23 de out. de 2012
A modernização dos portos, lenta mas implacável
O processo de mecanização dos portos constitui-se em algo dificil de ser compreendido e aceito, e a sensação é de que estão sendo massacrados,razão pela qual as criticas ao OGMO e à SOPESP despontam com facilidade durante as entrevistas:
"O OGMO é a organizaçao dos patrões, que paira, quer queira, quer nao, é um.... nunca abaixo do empregado.
"O OGMO, a SOPESP,so quer sugar!" "O OGMO é um bicho-papao. Porque eles querem tomar conta e humilhar o trabalhador. Eu quero ver um cara ficar 6 horas no para do navio, 6 e mais 6!
A gente fica na sacaria, mas a senhora vê que a gente sai tremendo...
"O OGMO é o dragao de Comoda.
Finge-se de morto, pensa que tá ali quietinho, quando se pensa que não, tá matando alguém."
"Quem que é o OGMO? O OGMO tá aliado à SOPESP. Que que é o OGMO?
O OGMO é o patrao, entao, entao.. é isso que eu acabei de falar, isso nao vai ser aplicado nunca!"
"Considerado pior é o OGMO, que quer tomar conta do nosso trabalho. Equer administrar nosso trabalho. "
A fala corrente existente no Porto de que o processo de mecanização viria,fundamentalmente, para acabar com o custo Brasil na atividade portuária, parece não constituir um argumento convincente para grande parte dos estivadores .
"Nos nao damos prejuízo, nós so ganha se produzir, só se produzir mesmo...porque se coloca 2 mil sacos de açúcar, ai nao sai do salário, ai dá só 15 ou 16 reais, nos trabalha de graça. "
"O problema nao é se é privado ou nao. É questao de competência administrativa.
O problema é que o Governo nao sabe administrar o que ele tem. "
"Eles querem fazer aquilo que o presidente da SOPESP ai disse, com SOO/Õ da mão-de-obra ele toca esse porto! Ele pode até tocar o porto, mas vai ser a verdadeira escravidao.
Aqueles que se sujeitarem a esse sistema, estarao empregados e, ao mesmo tempo, sendo os miseráveis do mundo!"
"Quando vem o cara falar que o estivador é que fica cara a mão-de-obra é mentira.
Se você fõr fazer uma estatistica, vai ver que isso é tudo mentira.
Número eles arrumam, número fajuto arruma adoidado. "
"Eles acham que a mão-de-obra é muito cara, mas não é, o que mata aqui é o que eu falei pra ti,
é o preço que eles cobram na embarcação e na distribuição de carga deles, porque eles desviam pra outros portos. "
"Eles falam muito que o estivador ganha muito dinheiro. Nao ganha. Quem ganha sao os atravessadores, tá. Puxa, o estivador ganha dois reais, um real e cinquenta e nove centavos por um container que chega lá, sobe e arrisca a vida dele pra engatar o container lá, pra ganhar um real e cinquenta e nove? E de repente aquele mesmo container vai pra um armazém, tá,
que o camarada cobra mil dólares pra ficar ali quinze dias e ele só necessita ficar ali dois dias!"
"A diferença do porto privado para o PÚblico? A produção está ai.
Você trabalhando com equipamento modemo e trabalhando com equipamento desgastado,
já com mais de 60 anos, então não tem como igualar!"
Sente-se uma forte pressão psicológica sobre os estivadores, e há uma nítida sensação de perda, sob todos os aspectos, que faz com que se sintam como animais sendo paulatinamente levados para o abate:
"Desde que a gente assinou o contrato coletivo de trabalho, a gente tomou na cabeça.
Nós perdemos em tudo. Nós perdemos em ganho, perdemos em homens, nós perdemos, sabe... em respeito, que é o pior de tudo!"
"A pressão psicológica em cima do estivador é muito grande. Entendeu?
Você tá sempre sobre o reflexo da guilhotina.. você tá a dez quilômetros de distância, mas volta e meia, quando você vira pra posiÇãO do sol, você vê que ela reflete ali a sensação que você tem é essa, que tão te levando pro matadouro. "
"Pra nós, foi muito prejudicial. Praticamente matou mais de cinquenta por
cento do nosso trabalho e do nosso ganho também. "
"De 86 pra cá mudou totalmente. Eu acho que a gente perdeu, de 86 pra cá,mais de 60%.
