7 de dez. de 2015

UM PÉ EM CADA PORTO

 A  seleção da memória de alguns depoentes enfatiza os efeitos positivos dessa experiência, alguns documentos de época, como cartas de sócios para o sindicato local, assim como as falas registradas em atas, mostram as  dificuldades de relacionamento e as condições de trabalho em outros portos do país
Francisco das Chagas Morais é um dos que relembra esse momento. 
“Seu Morais” obteve licença para, no seu dizer, “ganhar o mundo”: “tirei logo uma carta com destino ao Rio, Santos, Pernambuco, porque eu era destemido mesmo, eu digo quero conhecer esses terrenos, aí eu saí quando cheguei em Pernambuco em 1946, aí eu vi fortuna de trabalho e ganho e eu fiquei englobado”. Depois de “provar” da maioria dos portos do Nordeste, Seu Morais queria ir mais longe: “...tava trabalhando no porto de João Pessoa, por lá me informaram, me disseram que gente daqui estava em Paranaguá. Comecei a trabalhar em Paranaguá, meu amigo era dinheiro em Paranaguá, atracava de quarenta navios, isso já na época de 46”. 
Seus relatos no STSPC, acerca de Paranaguá, acabaram por gerar frisson entre os estivadores ávidos de uma melhor aposentadoria. Ainda nessa perspectiva de se adquirir boas condições de trabalho em outros portos, alguns estivadores acabavam por fixar residência nas cidades portuárias
É o que afirma Francisco Laurindo de Menezes: “Tem colegas aí que ficaram nos portos, por aí. Saíram pra trabalhar três meses, aí se dava bem, ficavam, arrumava amizade por lá, muita gente ficou nos porto do Rio de Janeiro, Rio Grande, eu tinha uns colegas que ficaram por lá”. 
A saída para trabalhar em outros portos era acompanhada pelo sindicato de origem. Ao saírem, ficavam obrigados a dar notícias. Alguns, esqueciam ou faziam pouco caso dessas recomendações, abandonando a família e sindicato, mudavam de porto sem o conhecimento prévio do sindicato de origem. 
Na sessão de 29 de julho de 1962, os estivadores tiveram que decidir a situação de dois estivadores “desaparecidos” que “abandonaram o nosso sindicato e foram embora para o Sul do país e não mais deram nenhuma satisfação ao nosso sindicato (...) José Lopes de Amorim e Raimundo Siebra”. 
Após as discussões, os dois foram eliminados do quadro social. 
Apesar da predileção dos estivadores pelo Porto de Santos, a dificuldade para se conseguir vagas no mesmo parecia ser maior. 

Uma pesquisa nas cartas concedidas para os estivadores trabalharem em outros portos, Santos e o terceiro porto mais visitado, com 15 trabalhadores .
Entre 1976 a 1983, o Porto do Pará lidera com 51 estivadores, Salvador com 25, Fortaleza com 12, Rio de Janeiro, Ilhéus, Maceió e Paranaguá, com 4, Vitória 3, Angra dos Reis, São Luís, Santarém e Manaus, com 02, São Francisco do Sul e Santa Catariana com um , totalizando 151 destacados para trabalharem nos portos do país.
 Outra visão .
Vários estivadores se manifestaram sobre os problemas que enfrentaram nos portos afora. Relatos de viagens nas sessões documentadas em atas, além de algumas cartas, denunciam atos de sofrimento e humilhação. 
Neste sentido, Antonio Delmiro da Silva esclareceu ligeiramente que durante “sua permanência em Natal, passou uma situação bem mesquinha”. 
Noutra ocasião, informado do que passara um sócio em Recife, o presidente apresenta à assembléia cópia do ofício “que tinha enviado para Pernambuco por motivo de uma carta que tinha recebido do companheiro Francisco Pereira Mendes acusando que o Presidente de lá não lhe tinha sido digno e chegando ao ponto até de maltratar também a sua própria pessoa”. 
Em duas cartas enviadas para o sindicato no ano de 1983, o sócio Agripino Ferreira Lima descreve um panorama das dificuldades que enfrentava em São Francisco do Sul, Santa Catarina. “a situação não é realmente boa, mas não é também muito ruim. pa (...) O que dá mais trabalho aqui é o embarque de galinha em frigorífico (...) a maior parte leva o tempo chovendo e dizem que o inverno ainda não começou”. 
Na segunda, Agripino já estava com quatro meses de trabalho no porto de São Francisco do Sul e as notícias; “a situação é crítica e eu estou arrependido de ter voltado e se tivesse com dinheiro já tinha ido embora”. Além das informações, faz um pedido de uma pesquisa sobre seu tempo de trabalho pelos portos do país desde 1970.
 A disciplina dos trabalhadores nos portos.
 Provavelmente as reclamações tinham algum fundo de verdade, porém, nossos trabalhadores também provocavam conflitos nesses portos, sendo alvos de constantes advertências via Federação, ou mesmo de presidentes dos sindicatos visitados por eles. 
Em visita de trabalho ao SEPC, a Federação chama a atenção para as constantes reclamações sobre “visitantes irresponsáveis nos portos, a tal ponto de já se cogitar o veto dessa prática, o que ainda não ocorrera por interferência da Federação que ficara “com a responsabilidade de cientificar aos Sindicatos para ser tomada as providências que o caso requer, para não correr risco de ser vetado este precioso privilégio”. Manter um bom relacionamento e zelar pelo bom nome do sindicato, era uma preocupação dos dirigentes sindicais. 
Porém, a indisciplina, às vezes, ultrapassava o âmbito das relações de trabalho nos portos
Um associado do Sindicato dos Estivadores de Recife manda correspondência ao presidente do SEPC reclamando e cobrando uma dívida de quatro companheiros deixada em sua pensão. 
 Ou o que aprontou Maurício de Lacerda Rego, representante do SEPC num congresso em Recife. Na época do congresso, era o presidente e retirou Cr$ 35.000,00 para a viagem e chegou dizendo que fora convidado pelo Presidente da Federação “para um almoço e que era para todos os representantes cooperarem com a despesa”. Posteriormente, chegou ao sindicato uma correspondência do Hotel Regina cobrando Cr$ 4.200,00. Ao presidente de então, restou apenas lamentar o “predicado faltoso” do associado, danoso para a imagem do sindicato. 
Estas atitudes, sem dúvida, influiriam na saída dos trabalhadores para outros portos
Era preciso deixar boa impressão por onde passavam, aqueles que se comportavam bem nos outros portos, acabavam por adquirir experiência tanto no campo de trabalho como nas lides administrativas. Alguns deles, após as constantes viagens, assumiam cargos nas diretorias ou atuariam nos conselhos fiscais.
 É o caso do estivador Francisco de Araújo, que só aceitou participar como tesoureiro no SEPC após trabalhar em muitos portos “para arranjar alguma coisa na vida”, e dizer com embevecimento e orgulho, que pisara o cais de Santos, assistira reunião na sede do Sindicato dos Estivadores e vira de perto o líder dos estivadores, Oswaldo Pacheco. 
Por este exemplo, se pode compreender que o intercâmbio de trabalho em outros portos do país, gerava trocas, que percebidas pelos trabalhadores, reforçavam os laços de solidariedade.
Fonte UM PÉ EM CADA PORTO: trabalhadores cearenses em busca da sobrevivência nos portos do país.

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