7 de jan. de 2024

Quale a dá terceirização.

 As lutas dos trabalhadores são entendidas como reivindicações para dignidade familiar junto da sociedade. Para Fraser (2006a; 2007; 2008) e Honneth (2015), a terceirização, engendram uma expansão do conteúdo de justiça das lutas do trabalho, aproximando-as das lutas minoritárias.

Mas qual é a análise do entendimento sobre a terceirização no Brasil.

Foram identificados três eixos contrários à terceirização: econômico, jurídico e moral. No eixo econômico, a terceirização e uma retomada de formas de exploração do trabalho, características do século XIX e constroem o falso discurso do liberalismo. No eixo jurídico, a fragmentação da classe trabalhadora e a precarização das condições de trabalho, a organização dos trabalhadores é uma conquista social.

O eixo moral ultrapassa as categorias do paradigma social e se subdivide em duas questões. A primeira delas é a questão do valor social do trabalho, por meio da qual é denunciado o desrespeito da sociedade em relação aos trabalhadores e às suas conquistas históricas. A segunda questão é a da dignidade nas relações de trabalho e de formação de um grupo de trabalhadores de segunda classe.

A terceirização promove uma desumanização das relações de trabalho e produz um grupo de trabalhadores de segunda classe.

A primeira demonstração, da desumanização das relações de trabalho, remete à ausência de tratamento igualitário entre trabalhadores diretos e terceirizados nos ambientes de trabalho em que estes convivem. Sendo assim, a terceirização produz injustiças não apenas econômicas e legais, mas também morais, porque o trabalhador terceirizado teria um valor moral inerentemente menor do que os trabalhadores diretos, simplesmente por ser terceirizado. Este argumento, presente no discurso dos representantes do “trabalho”, é amparado por três afirmações: a) a vida do trabalhador terceirizado vale menos; b) a terceirização faz do trabalhador uma mercadoria; c) a terceirização expõe o trabalhador ao trabalho análogo ao de escravo.

A primeira afirmação, de que a vida do trabalhador terceirizado vale menos, está baseado nos dados sobre mortes, acidentes e sobre as normas de segurança e saúde no trabalho. Na audiência pública, a socióloga Graça Druck (UFBA) informou sobre o índice de acidentes de trabalho entre terceirizados: no setor do petróleo, “95 e 100% dos acidentes - inclusive os chamados acidentes fatais, ocorre entre trabalhadores terceirizados”; no setor elétrico, “esse dado é 75%”. Além disso, “fiscalizações do Ministério do Trabalho e ações civis” demonstra que “100% das empresas terceirizadas vêm desrespeitando normas de saúde e segurança do trabalho”.

A segunda afirmação a terceirização faz do trabalhador uma mercadoria - faz referência aos casos em que terceirização equivale ao marchandage, ou seja, à locação de força de trabalho. Como coloca, na audiência, o desembargador Márcio Viana (TRT-MG), o caso de “uma empresa que fornece trabalhadores a outra para fazer conservação e asseio”. Este é o tipo de terceirização “que mais preocupa”, no qual “o que se transfere passo-a-passo é a própria força de trabalho”. Este tipo de terceirização seria “quase sempre interna”, o que teria por consequência que uma “empresa engole os trabalhadores de outra”. Essa terceirização discrimina, cria uma subespécie de trabalhadores, cujos corpos são negociados por um intermediário que os aluga quase como animais (Márcio Túlio Viana, Desembargador TRT-MG).

Nesse sentido, a terceirização teria o potencial de tornar os trabalhadores meras mercadorias a serem deslocadas de uma empresa a outra, de acordo com a necessidade destas, sem respeito à dignidade daqueles.

Grandes empresas buscam custos baixos para a produção de seus artigos, que posteriormente são vendidos a altos preços. Tudo vale em busca do lucro.



Por sua vez, a afirmação de que os trabalhadores terceirizados não apenas teriam menos direitos do que os trabalhadores diretos, como também sofreriam discriminação nos ambientes de trabalho. Compartilhando suas experiências como juiz do Trabalho, Renato Sant’Anna (ANAMATRA) afirma que “o trabalhador terceirizado é visto como coisa”:

[…] ele é visto como um empregado de segunda categoria, ele é chamado, como disse o Sebastião Caixeta, de terceirizado. Muitas vezes em audiência, nós ouvindo testemunhas, percebemos que todo mundo tem nome, menos uma determinada pessoa que é chamada de terceirizado. É o terceirizado, a terceirizada, ela perde a identidade, porque ela perde a identidade dela com a empresa, o que é essencial, é da natureza do direito do trabalho (Renato Henry Sant’Anna, ANAMATRA).

