3 de dez. de 2019

Don’t Fuck My Job | As lutas dos estivadores: Uma perspetiva Global

Prefácio de António Mariano, onde se apresenta o livro “Don’t Fuck My Job | As lutas dos estivadores: Uma perspetiva Global”, coordenado pela historiadora Raquel Varela. O livro já está disponível nas livrarias e nas paginas da internet da editora humus .

"É com um misto de orgulho e prazer que assumo a honra de abrir “Don’t Fuck My Job” - olhares sobre o mundo da estiva, um projeto que procurou, a partir de diferentes perspetivas e com base na experiência de casos concretos, abordar os principais desafios que se colocam hoje ao mundo da estiva e ao setor portuário.

Seja a partir do Chile, onde os estivadores têm levado a cabo uma das principais lutas pela dignificação do trabalho portuário, seja a partir de Lisboa, onde o SEAL se tem afirmado como uma das principais referências do sindicalismo de combate, seja sobre os desafios da automação, que ameaçam dezenas de milhares de postos de trabalho, ou sobre a chaga da precariedade, que pressiona este setor para a desvalorização salarial e o expõe a riscos desnecessários, este livro recolhe experiências de luta e análises que nos permitem melhorar coletivamente, aprendendo com os erros e os acertos que têm pautado a luta pela dignidade do trabalho portuário ao longo dos últimos anos.

O IDC, ao qual o SEAL está associado desde a primeira hora, nasceu de uma derrota imposta pelo thatcherismo aos estivadores de Liverpool, mas a transformação das lições dessa derrota na construção de uma organização mundial do setor, livre de amarras com o sindicalismo de conciliação, dotou hoje todos os estivadores que pertencem a esta grande família de uma ferramenta de luta fundamental nas diferentes realidades laborais em que os mais de 130 mil estivadores filiados no IDC vivem.

A história desse momento inicial que resultaria na fundação do IDC, a luta de 28 meses dos estivadores de Liverpool, é contada por Mike Carden em “A luta dos estivadores de Liverpool de setembro de 1995 a janeiro de 1998 e as origens da traição”.

Porém, antes disso, Raquel Varela já começara por abordar a crise do sindicalismo, ou melhor a crise do sindicalismo “do pacto social da segurança do emprego vigorou entre 1945 e 1980 nos países centrais”, mas que deixou de existir a partir daí. Os sindicatos tradicionais continuaram a agir como se nada tivesse mudado, negociando sem apoio das bases e patrocinando processos jurídicos morosos e dispendiosos, sem resultados. Isto foi corresponsável não só por uma perda de direitos sociais mas por uma desindicalização maciça – entre o final da década de 70 e hoje a percentagem de sindicalizados caiu de mais de 60% para menos de 20%. A contrapartida para esse tipo de sindicalismo em crise tem sido dada por sindicatos como o dos estivadores, que lutaram ferozmente contra a precarização que os levaria pelo mesmo caminho, enfrentando as tentativas de dividi-los entre velhos (com emprego relativamente protegido) e novos (avulsos).

Além disso, num mundo globalizado, eles agem coordenadamente a nível internacional – a importância da solidariedade internacional coordenada pelo International Dockworkers Council, o sindicato internacional de estivadores, é demonstrada recorrendo a vários exemplos.
Chris Gosse, em “A automação nos portos é uma distopia para os estivadores”, demonstra que a automação colocada unicamente ao serviço da maximização do lucro não é mais do que um acelerador para a liquidação de milhares de postos de trabalho, sem nenhuma vantagem significativa, quer em termos de produtividade, quer em termos de redução de acidentes de trabalho.

Maria de Fátima Queiróz e Ricardo Lara traçam a “História e trabalho dos estivadores do porto de Lisboa” e de seguida abordam “O contentor e a saúde dos portuários portugueses”, demonstrando que o elevado grau de desgaste da profissão não mudou significativamente com as mudanças tecnológicas que mudaram a face do setor.

Sjaak van der Velden faz a história dos estivadores holandeses, mostrando como quase sempre estiveram na vanguarda da luta dos trabalhadores desse país. “Quando os portos ficam paralisados”, escreve ele, “toda a economia sofre. Esta posição econômica dá aos estivadores e outros trabalhadores portuários uma forte posição negocial que pode ser explorada durante greves e parece provável que isso continue, uma vez que a carga não pode ser enviada por correio eletrônico”.

