As lutas dos trabalhadores são entendidas como reivindicações para dignidade familiar junto da sociedade. Para Fraser (2006a; 2007; 2008) e Honneth (2015), a terceirização, engendram uma expansão do conteúdo de justiça das lutas do trabalho, aproximando-as das lutas minoritárias.
Mas qual é a
análise do entendimento sobre a terceirização no Brasil.
Foram
identificados três eixos contrários à terceirização: econômico, jurídico e
moral. No eixo econômico, a terceirização e uma retomada de formas de
exploração do trabalho, características do século XIX e constroem o falso
discurso do liberalismo. No eixo jurídico, a fragmentação da classe
trabalhadora e a precarização das condições de trabalho, a organização dos
trabalhadores é uma conquista social.
O eixo moral
ultrapassa as categorias do paradigma social e se subdivide em duas questões. A
primeira delas é a questão do valor social do trabalho, por meio da qual é
denunciado o desrespeito da sociedade em relação aos trabalhadores e às suas
conquistas históricas. A segunda questão é a da dignidade nas relações de
trabalho e de formação de um grupo de trabalhadores de segunda classe.
A
terceirização promove uma desumanização das relações de trabalho e produz um
grupo de trabalhadores de segunda classe.
A primeira
demonstração, da desumanização das relações de trabalho, remete à ausência de
tratamento igualitário entre trabalhadores diretos e terceirizados nos
ambientes de trabalho em que estes convivem. Sendo assim, a terceirização
produz injustiças não apenas econômicas e legais, mas também morais, porque o
trabalhador terceirizado teria um valor moral inerentemente menor do que os
trabalhadores diretos, simplesmente por ser terceirizado. Este argumento,
presente no discurso dos representantes do “trabalho”, é amparado por três
afirmações: a) a vida do trabalhador terceirizado vale menos; b) a
terceirização faz do trabalhador uma mercadoria; c) a terceirização expõe o
trabalhador ao trabalho análogo ao de escravo.
A primeira
afirmação, de que a vida do trabalhador terceirizado vale menos, está baseado
nos dados sobre mortes, acidentes e sobre as normas de segurança e saúde no
trabalho. Na audiência pública, a socióloga Graça Druck (UFBA) informou sobre o
índice de acidentes de trabalho entre terceirizados: no setor do petróleo, “95
e 100% dos acidentes - inclusive os chamados acidentes fatais, ocorre entre
trabalhadores terceirizados”; no setor elétrico, “esse dado é 75%”. Além disso,
“fiscalizações do Ministério do Trabalho e ações civis” demonstra que “100% das
empresas terceirizadas vêm desrespeitando normas de saúde e segurança do
trabalho”.
A segunda
afirmação a terceirização faz do trabalhador uma mercadoria - faz referência
aos casos em que terceirização equivale ao marchandage, ou seja, à locação de
força de trabalho. Como coloca, na audiência, o desembargador Márcio Viana
(TRT-MG), o caso de “uma empresa que fornece trabalhadores a outra para fazer
conservação e asseio”. Este é o tipo de terceirização “que mais preocupa”, no
qual “o que se transfere passo-a-passo é a própria força de trabalho”. Este
tipo de terceirização seria “quase sempre interna”, o que teria por
consequência que uma “empresa engole os trabalhadores de outra”. Essa
terceirização discrimina, cria uma subespécie de trabalhadores, cujos corpos
são negociados por um intermediário que os aluga quase como animais (Márcio Túlio
Viana, Desembargador TRT-MG).
Nesse
sentido, a terceirização teria o potencial de tornar os trabalhadores meras
mercadorias a serem deslocadas de uma empresa a outra, de acordo com a
necessidade destas, sem respeito à dignidade daqueles.
Grandes
empresas buscam custos baixos para a produção de seus artigos, que
posteriormente são vendidos a altos preços. Tudo vale em busca do lucro.
Por sua vez,
a afirmação de que os trabalhadores terceirizados não apenas teriam menos
direitos do que os trabalhadores diretos, como também sofreriam discriminação
nos ambientes de trabalho. Compartilhando suas experiências como juiz do
Trabalho, Renato Sant’Anna (ANAMATRA) afirma que “o trabalhador terceirizado é
visto como coisa”:
[…] ele é
visto como um empregado de segunda categoria, ele é chamado, como disse o
Sebastião Caixeta, de terceirizado. Muitas vezes em audiência, nós ouvindo
testemunhas, percebemos que todo mundo tem nome, menos uma determinada pessoa
que é chamada de terceirizado. É o terceirizado, a terceirizada, ela perde a
identidade, porque ela perde a identidade dela com a empresa, o que é
essencial, é da natureza do direito do trabalho (Renato Henry Sant’Anna,
ANAMATRA).
