A estiva compreende uma das funções mais antigas exercidas no ramo
portuário. Inicialmente em Pelotas foi realizada nos trapiches pelos
braços da escravidão. Com o advento da República, o trabalho de estivar
passou a ser realizado pela mão de obra avulsa vaga no mercado de trabalho.
Com a sindicalização das categorias na década de 1930, o sindicato passou a
organizar estes trabalhadores por meio de um sistema de rodízios que
propiciava igualdade de oportunidade de trabalho para todos os estivadores.
Entretanto, o processo de transformação das relações de trabalho envolvendo a estiva continuou em movimento, a mecanização da operação portuária, gerou mudanças significativas para a
categoria . As sacas dão lugar a contêineres
e boa parte dos estivadores é substituída pelos guindastes.
A luta dos estivadores em não perder seu ofício tem se acirrado com o
passar dos anos, pois tal situação já é visível desde a década de 1940. Por ser
uma classe de trabalhadores avulsos no porto, acabavam sendo vítimas de
injustiças trabalhistas. Assim acionavam a Junta de Conciliação e Julgamento
local em prol de seus interesses e de seu trabalho.
A década de 1940 na cidade de Pelotas foi marcada por problemas
como amplas jornadas de trabalho, péssimas condições de trabalho e
demissões sem justa causa, base das principais disputas judiciais em torno da
organização do trabalho no porto.
Os trabalhadores estavam diante de uma
justiça que, por estar vinculada ao Ministério da Agricultura, Indústria e
Comércio, excluía os portuários da organização trabalhista no Brasil.A estiva deste período se situava em uma estrutura portuária cuja
principal característica era a sua organização fluída, tendo em vista que seus
empregadores utilizavam-se da falta e da omissão de leis trabalhistas para
contratar os empregados da forma que lhes parecia ser melhor. A indústria portuária envolve um sem-número de empregadores que
estabelecem diferentes salários, horários e regras de trabalho.
Diante dessas circunstâncias, os operários portuários vão lutar por
direitos da mesma forma que os empregadores irão tentar promover
normatizações que beneficiem a exploração do trabalho. As reclamatórias dos portuários eram julgadas segundo os decretos
desenvolvidos para os industriários e comerciantes (Lei n. 62 de 5 de junho de
1935).
Antes da CLT, havia três normatizações que levavam em conta a vida
portuária.
A primeira, de junho de 1933, criou o Instituto de Aposentadorias e
Pensões dos Marítimos (IAP),garantindo aposentadoria, pensão, assistência médica e programa
habitacional.
A segunda normatização se deu em outubro de 1933, com o decreto nº
23.2594, a qual criou a Delegacia do Trabalho Marítimo, cujo dever era de
inspecionar, disciplinar e policiar o trabalho nos portos, fixando o número de estivadores necessários ao movimento do porto , fiscalizar o horário do trabalho de acordo com a legislação vigente;
fixar a tabela de
remuneração dos trabalhadores da estiva, por tonelagem ou cabotagem;
fiscalizar os trabalhos de carga e descarga e movimentação de mercadorias, emitir pareceres sobre matéria atinente ao trabalho portuário e que seja da alçada do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio.
Além disso, este decreto estabelece uma Junta de Conciliação e
Julgamento para cada Delegacia de Trabalho Marítimo,tendo a função de diminuir os conflitos trabalhistas que ocorressem no porto .
Do mesmo modo, se vê que as leis ainda buscam
abranger o maior número de funções possíveis.
O terceiro e último decreto antes da CLT que envolve os os estivadores no Brasil é de 1934, com a criação do Instituto de
Aposentadoria e Pensão dos Comerciários (IAPC),as caixas de Aposentadoria dos Estivadores, o que mais tarde se transformaram em
institutos .
