Em sua origem, numa geo-história dos portos medievais, os
conhecimentos arqueológicos e históricos ressaltam que os portos de travessia,
ou de passagem, tinham tomado seguidamente a sucessão de baixios
multisseculares, possibilitando que, na metade do século XII, 50% dos pontos de
taxação se encontrassem aí onde as rotas ou estradas romanas, ou ainda os
caminhos ou trilhas gaulesas recortavam os rios, demonstrando a importância dos
pontos de interseção dos rios com os antigos caminhos. Nesse período, o termo
portus permaneceu quase por tudo polissêmico (direito sobre uma secção fluvial,
passagem, praia de pedregulhos).
Por tudo, também, o porto é o local de
obstáculo e de abertura, o ser que o país e o lugar têm em comum e, em graus
diversos, o produto de uma dupla realidade: uma, local, tem a consistência do
solo, do meio ambiente, do traçado do rio, da sua competência; a outra, é a
natureza regional e inter-regional, a importância de uma construção ribeirinha
dependendo de um hinterland com dimensões variáveis .
No entanto os termos
empregados, portus, depois port e havre, convidam à prudência. Esses em efeito a pluralidade das formas e das situações.
Na
escala do reino da França, essa variedade era particularmente sensível. Numa
estimativa baixa, eram cerca de 300 os sítios portuários de todos os tamanhos
ao fim da Idade Média, testemunhando o dinamismo das atividades portuárias
medievais, contrastando com o período seguinte que anuncia o fim dos pequenos
portos.
Convergindo nessa prudência, a palavra port se aplica aos encalhes,
lamaçais cavados na areia ou na lama/lodo pelos próprios navios, nas praias
onde encalham. Eles têm então uma posição costeira marcada.
A palavra havre ou
hable designa pequenas baías escurecidas, as aberturas estreitas, as pequenas
enseadas, as embocaduras alargadas de rios litorâneos, organizados ou não. Nos
mares com marés, o havre será sempre vazio com maré baixa e os navios a seco
como nos portos.
Nos rios, a palavra port significará desembarcadouro e o tipo
será representado, sobre a borda do mar, pelo termo stapula, bigorna.
A
passagem de um tipo ao outro se fará progressivamente no curso da Idade Média.
Assim, os havres sucederam os ports, deslocando-se em direção à montante.
Ou
seja, durante a Idade Média, as embarcações crescentemente se deslocaram da
ancoragem nas praias, com encalhe das embarcações, para a ancoragem nas bacias
de águas protegidas, tanto de baías e enseadas, como nas embocaduras dos rios, à medida que o comércio flúvio marítimo crescia, a se
deslocar cada vez mais para dentro do continente europeu, no sentido da jusante
(foz) para a montante (nascente), fato este explicado pelas dimensões reduzidas
das embarcações.
No entanto, essas definições estão restritas ao meio
geográfico que, pelas restrições técnicas da época, colocava-se. Como barreira
natural ao avanço das atividades comerciais. Contudo, no período em foco,
destaca-se também a oposição no uso setentrional do termo hafen em relação ao
uso meridional do termo portus. Sobre essa oposição terminológica, observa que,
na língua germânica, é o nórdico e o anglo-saxão hafen e seus derivados havene,
haefene, haben que são impostos, sem recurso ao portus latino e romano, que se
encontra doravante atestado, sobre o plano toponímico, para Pforzheim, sendo
empregado para designar toda cidade que lembre uma instalação urbana romana,
como Colônia, Worms e Neuss. Quanto à etimologia, portus está associado a porta
e a per (porta e passagem) que se encontra também no velho germânico far (ele
mesmo dando tor, a porta) e urfar, dois termos que teriam evoluído de ufer de
um lado (a margem) e de hafen de outro (o porto).
