Convém explicitar que o trabalho avulso detém singularidades em relação a qualquer outra forma de prestação de trabalho. O trabalhador avulso não possui vínculo empregatício, não cumpre jornada específica de trabalho, labora em condições desfavoráveis em relação à segurança e higiene, não possui garantias de trabalho e por conseqüência, de renda – enfim, uma série de particularidades que, por vezes, dificultam o entendimento de determinadas situações que o cercam.
Os trabalhadores avulsos, para concorrer a uma oportunidade de trabalho, têm que dirigirem-se, três vezes ao dia (6h45, 12h45, 18h45 e 19h30 em alguns Terminais) nos chamados pontos de escalação. Nesses locais, conforme a oferta de serviços (requisições, efetuadas pelos operadores portuários), será efetuada a chamada (escala), que, na forma da lei, deve ser "rodiziária", ou seja, deve ter por fim oferecer oportunidades da forma mais igualitária possível.
Porém, nem todos os trabalhadores são contemplados com oportunidades de trabalho, ainda que todo o cais do porto esteja ocupado. Os trabalhadores não contemplados até o terceiro horário de escalação 18h45, então, retornam às suas casas para comparecer após 12 horas, na chama (escalação) seguinte, que ocorre às 6h45 sem qualquer garantia de que obterão trabalho. Evidentemente, sendo a escala efetivamente "rodiziária", as oportunidades ocorrerão de forma igual, ou o mais igual, a todos.
Aí ocorre o cerne da atual questão. Antes da Lei 8630/93, as chamadas (escalas) eram realizadas pelos próprios sindicatos das categorias de trabalhadores avulsos (Estiva, Arrumadores, Conferentes, Vigias, Consertadores e Bloco). Com o advento da nova ordem legal, inspirada em grande parte em Convenções e Recomendações da Organização Internacional do Trabalho, as escalas (chamadas) deveriam ser realizadas pelos chamados OGMO (Órgãos Gestores de Mão de Obra – art. 18 e ss. da Lei 8630/93, art. 5º da Lei 9719/98).
Efetivamente, o OGMO/Santos aos poucos passou a fazer a chamada (escala) dos trabalhadores portuários avulsos; no entanto, jamais a realizou integralmente, contando com intervenções de direções sindicais, especialmente em razão do alto grau de desconfiança que os trabalhadores têm do Órgão Gestor – que, não raro, também demonstrou ser suscetível de influências outras que não a simples e correta aplicação das normas legais e convencionais.
Por tais razões, entre outras, o Ministério Público do Trabalho propôs, no ano de 2005, ação visando garantir a aplicação do intervalo de 11 horas entre duas jornadas de trabalho (ACP 1930/2000 – www.trt9.gov.br), na forma do disposto em Lei (art. 8º da Lei 9719/98) e na CLT (art. 382), e ainda do disposto na CRFB/88 (art. 7º, XXXIV).
A intenção da ação do MPT era garantir a aplicação da lei, garantir segurança e preservar a saúde do trabalhador – já que, conforme cientificamente comprovado, o trabalhador exposto a regime de trabalho constantemente sem o citado intervalo sofre sérias conseqüências em sua saúde física e especialmente mental – e ainda, não menos importante, garantir à maioria dos trabalhadores avulsos a igualdade de oportunidades previstas em Lei (9719, art. 5º) bem como na Convenção 137 (artigo 2) e Recomendação 145 (E, 20, a,b e c) da OIT.
A ação tramitou durante longos anos e houve um sem-número de audiências visando a um acordo negociado entre as partes (Sindicatos de Trabalhadores e Operadores, além do OGMO). Jamais houve consenso, pelo fato de existirem interesses diversos na questão.
Recentemente, houve a prolação de sentença na ação proposta e, como não poderia deixar de ser, houve o acolhimento do pedido do MPT, inclusive com a adoção da escalação por meio eletrônico, a fim de dar garantias efetivas da aplicação do intervalo entre jornadas e igualdade de oportunidades.
O fato gerou apreensão entre os trabalhadores, por diversas razões. Havia os que não desejavam a aplicação do intervalo de 11 horas, mas também havia os que temiam não fosse capaz o OGMO de implantar um sistema eletrônico que atendesse a todas as particularidades das características da chamada (escala) dos estivadores (maior categoria do porto).
Afinal, os trabalhadores vêm tendo, ao longo dos últimos anos, além da perda salarial direta (convenções que não contemplam reposição do poder de compra da remuneração), ainda, perda de importantes postos de trabalho, situação que é imposta pelos Operadores Portuários, sem contrapartida à massa de trabalhadores.