Tais dispositivos não levavam em conta as especificidades do trabalho
dos estivadores e suas relações empregatícias, as quais eram diferentes do labor
industriário e/ou comerciário. Diante disso, se fazia necessário criar
normatizações que fossem mais adequadas ao mundo portuário e, portanto aos
estivadores.
A CLT, por sua vez, mostra certa preocupação com os trabalhadores da
estiva, pois dedicou a Seção VIII, a qual compreende do art. 254 ao 292,
somente para promover uma delimitação deste trabalho através da construção
de direitos e deveres para estes operários portuários.
Em seus escritos,
instaurou uma definição a categoria:
Art. 254 - Estiva de embarcações é o serviço de movimentação das mercadorias
a bordo, como carregamento ou descarga, ou outro de conveniência do
responsável pelas embarcações, compreendendo esse serviço a arrumação e a
retirada dessas mercadorias no convés ou nos porões.
Além disso, promoveu uma delimitação deste trabalho, o qual deve ser
conduzido e organizado pelo seu sindicato. A lei abarca sobre o contrato de
trabalho, se preocupou com a identificação deste operário que passou a utilizar
uma chapa com o número da matrícula e as iniciais do sindicato ou a sigla O.E.
(Operário da Estiva). Também traz a forma de pagamento, que deve ser
realizado mediante sindicato.
Os estivadores procuraram a Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ)
para lutar pela sua reintegração ao trabalho na função e ainda o pagamento dos
meses em que estiveram parados por culpa da despedida, segundo eles, injusta.
Isso somava o valor de Cr$ 2.400,00 (dois meses de trabalho).
O interessante deste processo é que todos estes estivadores eram
reservistas do exército brasileiro.
O primeiro pertencia a 3º categoria (cert.
531.616 de 15/03/1943), o segundo era da 1ª categoria (cert. 2636, de
19/10/1928), o terceiro fazia parte da 3ª categoria (cert. 224035, de
24/09/1942) e o último também pertencia a 3ª categoria (cert. 705.924, de
28/04/1943). Sendo então reservistas, tinham o direito de permanecer no
trabalho, não sendo permitida a despedida, fundamentado pelo Decreto-lei nº
5.684 de 22 de julho de 1943.
Este processo tem como início o ano de 1944,
ou seja, apenas um ano após a promulgação da CLT, os estivadores já estavam
lançando mão deste dispositivo como forma de proteger seu trabalho, e neste
caso, de defender a sua permanência no emprego.
Assim, se percebe que os trabalhadores tinham conhecimento de que
podiam procurar a JCJ, e que conheciam este dispositivo legislativo trabalhista
a ponto de utilizá-lo em sua defesa.
Este processo, diferente do que se imagina, não é julgado como
procedente, pois antes disso a JCJ consegue promover a conciliação entre os
litigantes.
Assim o empregador ficou responsável por pagar o salário de Cr$ 12
por dia e mais as custas da reclamação, totalizando Cr$ 84 para cada estivador.
O segundo processo encontrado (nº 252, 1945) envolve os seguintes
estivadores:Edmundo Antunes, João da Rocha, Manuel Lucilo Taron, Idalino
Lima dos Santos, Justino Alves de Souza, Felisberto Godinho, Domingos
Tavares da Paz. Também eram trabalhadores da firma Siqueira e Pinto, na qual
trabalhavam havia menos de um ano e recebiam o salário de Cr$12 por dia. No
dia 16 de setembro de 1947, foram demitidos sem motivo e sem que fosse
feito aviso prévio. Estes operários pleiteavam o pagamento de oito dias de
salários a título de aviso prévio, para isso utilizavam-se do artigo 487 inciso nº
II da CLT, como forma de embasar sua reivindicação. O valor total reclamado
era de Cr$ 864,00, sendo Cr$ 96,00 para cada estivador.
Fonte
A ESTIVA DE PELOTAS E A LUTA PELO CUMPRIMENTO DE SEUS
DIREITOS TRABALHISTAS ENTRE 1943 E 1950
Jordana Alves Pieper
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