do nosso sindicato, é evidente que quereríamos
tê-la a nível nacional.
Como pensam em conseguir essa unidade nacional?
Aí há muito a fazer, essencialmente em dois portos, com realidades
diferentes. Em Leixões, onde há uma direção sindical que defende uma
realidade trabalhista precária, ou, se não a defende, permite-a. Em Leixões
temos de fazer uma aproximação com os trabalhadores, porque não pensamos que
na estrutura de dirigentes sindicais haja alguma mudança a fazer, porque as
posições são completamente diferentes. Ao nível dos trabalhadores é que
devemos explicar que não é aquele o caminho. A realidade de Sines é um pouco
diferente, tem a ver com o fato de em Sines estar operando um armador de
Singapura, com práticas sindicais que não são propriamente europeias, em que
os trabalhadores, quando assinam a admissão na empresa - admissão em termos
precários -, praticamente em simultâneo assinam a sua adesão ao sindicato da
empresa. Como fazem em Singapura, eles só estão passando para cá o modelo
asiático. Temos de ter uma aproximação com os trabalhadores, mas tendo a
noção que existe uma alta precariedade ali instalada e uma elevada
fragilidade daquele coletivo profissional, é um sindicato muito novo, é de
2005/2006.
Como analisam o resultado da greve frente às horas extraordinárias em
2012? É possível comparar, resguardadas as devidas proporções, essa luta dos
estivadores com a dos mineiros britânicos contra Tatcher em 1984?
Os mineiros foram derrotados, e no nosso caso não considero que tenha
havido uma derrota, nem comparo Passos Coelho com a Tatcher, pois, mesmo a
esse nível, é um aprendiz e um incompetente. Porque não é um líder. Tatcher
provavelmente arrastou muita gente atrás dela pelas suas convicções, Passos
Coelho é arrastado pela convicção reinante no grupo de amigos, portanto não
estamos falando da mesma coisa. No nosso caso, vitória não foi, evidente, mas
face ao cenário que estava criado, enfim, às intenções desse governo, que
pretendeu claramente usar os estivadores como um exemplo de coletivo
profissional, que eles, dentro de sua perspectiva ideológica, iriam quebrar,
em termos de organização... E eles elegeram os estivadores como alvo a
abater. Nesse sentido, eles conseguiram o que queriam, rodeados de uma
máquina da comunicação social, assessorada por gabinetes de comunicação, que
têm por trás também gabinetes de advogados que estão envolvidos com eles, os
próprios grupos econômicos que têm interesse no setor que com certeza também
apoiaram, todo esse processo, era uma luta um pouco desigual, em que
tínhamos, no início pelo menos, toda a opinião pública contra nós, através
das mentiras e calúnias que lançaram contra os estivadores. Era uma guerra um
pouco desigual, mas que nós travamos. Penso que poderíamos ter sido muito
mais convincentes. Essa é uma das razões básicas porque eu concorri agora
nesse processo eleitoral.
De que forma mais convincentes?
Como os jornais nunca iriam dizer aquilo que nós gostaríamos que fosse
dito, normalmente escolheriam das nossas declarações as partes menos
interessantes, ou muitas vezes não passavam nada, foi muitas vezes discutido
internamente que se deveria comprar espaço nas páginas dos jornais. Porque
uma coisa é distribuir os panfletos no Cais do Sodré, no Rossio, que mesmo
assim chegaram a milhares de pessoas, e outra coisa é usar os grandes órgãos
de comunicação social para fazer chegar a mensagem a muito mais gente e ao
país todo. Mas isso só foi feito uma única vez nesses quatro meses de maior
agitação. Poderia ter sido muito melhor desmontada essa cabala contra nós.
Estou lembrando de muitos outros casos em que poderia ter sido utilizado o
direito de resposta que está previsto na lei, e que também nunca foi
utilizado pelo meu sindicato, como forma de desmentir essas mentiras e
calúnias. Por isso é que eu digo que muito mais coisas poderiam ter sido
feitas no sentido de permitir que essa campanha pudesse ter sido desmontada,
e que a opinião pública percebesse melhor que o ataque que estava sendo feito
aos estivadores não era só aos estivadores, era um ataque a todos os
trabalhadores portugueses. A lei que iria ser aprovada iria provocar a
precariedade no coletivo dos estivadores. Tanto isso é verdade que passado
pouco tempo depois da aprovação da lei, no final de dezembro, já tínhamos 18
trabalhadores efetivos permanentes despedidos. Nós sabíamos que essa lei ia
criar condições para isso, e a denunciamos, mas não com a devida amplitude
que tinha de ser feita.
A campanha negativa que foi feita contra nós permitiu aos estivadores
que estão filiados a sindicatos que não acompanham o nosso processo
reivindicativo terem alguma desculpa para não se sentirem envolvidos. Como
são ditas mentiras sobre nós, é evidente que eles não sabendo se são verdade
ou mentira não vão querer estar envolvidos no mesmo processo de luta. Todo
esse envenenamento também serve para afastar os nossos companheiros de outros
portos que eventualmente não estão bem informados relativamente ao que se
passa nos portos em luta.
Houve apoio do movimento sindical?
A UGT colocou-se ao lado do governo nesse ataque, como mais tarde o PS
o fez, ao votar ao lado da maioria a favor da lei; a CGTP, embora tivéssemos
andado em muitas manifestações, tivesse havido apoio recíproco e sindicatos
da CGTP que andaram junto conosco, como o sindicato dos pilotos, em termos
mais globais, de apoio, de luta, nunca aconteceu muito. Mas se calhar não
estranhamos, pois não estamos filiados a nenhuma central. Embora saibamos que
o que está nos acontecendo, ou o que pretendem que aconteça aos estivadores,
é para aplicar a todos os setores de serviços. É evidente que as centrais
sindicais, principalmente a CGTP, poderiam ter aproveitado a nossa
mobilização e o nosso processo de luta. Mas é evidente que tivemos o apoio
inequívoco da CGTP.
