O Uber e o mito da panaceia
tecnológica
O Uber se apresenta
como um fenômeno da “economia compartilhada”, mas a ideia é essa.
Recentemente, taxistas em
cidades espalhadas pelo país foram às ruas para protestar contra a introdução do Uber no Brasil. Na França a situação foi ainda mais extrema, com carros
pegando fogo e a Uber por fim decidindo suspender o seu segmento mais low-cost no
país dos gauleses.
Simpatizantes do Uber criticaram severamente os
taxistas (e os reguladores, que não andam satisfeitos com o fato de que o
serviço não cumpre as normas estabelecidas para o transporte de passageiros).
Dizem que eles querem barrar a competição e manter o monopólio de passageiros,
que não são nada mais do que uma classe corporativista reacionária com medo de
perder os seus privilégios.
Mas as coisas não são tão simples assim.Através de um marketing engenhoso, companhias multibilionárias
do Silicon Valley apresentam para seus consumidores uma autoimagem positiva e
utópica que é extremamente tentadora nesses tempos econômicos tenebrosos.
O Uber diz que faz parte de um novo fenômeno, o
da “economia compartilhada” — um termo que conjura pessoas
dispostas ajudando umas às outras. Mas a ideia de que o Uber enquadra-se no conceito de “economia compartilhada” o aplicativo nada mais é
do que uma empresa extremamente agressiva tentando de tudo para maximizar seus
lucros.
Talvez seja até o melhor exemplo que
temos atualmente do capitalismo bastecido por enormes reservas de capital que primeiro
destroe a competição para depois monopolizar o mercado. Com um exercito de
lobistas e de advogados o Uber vem penetrando mercados .
Muitos já falaram sobre os benefícios que o Uber
supostamente traz, então talvez seria hora de dar voz a algumas criticas
que precisam ser tomadas em consideração para o debate progredir de uma forma
realmente honesta.
Do lado do consumidor temos a questão da
regulamentação, principalmente no quesito da segurança.
Seria ingênuo esperar que o Uber resolveria
questões relativas a inspetorias de veículos, paliação do risco sofrido
por passageiros, motoristas e pedestres, emissão de gazes, entre outras.
Quem é legalmente responsável no caso de um acidente envolvendo
um carro da Uber?
Fica também a dúvida quanto a ética do sistema
de “surge pricing” (onde os preços aumentam simultaneamente com a demanda)
adotado pela empresa. O Uber foi criticado quando seus preços explodiram
durante o sequestro em massa que ocorreu dezembro passado em Sidney (o
preço mínimo para usar o serviço subiu para $100).
Tudo isso demonstra que o serviço insere-se em
um complexo sistema de transporte publico — um problema de política urbana que deveria ser sujeito a
deliberação da sociedade.
Podemos também analisar a situação dos trabalhadores. Nos
Estados Unidos, a cada dia cresce o descontentamento dos motoristas do
Uber. Eles têm visto o seus percentuais de lucro cair, mesmo continuando em ter que arcar com todos os
riscos envolvidos em prestar um serviço de transporte.
Esses fatores explicam porque nos EUA temos um
crescente movimento para que os motoristas deixem de ser autônomos
e virem empregados. Não podemos esquecer que o Uber é parte de um processo
que anda ganhando força nessa economia ditada
pelo capital financeiro: onde o cidadão esta cada
vez mais dependentes de bicos para sobreviver .
O CEO do Uber, Travis Kalanick, acusou os críticos do aplicativo de quererem “parar o
progresso”. Isso nada mais é do que uma estratégia retórica que busca
marginalizar aqueles que não compartilham a visão .
Hoje, em 2015, temos a Uber estimada em mais de 40 bilhões de dólares, o seu CEO com
seus 5.3 bilhões de patrimônio e seus motoristas
autônomos (“driver partners”, de acordo com a “novilíngua” do Silicon Valley) —
esses últimos cada vez mais desiludidos com
o potencial econômico de um trabalho instável ao mesmo tempo em que ameaçam o
ganha pão de milhões de taxistas pelo mundo.
São justamente as vozes mais criticas que
demonstram que o “progresso” pode seguir caminhos diversificados. Podemos
“des-inventar” certas inovações que se mostraram perigosas, como o DDT e o CFC,
e podemos procurar maneiras de orientá-las em direções mais positivas e
seguras, como vem sendo o caso da energia nuclear.
A ideologia que brota do Silicon Valley
apresenta a tecnologia como uma coisa inerentemente positiva ou, na pior das
hipóteses, neutra. Mas a tecnologia nunca é imune a dinâmicas de poder. O
“progresso” não é alcançado através de inovações tecnológicas, mas sim graças a
escolhas políticas de como (e se) incorporaremos essas inovações dentro do
nosso complexo mundo social.
Se uma introdução ética de novas tecnologias na
sociedade depende de um diálogo democrático, porque ao invés de aceitar o Uber
como um fait accompli não considerarmos a ideia de Mike
Konczal? socializar o aplicativo.
Afinal, os motoristas já são donos de quase todo
o capital operacional, então porque não distribuir o lucro de maneira
comparável? Aí sim, poderíamos dizer que o aplicativo fomenta uma verdadeira
economia compartilhada. Mas se o Uber não quer empregar motoristas, que seja
então apenas uma provedora de software.
* Patrick
Luiz Sullivan De Oliveira é doutorando em História da Princeton University
Fonte carta capital
O mais importante e pesquisar para ler e entender o que vem a ser , o que se pretende quais modificações ocorreram para a comunidade .
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