Além disso, os trabalhadores têm que conviver com uma pequena nata de trabalhadores apaziguados, que contam com certa simpatia de patrões, que de alguma forma são favorecidos com a oferta de trabalho, sendo os mesmos escalados fora da lei, ou seja, não são requisitados nos postos de escalações junto com os demais trabalhadores e sim, com conivência do OGMO/Santos para com os Operadores Portuários, fazem uma requisição a parte fora do sistema como diz a lei gerando desigualdade na distribuição de renda, afetando a estabilidade emocional de uma forma geral.
Aliás, no tocante à aplicação da Lei, muito ainda falta ser cumprido no que tange aos direito dos trabalhadores. A chamada "modernização" dos portos, por ora, veio muito mais para beneficiar aos "patrões" do que efetivamente trazer melhorias aos trabalhadores, a despeito das intenções das determinações legais.
Senão vejamos. Já nas razões de sua edição, a Convenção 137 da OIT, em junho de 1973 (ratificada pelo Brasil através do Decreto Legislativo n. 29, de 22/12/1993, e promulgada pelo Decreto n. 1574, de 31/07/1995) informa como motivação que os trabalhadores deveriam beneficiar-se em razão dos novos métodos de trabalho (modernização) e ter regularização e manutenção de emprego em razão de tal, além de melhor distribuição de renda.
Ora, não se viu tal ocorrer até aqui. Os empresários efetuam uma série de alegações, mas o que se vê é a diminuição do mercado de trabalho do avulso, sem qualquer compensação e, ainda pior, associada à diminuição de renda, em total inversão do pretendido pelo organismo internacional, como pode se depreender do disposto nos itens 34 e 35 da Recomendação 145-OIT.
Há ainda expressas disposições determinadas pela já citada regulamentação internacional jamais levadas a cabo em solo pátrio. A recomendação 145 da OIT determina, em seu item 7, B, em consonância com o disposto na Convenção 137, que os trabalhadores deveriam ter uma garantia de emprego, ou remuneração – o que não ocorre.
Os trabalhadores avulsos do Porto de Santos não possuem qualquer garantia de trabalho e, menos ainda, em relação à renda, embora tenham que estar nos pontos de chamada (escala) três vezes por dia, de segunda a segunda, para concorrer às oportunidades, incertas, de trabalho e renda.
Ou seja, o trabalhador não se fez, ainda, beneficiar pelas compensações necessárias à introdução de novas técnicas de trabalho, tendentes a aumentar os rendimentos dos empresários do setor. Não há aqui nenhuma grande novidade, uma vez que, sabe-se, o Brasil é campeão em má distribuição de renda. Porém, observa-se uma aplicação parcial de determinações legais, ainda em desfavor do trabalhador.
Frise-se que há uma omissão, também, por parte das autoridades (executivas, legislativas e judiciárias) nacionais. Afinal, está disposto no artigo 7º da Recomendação 137 da OIT que, em não sendo levadas a cabo as determinações legais através de Sentenças Arbitrais (ou Convenções Acordos Coletivos), cumpre aplicar as disposições através da legislação nacional. Tal fato ainda não ocorreu e já é tempo de os trabalhadores exigirem a sua contraprestação na "modernização" dos portos, na forma da Lei.
Ou seja, para ser breve, a questão é complicada, e detém tópicos que requerem uma mais ampla apreciação. No entanto, resta evidenciado pelos fatos que urge se voltar à atenção aos problemas dos trabalhadores portuários. E, evidentemente, o MPT e o Judiciário vêm desenvolvendo ações tendentes a garantir a aplicação da Lei, o que deve ser louvado pelos trabalhadores.
O que ocorre é que a lei deve ser acrescida dos itens favoráveis aos trabalhadores, que ainda não foram objeto de atendimento através de Convenções e Acordos Coletivos de Trabalho, até porque, e apesar de tudo, os trabalhadores não tiveram força ou organização suficiente para tal até aqui.
Não se tem a pretensão, nem de longe, de esgotar o tema com a presente exposição, tampouco que as opiniões expostas sejam tidas como verdades absolutas e inquestionáveis.
Mas, por certo, se houver a necessária intervenção no sentido de suprir as existentes lacunas, as relações serão extremamente ‘destensionadas’, com o perdão do neologismo. Espera-se um comportamento social dos empresários mais comprometido, bem como uma atitude mais compreensiva e racional por parte dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário para com os trabalhadores portuários avulsos.
Por: Marco Bin Laden fonte blog do mesmo nome
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