Ligados ou não um ao outro,
os dois termos portus e hafen designam em todo o caso o fato de entrar e de
fazer passar, essencialmente no registro das trocas de bens. A passagem de
portus a hafen nos textos esclarece seguramente os modos de designação,
representação e então de uso das instalações portuárias, possibilitando
verificar, de um lado, se a vitória de hafen corresponde ou não à
preponderância dos portos marítimos de criação mais tardia em relação aos
portos fluviais do interior marcados pela romanidade e, de outro, se se pode
observar ou não um uso setentrional de hafen contra um uso meridional de
portus, uso que recuperaria então um paradigma mais geral Norte-Sul, quer
dizer, mar-rio.
O termo hafen aparece pela primeira vez em 1260, na zona
lubecko-hamburguesa, no contexto de um processo verbal de um negócio implicando
mercadores de Lubeck residentes em Hamburgo que denunciam a aplicação, do direito de Hamburgo quanto ao cálculo de
pagamento a versar no caso de salvatagem de um carregamento segundo o local de
recuperação da mercadoria: sobre a terra (3,3%), sobre a costa ou na
proximidade do porto (5%), ou no alto mar (10%).
Tratava-se, portanto, do
desejo de unificação das legislações portuárias e comerciais das cidades
portuárias de Lubeck e Hamburgo, a fim de estendê-las às demais cidades
pertencentes à Liga Hanseática.
Essa unificação deveria repousar sobre uma base
sólida de segurança dos portos concebidos como a espinha dorsal de um sistema
que tinha já vocação para religar as cidades e as costas sobre várias centenas
de quilômetros .
O interesse residia no fato de o porto ser considerado a essa
época como um lugar equivalente de uma cidade à outra e como o espaço de
aplicação de um “direito dos negócios”, direito não do mar, mas da cidade.
Outro interesse consistia no tipo de argumentação colocada pelos mercadores de
Lubeck, que estimam que a palavra portus-hafen não seria suficiente para
designar uma zona portuária claramente delimitada, sobre a qual todo o mundo
poderia estar de acordo e pensando que, no sentido comum, portus não quer dizer
outra coisa senão que um lugar propício à ancoragem, uma via de acesso e um
ancoradouro próximo de uma cidade. Para eles, essa definição aberta deveria
conduzir Lubeck e Hamburgo, e com elas as outras cidades associadas, a se
entender sobre o fato de que é no direito urbano das mercadorias, e não naquele
dos mares, que se deveria determinar a porcentagem aplicável à salvatagem de um
carregamento em função da posição do navio.
No último terço do século XIII, a
liberdade de tráfego deveria concernir tanto ao porto quanto às costas; o porto
deveria ser tratado como uma rota e se deveria lhe aplicar o direito de mercado
dado pelo tribunal ordinário da cidade. O navio amarrado no cais não possuiria
um estatuto diferente de uma casa ou de um terreno na cidade.
Outro aspecto
destacável é o fato de que a legislação sobre o porto, então a legislação urbana
(de Lubeck), devia e podia ser aplicada sobre o navio tanto quanto ele
permanecesse em contato visual desde o porto ele mesmo.
O contato visual é
também o que guia desde muito tempo os marinheiros e o capitão para encontrar a
entrada do porto.
Por esse caminho, e desde os anos 1260, o porto bem serviu de
porta de saída para a exportação do direito de Lubeck aos confins da Liga
Hanseática. De outra parte, é pelo regulamento dos conflitos comerciais e pela
codificação de um direito marítimo atribuído ao direito dos mercados que,
durante a segunda metade do século XIII, um salto taxonômico se produziu . Para
o domínio da Liga Hanseática ao menos, a mutação estrutural que se observa na
passagem dos séculos XIII ao XIV, tanto na organização quanto no crescimento e
na topografia das cidades portuárias do Mar do Norte e do Báltico, se explica
tanto para o porto em sua materialidade quanto pelo direito que lhe é aplicado .
Fonte CIDADES PORTUÁRIAS MEDIEVAIS: DOS PRIMÓRDIOS DAS
TÉCNICAS DE ENGENHARIA NAVAL E PORTUÁRIA À ORIGEM ETIMOLÓGICA DA PALAVRA PORTO
MARCELO VINICIUS DE LA ROCHA DOMINGUES*
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