A seleção
da memória de alguns depoentes enfatiza os efeitos positivos dessa experiência,
alguns documentos de época, como cartas de sócios para o sindicato local, assim
como as falas registradas em atas, mostram as dificuldades de relacionamento e as condições
de trabalho em outros portos do país.
Francisco das Chagas Morais é um dos que
relembra esse momento.
“Seu Morais” obteve licença para, no seu dizer, “ganhar
o mundo”: “tirei logo uma carta com destino ao Rio, Santos, Pernambuco, porque
eu era destemido mesmo, eu digo quero conhecer esses terrenos, aí eu saí quando
cheguei em Pernambuco em 1946, aí eu vi fortuna de trabalho e ganho e eu fiquei
englobado”. Depois de “provar” da maioria dos portos do Nordeste, Seu Morais
queria ir mais longe: “...tava trabalhando no porto de João Pessoa, por lá me
informaram, me disseram que gente daqui estava em Paranaguá. Comecei a
trabalhar em Paranaguá, meu amigo era dinheiro em Paranaguá, atracava de
quarenta navios, isso já na época de 46”.
Seus relatos no STSPC, acerca de
Paranaguá, acabaram por gerar frisson entre os estivadores ávidos de uma melhor
aposentadoria. Ainda nessa perspectiva de se adquirir boas condições de
trabalho em outros portos, alguns estivadores acabavam por fixar residência
nas cidades portuárias.
É o que afirma Francisco Laurindo de Menezes: “Tem
colegas aí que ficaram nos portos, por aí. Saíram pra trabalhar três meses, aí
se dava bem, ficavam, arrumava amizade por lá, muita gente ficou nos porto do
Rio de Janeiro, Rio Grande, eu tinha uns colegas que ficaram por lá”.
A saída para
trabalhar em outros portos era acompanhada pelo sindicato de origem. Ao saírem,
ficavam obrigados a dar notícias. Alguns, esqueciam ou faziam pouco caso dessas
recomendações, abandonando a família e sindicato, mudavam de porto sem o
conhecimento prévio do sindicato de origem.
Na sessão de 29 de julho de 1962, os
estivadores tiveram que decidir a situação de dois estivadores “desaparecidos”
que “abandonaram o nosso sindicato e foram embora para o Sul do país e não mais
deram nenhuma satisfação ao nosso sindicato (...) José Lopes de Amorim e
Raimundo Siebra”.
Após as discussões, os dois foram eliminados do quadro
social.
Apesar da predileção dos estivadores pelo Porto de Santos, a
dificuldade para se conseguir vagas no mesmo parecia ser maior.
Uma pesquisa nas
cartas concedidas para os estivadores trabalharem em outros portos, Santos e o
terceiro porto mais visitado, com 15 trabalhadores .
Entre 1976 a 1983, o Porto
do Pará lidera com 51 estivadores, Salvador com 25, Fortaleza com 12, Rio de
Janeiro, Ilhéus, Maceió e Paranaguá, com 4, Vitória 3, Angra dos Reis, São
Luís, Santarém e Manaus, com 02, São Francisco do Sul e Santa Catariana com um ,
totalizando 151 destacados para trabalharem nos portos do país.
Outra visão .
Vários
estivadores se manifestaram sobre os problemas que enfrentaram nos portos
afora. Relatos de viagens nas sessões documentadas em atas, além de algumas
cartas, denunciam atos de sofrimento e humilhação.
Neste sentido, Antonio
Delmiro da Silva esclareceu ligeiramente que durante “sua permanência em Natal,
passou uma situação bem mesquinha”.
Noutra ocasião, informado do que passara um
sócio em Recife, o presidente apresenta à assembléia cópia do ofício “que tinha
enviado para Pernambuco por motivo de uma carta que tinha recebido do
companheiro Francisco Pereira Mendes acusando que o Presidente de lá não lhe
tinha sido digno e chegando ao ponto até de maltratar também a sua própria
pessoa”.
Em duas cartas enviadas para o sindicato no ano de 1983, o sócio
Agripino Ferreira Lima descreve um panorama das dificuldades que enfrentava em
São Francisco do Sul, Santa Catarina. “a situação não é realmente boa, mas não
é também muito ruim. pa (...) O que dá mais trabalho aqui é o embarque de
galinha em frigorífico (...) a maior parte leva o tempo chovendo e dizem que o
inverno ainda não começou”.
Na segunda, Agripino já estava com quatro meses de
trabalho no porto de São Francisco do Sul e as notícias; “a situação é crítica
e eu estou arrependido de ter voltado e se tivesse com dinheiro já tinha ido
embora”. Além das informações, faz um pedido de uma pesquisa sobre seu tempo de
trabalho pelos portos do país desde 1970.
A disciplina dos trabalhadores nos
portos.
Provavelmente as reclamações tinham algum fundo de verdade, porém,
nossos trabalhadores também provocavam conflitos nesses portos, sendo alvos de
constantes advertências via Federação, ou mesmo de presidentes dos sindicatos
visitados por eles.
Em visita de trabalho ao SEPC, a Federação chama a atenção
para as constantes reclamações sobre “visitantes irresponsáveis nos portos”, a
tal ponto de já se cogitar o veto dessa prática, o que ainda não ocorrera por
interferência da Federação que ficara “com a responsabilidade de cientificar
aos Sindicatos para ser tomada as providências que o caso requer, para não
correr risco de ser vetado este precioso privilégio”. Manter um bom
relacionamento e zelar pelo bom nome do sindicato, era uma preocupação dos
dirigentes sindicais.
Porém, a indisciplina, às vezes, ultrapassava o âmbito
das relações de trabalho nos portos.
Um associado do Sindicato dos Estivadores de
Recife manda correspondência ao presidente do SEPC reclamando e cobrando uma
dívida de quatro companheiros deixada em sua pensão.
Ou o que aprontou Maurício de Lacerda Rego,
representante do SEPC num congresso em Recife. Na época do congresso, era o
presidente e retirou Cr$ 35.000,00 para a viagem e chegou dizendo que fora
convidado pelo Presidente da Federação “para um almoço e que era para todos os
representantes cooperarem com a despesa”. Posteriormente, chegou ao sindicato
uma correspondência do Hotel Regina cobrando Cr$ 4.200,00. Ao presidente de
então, restou apenas lamentar o “predicado faltoso” do associado, danoso para a
imagem do sindicato.
Estas atitudes, sem dúvida, influiriam na saída dos
trabalhadores para outros portos.
Era preciso deixar boa impressão por onde
passavam, aqueles que se comportavam bem nos outros portos, acabavam por
adquirir experiência tanto no campo de trabalho como nas lides administrativas.
Alguns deles, após as constantes viagens, assumiam cargos nas diretorias ou
atuariam nos conselhos fiscais.
É o caso do estivador Francisco de Araújo, que
só aceitou participar como tesoureiro no SEPC após trabalhar em muitos portos
“para arranjar alguma coisa na vida”, e dizer com embevecimento e orgulho, que
pisara o cais de Santos, assistira reunião na sede do Sindicato dos Estivadores
e vira de perto o líder dos estivadores, Oswaldo Pacheco.
Por este exemplo, se
pode compreender que o intercâmbio de trabalho em outros portos do país, gerava
trocas, que percebidas pelos trabalhadores, reforçavam os laços de
solidariedade.
Fonte UM PÉ EM
CADA PORTO: trabalhadores cearenses em busca da sobrevivência nos portos do
país.
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