Não houve uma derrota, mas também não houve uma vitória. Houve um empate?
Houve uma primeira batalha perdida. Podemos considerar assim porque,
embora a lei esteja aprovada, o processo não acabou aí. A questão da
degradação das condições de trabalho já vai mais longe, porque na sequência
disso, em março, os empregadores de Lisboa e da Figueira da Foz denunciaram
os contratos coletivos de trabalho e os protocolos que tinham assinado com o
sindicato ao longo dos últimos 20 anos. E portanto, é mais um aspecto em que
eles estão pretendendo destruir o edifício organizativo laboral. É a lei, são
os contratos, são os acordos laterais a esses contratos que nesse momento
querem subverter. Denunciaram e apresentaram uma proposta, no caso de Lisboa
e de Figueira, com uma série de cláusulas que basicamente dizem que a partir
de agora são as empresas que mandam em tudo. Os sindicatos passam a figuras
decorativas. Por exemplo, fazem propostas de salários que são 1/3 dos
salários que estão em vigor. Hoje em dia um trabalhador no topo da carreira,
que tem um salário base por volta de 1.700 euros, que nesse momento só se
atinge ao fim de 17 anos, a proposta que as entidades empregadoras fazem é de
um salário de 550 euros, e se for coordenador 900. Esta é a proposta que o
sindicato tem um mês para responder. E depois teremos mais tempo para negociar.
Para além de pretenderem precarizar a profissão, pretendem um rebaixamento
brutal de salário. Num setor privado que eu diria que é dos mais rentáveis e
dos mais ricos do país, que é o setor da movimentação de cargas nos portos.
Está prevista muita luta para responder a isso?
Sim, a nossa unidade continua intacta. É claro que, tendo o edifício
legislativo e contratual todo minado, o que nos resta é a nossa força de
trabalho, é continuarmos a ter o controle, ou uma parte do controle, sobre o
trabalho que desenvolvemos. Essa é a nossa grande força. Há muito a fazer a
nível nacional, em termos de tornar essa unidade muito mais abrangente, e há
muito a fazer em termos da organização internacional [o Sindicato dos
Estivadores é filiado ao InternationalDockworkersCouncil (IDC), com sede em
Barcelona] a que pertencemos, e que historicamente sempre teve um papel
decisivo nessa luta. E é bom não esquecer que o que se passa em Portugal está
neste momento se passando por todo o mundo. Aqui na Europa temos problema em
Tilbury, um porto inglês, onde está sendo construído um terminal da DP World,
do governo de Dubai, como o que temos em Sines é do governo de Singapura;
existem problemas em Espanha, onde a Comissão Europeia pretende colocar em
causa a organização do trabalho; existem problemas na Grécia, no porto do
Pireu, onde uma empresa chinesa conseguiu que o governo grego lhe cedesse um
dos terminais onde pratica condições muito inferiores aos restantes
trabalhadores gregos; temos neste momento em curso uma greve que entrou na
terceira semana no porto de Hong Kong, dominado por um dos homens mais ricos
da Ásia, mas onde os trabalhadores não são aumentados há quinze anos; é bom
não esquecer que o porto de Hong Kong é o terceiro maior do mundo em termos
de movimento de carga; temos problemas no Brasil, onde a presidente Dilma
quer modificar em grande parte a legislação portuária, e isso vai afetar com
certeza os estivadores, que estão a entrar em processo de luta nos diversos
portos brasileiros; em Vancouver, no estado de Washington, um dos grandes
grupos econômicos asiáticos não permite desde fevereiro que os estivadores
entrem no terminal para substituir os outros, há um processo de lockout...
Isso tudo para dizer que um pouco por todo o mundo há um ataque generalizado
aos estivadores, por ser uma das profissões mais organizadas, um setor mais
estratégico da economia, e que são de alguma forma uma areia na engrenagem do
capital. Por isso há esse ataque mundial. Mas os estivadores estão também
organizados a nível mundial, e irão começar a ser dadas respostas a esses
casos em que os grupos econômicos estão atacando os direitos dos estivadores.
Portanto, eu também prevejo que aí as formas de luta e solidariedade possam
vir a intensificar-se.
Que mensagem enviaria aos estivadores dos portos que não aderiram à
vossa luta em 2012?
Quero fazer chegar a mensagem de que todos têm a ganhar com a vitória
dos estivadores de Lisboa, Setúbal, Figueira da Foz, Aveiro. Que são os
portos onde se praticam as melhores condições, contratuais, remuneratórias.
Porque quando essas condições desaparecerem, se um dia desaparecerem, porque
nós vamos lutar sempre contra isso, esses estivadores de portos que têm
condições mais precárias, baixos salários, falta de regras, falta de condições
de segurança, esses trabalhadores nunca mais terão um referencial onde
chegar, vão estar condenados a viver nessas condições mais desumanas toda a
vida. É por aí que temos de os trazer para a luta. Fazê-los ver que todos
temos a ganhar com uma organização nacional. No dia que estivermos todos
juntos nesse combate, a segunda batalha não vai ser ganha pelo governo.
Fonte
Escrito por MAS - Portugal Qui,
02 de Maio de 2013 23:20
|
15 de mar. de 2015
A Lição da Estiva Portuguesa
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