John Barzman, professor de história contemporânea na Universidade de Le Havre, traça a história do transporte portuário francês e das suas comunidades de trabalhadores e da forma como lidaram com as grandes mudanças técnicas em que se viram envolvidas ao longo se séculos, desde a época dos veleiros de madeira e dos portos urbanos murados de início do século XIX ao tempo presente, com os desafios da contentorização e mais recentemente da automação. “As memórias de cada fase”, escreve ele, “tendem a transitar para a seguinte, formando uma sólida cultura dos estivadores: o imenso reservatório de capacidades assim preservado beneficiou a economia, enquanto os valores de solidariedade e partilha enriqueceram a sociedade. Eles contêm muitos exemplos concretos de adaptação a novas formas de trabalho, transmissão de valores coletivos, partilha do trabalho entre uma comunidade diversificada, reconciliando o emprego intermitente com uma distribuição justa do trabalho, segurança no emprego e salários decentes por meio de um sistema de congregação e redistribuição de recursos”.

Jordi Ibarz, professor de História na Universidade de Barcelona, em “Meio século de trabalho e de trabalhadores portuários em Espanha. Liberalização nos portos e resistência operária entre 1967 e 2017”, conta como “em 50 anos, passamos de quadros de referência locais para outros estatais, depois para europeus e, finalmente, para os globais. No entanto, o eixo da discussão e da agitação laboral ocorridas ao longo do período foi praticamente sempre o mesmo: liberalização versus proteção. Governos e empresários sempre defenderam uma maior abertura às políticas de livre concorrência e liberalização do sector; por outro lado, os trabalhadores portuários, através de medidas de pressão, defenderam a manutenção das suas condições de trabalho. Os trabalhadores são outros, mas o conflito é o mesmo de sempre”, conclui.

Mudando de continente, da Europa para a América do Sul, Carla Dieguez escreve sobre “As condições laborais, história e lutas dos portuários de Santos”, no Brasil. Os efeitos da Lei 8630 dita lei de modernização portuária. As condições de trabalho dos funcionários da companhias docas ,doqueiros e os sistema closed shop dos trabalhadores de bordo e sua cultura de solidariedade .
 Logo de seguida,dando voz e espaço aos estivadores deste continente  João Renato Silva Nunes, Mauro Mariano de Assis e Maria de Fátima Ferreira Queiróz abordam o papel dos estivadores , nos procedimentos sociais de transformação propostas na beira do cais , as lutas e a resistência face ao lobby empresarial na falacia da automação ,no principal porto do Brasil e o maior complexo portuário da América Latina.

Subindo a costa, Guilherme Leite Gonçalves e Sérgio Costa traçam a história do porto do Rio de Janeiro, desde “o período de integração inicial do porto no tráfico de mercadorias e pessoas escravizadas durante o período colonial” ao “período de desconexão da acumulação capitalista que se sucede à abolição da escravatura e à reintegração recente no âmbito da acumulação financeira”, com o Projeto Porto Maravilha, cujo efeito “tem sido a remoção/expulsão da população pobre, privatização de áreas públicas, eliminação do comércio local, apagamento da memória”. Maravilhas do capitalismo financeiro!

Continuando na América do Sul, mas agora no Chile, Camilo Santibáñez Rebolledo e Franck Gaudichaud centram o seu texto na capacidade dos trabalhadores portuários chilenos para teorizar sobre a sua posição estratégica no circuito exportador e também sobre os efeitos que essa teorização teve sobre o ciclo de paralisações ocorrido em 2011-2014. Lutando contra a precarização, “a legislação que os trabalhadores forçaram expressou um retorno parcial a condições de exploração menos selvagens” – uma façanha que, no panorama da conflitualidade laboral pós-ditadura, continua a ser uma exceção relativamente à maioria dos trabalhadores chilenos.

Do Sul para o Norte, o historiador norte-americano Harvey Schwartz escreve sobre longa tradição de ativismo dos estivadores da baía de São Francisco, que remonta a meados do século XIX. Ao longo de tantos anos, eles acumularam uma experiência útil a todos, enfrentando a precariedade, a repressão feroz ou a criação de “sindicatos” patronais para destruir o seu próprio sindicato. Nos últimos anos, o seu sindicato, ILWU, preparou-se para as novas lutas “fortalecendo os seus laços e a sua coordenação com grupos de trabalhadores marítimos estrangeiros, como o Sindicato dos Marítimos da Austrália e os pilotos de rebocadores do Panamá”.

O historiador Peter Cole fala-nos da longa e dura experiência dos estivadores de Durban, na África do Sul, que além de terem tido de enfrentar as outras ameaças que conhecem os estivadores de todo o mundo, tiveram ainda de enfrentar o apartheid. A solidariedade internacional faz parte da sua cultura sindical. Recorrendo ao boicote a navios, eles fizeram grandes ações contra a opressão na Suazilândia, Zimbabué, Birmânia ou Palestina.

Finalmente, o continente australiano aparece representado na “História de uma vida”, a do grande sindicalista Bob Carnegie, que nos conta como ao longo da experiência de muitos anos de luta foi forjando a sua “educação”."

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