Uma
demonstração de como o ideal liberal se tornou parte da convicção de
pertencimento de parte da sociedade.
Os
trabalhadores terceirizados recebem um tratamento diferente dos trabalhadores
diretos, quando no ambiente de trabalho da empresa contratante.
Assim, ao
aportar uma concepção ampliada de isonomia (salário, direitos e tratamento), o
corpus de análise permite afirmar que, frente às injustiças produzidas pela
terceirização, a igualdade entre os trabalhadores e a demandada tanto em termos
estatutários (Fraser, 2015) quanto em termos de igual valor moral dos
trabalhadores terceirizados. Essas duas demandas estão fortemente articuladas,
na medida em que o trabalho identifica que a terceirização produz uma ameaça de
cisão da classe trabalhadora entre trabalhadores. Enquanto aqueles teriam seus
direitos, sua representação e sua remuneração equitativamente garantida por
meio, por exemplo, de convenções coletivas de trabalho, estes, alocados em
categorias distintas apesar de desempenharem funções correlatas, não teriam nem
mesmo sua dignidade respeitada.
Tem-se,
portanto, duas facetas da luta por igualdade entre os trabalhadores: uma faceta
operacional, posta em prática por meio da reivindicação de isonomia em três
dimensões; e uma faceta normativa, que é acionada pelas demandas de respeito à
dignidade do trabalhador terceirizado.
Na faceta
operacional, a terceirização seria um mecanismo que impede a paridade entre
trabalhadores diretos e terceirizados, na medida em que expõe estes as
injustiças redistributivas, representativas e de reconhecimento mais, graves.
“A terceirização é negativa para os trabalhadores” (Ricardo Antunes, Unicamp).
A terceirização faz “de certos atores seres inferiores, excluídos,
estrangeiros, ou simplesmente invisíveis e com menos que parceiros de pleno
direito na interação social” (Fraser, 2015, p. 328).
Assim, a
paridade de representação requer que todos os trabalhadores de uma mesma
categoria (ou categoria análoga) sejam representados pelo mesmo sindicato. Por
fim, na dimensão do reconhecimento, demanda-se a isonomia de tratamento entre
trabalhadores diretos e terceirizados, ou seja, que a eles sejam providos os
mesmos materiais de segurança, que eles desfrutem das mesmas condições de
saúde, que tenham acesso aos mesmos espaços (como refeitórios), e, sobretudo,
que eles sejam tratados como iguais no ambiente de trabalho.
As lutas
trabalhistas e as lutas minoritárias compartilham do mesmo substrato moral da
igualdade, definido por Benhabib (2004) como o princípio performativo moral e
político da história da modernidade.
O problema
que a terceirização coloca à noção de direitos universais não é que ela reduz
direitos formalmente, visto que grande parte do trabalho terceirizado é
assalariado formal, mas sim, na prática, porque a instabilidade econômica das
empresas prestadoras de serviço dificulta o acesso dos trabalhadores
terceirizados a dignidade social.
Assim, o
trabalhador terceirizado tem sua dignidade extirpada, porque sua vida tem um
valor inerentemente menor em comparação ao trabalhador direto, porque está
exposto ao trabalho análogo ao de escravo e ao risco de ser tratado como
mercadoria, pois, não tem acesso aos direitos trabalhistas, sendo discriminado
nos ambientes de trabalho.
Referências
BENHABIB, S. Kantian questions, Arendtian answers:
statelessness, cosmopolitism, and the right to have rights. Pragmatism,
critique, judgment. MIT Press, 2004, p. 171-96.
FRASER, N. La justicia social en la era de la política de la
identidad. Redistribución, reconocimiento y participación. Un debate
político-filosófico. 2006a, p. 17-88.
FRASER, N. Da redistribuição ao reconhecimento? Dilemas da
justiça numa era “pós-socialista”. Cadernos de Campo, São Paulo, v. 15, n.
14/15, p. 231-9, jan./dez. 2006b.
FRASER, N. “Reconhecimento sem ética?”. Teoria crítica no
século XXI. 2007, p. 113-40.
FRASER, N. Scales of justice. Reimagining political space in
a globalizing world. 2008.
FRASER, N. Pour une critique non culturaliste de la culture.
Remarques à propos des classes sociales et des statuts sociaux dans le
capitalisme globalisé. 2015, p. 323-52.
HONNETH, A. Le droit de la liberté. Esquisse d’une éthicité
démocratique. 2015.
Resenha da
tese de doutorado “O futuro da humanidade que trabalha”: reconfiguração moral
das lutas trabalhistas frente à terceirização, 2016 Sociologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.
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