E tudo que a senhora imaginar, talvez até 100% em outras coisas. Talvez... mas com certeza uma faixa de 80% nós perdemos de 86 pra cá. "
"Agora eles colocaram máquinas, melhorou um pouquinho, mas em compensação
eles tiraram um homem de cada periodo. Um terno de 16 estão tirando 12, vai fazer o quê?"
"Nós agora só estamos descendo...(Tem alguém subindo?)
O armador tá lá em cima! Os organizadores de portos... "
"O Porto de Santos, mais uns anos, ninguém ganha mais prodUçãO. Eles vão pagar um salário de fome. Quem quiser trabalhar, trabalha. Quem não quiser, vai ter sempre gente pra trabalhar. "
"Porque cada dia que passa, a gente tá vendo o sistema de modemização acuando cada vez mais o trabalhador. O que aconteceu com essa modemização, além de diminuir a mão-de-obra, ela diminuiu no nosso ganho, então são coisas que não dá pra entender. "
E não faltam algumas manifestações a respeito da visão mais ampla do sistema que sustenta o processo de modernização:
"É uma modernização de fachada. Quer dizer, voCê passa pra dentro da casa, você vé que tá tudo quebrado. "Uma coisa que tá aqui que eu tenho que falar, que é a pouca vergonha que é o sistema judiciário, sabe, a cumplicidade que eles tém com o poder econômico.
"Estamos num país democrático, embora a democracia não esteja imperando, mas vamos deixar isso pra lá... "A única coisa ruim que tem aí é a Lei 8.630. Essa é ruim... porque foi feita na calada da noite, onde os representantes do país trocaram o valor do trabalhador por moedas... "
A sensação de impotência diante do quadro que ai está é muito grande:
"Se você vai fazer alguma coisa, você vai arrumar briga com Deus e o mundo e provavelmente não vai conseguir resolver a situação e vão empurrando com a barriga.
A transformação, de ordem econõmica, que deve forçar os trabalhadores a mudar hábitos cotidianos que já consolidaram uma tradição e cultura portuária, e que não parecem trazer nenhum beneficio para eles, é de tal ordem, que torna-se incompreensível:
"Só que eu tenho que lutar, pra conseguir as coisas que eu quero. Espero que não haja muita transformaçãO na faixa portuária, espero que eu continue aqui, que não tenha que abandonar aqui... "
"Como você vai tirar um trabalhador que está há trinta anos e vai expor,'olha, tá aqui, ó faça a lei, é essa e faça ser cumprida'! É um troço que a gente não entende... "
"Desde a data da fundaçãO até hoje, nós estamos nesse mesmo sistema de trabalho.
Porque se fosse desfavorável para o trabalhador, já teria mudado,nós já tínhamos mudado...
"Eu, com dezenove anos de porto, quando eu iniciei aqui não existia terminais privativos, então seria eu estar contra mim mesmo, e dizer 'não quero ficar aqui'??? Não, aqui é a nossa raiz, faz parte da nossa vida, né!"
A desesperança trazida pela mecanização permeia, indubitavelmente, as falas dos estivadores:
"O porto pra gente hoje, eu vou te falar... o porto pra gente hoje é um abutre!
A gente não é... não tá com muita esperança no porto por causa dessa lei que surgiu aí,
não dá muita esperança não, vamos ver né!
E no meio de todo este quadro de mudanças que se auto-denominam modernas e vantajosas, os estivadores não conseguem visualizar qual o beneficio que a modernização lhes trará:
"Esse negócio de você fazer dois, três lugares acaba incidindo, sabe no quê? Na exploração.
"O OGMO, para os trabalhadores, não trouxe beneficio nenhum. Trouxe beneficio pra eles,
e pra nós, creio eu, desespero. Essa é a plataforma deles.
"O que eles conseguiram com o processo de modernização foi a triplicaçãO do lucro!
Mas para nós não passaram nada...
Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos", integrante do PROPOMAR -
Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
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