Uma demonstração de como o ideal liberal se tornou parte da convicção de pertencimento de parte da sociedade.

Os trabalhadores terceirizados recebem um tratamento diferente dos trabalhadores diretos, quando no ambiente de trabalho da empresa contratante.

Assim, ao aportar uma concepção ampliada de isonomia (salário, direitos e tratamento), o corpus de análise permite afirmar que, frente às injustiças produzidas pela terceirização, a igualdade entre os trabalhadores e a demandada tanto em termos estatutários (Fraser, 2015) quanto em termos de igual valor moral dos trabalhadores terceirizados. Essas duas demandas estão fortemente articuladas, na medida em que o trabalho identifica que a terceirização produz uma ameaça de cisão da classe trabalhadora entre trabalhadores. Enquanto aqueles teriam seus direitos, sua representação e sua remuneração equitativamente garantida por meio, por exemplo, de convenções coletivas de trabalho, estes, alocados em categorias distintas apesar de desempenharem funções correlatas, não teriam nem mesmo sua dignidade respeitada.

Tem-se, portanto, duas facetas da luta por igualdade entre os trabalhadores: uma faceta operacional, posta em prática por meio da reivindicação de isonomia em três dimensões; e uma faceta normativa, que é acionada pelas demandas de respeito à dignidade do trabalhador terceirizado.

Na faceta operacional, a terceirização seria um mecanismo que impede a paridade entre trabalhadores diretos e terceirizados, na medida em que expõe estes as injustiças redistributivas, representativas e de reconhecimento mais, graves. “A terceirização é negativa para os trabalhadores” (Ricardo Antunes, Unicamp). A terceirização faz “de certos atores seres inferiores, excluídos, estrangeiros, ou simplesmente invisíveis e com menos que parceiros de pleno direito na interação social” (Fraser, 2015, p. 328).

Assim, a paridade de representação requer que todos os trabalhadores de uma mesma categoria (ou categoria análoga) sejam representados pelo mesmo sindicato. Por fim, na dimensão do reconhecimento, demanda-se a isonomia de tratamento entre trabalhadores diretos e terceirizados, ou seja, que a eles sejam providos os mesmos materiais de segurança, que eles desfrutem das mesmas condições de saúde, que tenham acesso aos mesmos espaços (como refeitórios), e, sobretudo, que eles sejam tratados como iguais no ambiente de trabalho.

As lutas trabalhistas e as lutas minoritárias compartilham do mesmo substrato moral da igualdade, definido por Benhabib (2004) como o princípio performativo moral e político da história da modernidade.

O problema que a terceirização coloca à noção de direitos universais não é que ela reduz direitos formalmente, visto que grande parte do trabalho terceirizado é assalariado formal, mas sim, na prática, porque a instabilidade econômica das empresas prestadoras de serviço dificulta o acesso dos trabalhadores terceirizados a dignidade social.

Assim, o trabalhador terceirizado tem sua dignidade extirpada, porque sua vida tem um valor inerentemente menor em comparação ao trabalhador direto, porque está exposto ao trabalho análogo ao de escravo e ao risco de ser tratado como mercadoria, pois, não tem acesso aos direitos trabalhistas, sendo discriminado nos ambientes de trabalho.

Referências

BENHABIB, S. Kantian questions, Arendtian answers: statelessness, cosmopolitism, and the right to have rights. Pragmatism, critique, judgment. MIT Press, 2004, p. 171-96.

FRASER, N. La justicia social en la era de la política de la identidad. Redistribución, reconocimiento y participación. Un debate político-filosófico.  2006a, p. 17-88.

FRASER, N. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 15, n. 14/15, p. 231-9, jan./dez. 2006b.

FRASER, N. “Reconhecimento sem ética?”. Teoria crítica no século XXI. 2007, p. 113-40.

FRASER, N. Scales of justice. Reimagining political space in a globalizing world.  2008.

FRASER, N. Pour une critique non culturaliste de la culture. Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le capitalisme globalisé. 2015, p. 323-52.

HONNETH, A. Le droit de la liberté. Esquisse d’une éthicité démocratique. 2015.

Resenha  da tese de doutorado “O futuro da humanidade que trabalha”: reconfiguração moral das lutas trabalhistas frente à terceirização, 2016  Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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