Acidentes de trabalho, coisa cotidiana
Os relatos de acidentes de trabalho ocorridos, sejam com os próprios entrevistados ou com colegas, são inúmeros. Muitos destes relatos duraram vários minutos e alguns foram contados com forte emoção, mas,
para que pudessem ser aqui trazidos, resolvemos abreviá-los, suprimindo as repetições de fatos já descritos, mas mantendo a forma genuína de contar, trazida por eles.
A idéia de que acidente de trabalho é coisa corriqueira pode ser percebida pela fala destes dois trabalhadores:
"Há muito tempo atrás eu tava ali no 18, se não me engano no trabalho do açúcar...
ai entrou a lingada, tudo bem, eu continuei desmanchando, aí quando eu saí pra fora, ai de lá de cima daquele guindaste cai uma barra de ferro. Eu não vou dizer que vai acontecer todo dia acidente, mas é setenta por cento pra acontecer... "
"Olha, acidente grave graças a Deus não tive. So acidentes normais... "
o outro grita 'guarda, guarda, guarda!' e a gente corre!
Quando ela cai, cai a lingada toda, que ela quebra no meio,
que a corda tá velha, não aguenta e at... pula,
vai saco pra tudo quanto é buraco, trinta sacos na gaiolinha, pula um por
cima dos caras. "
"Ele tava a três de alto, quando o guincheiro veio, com aquele aparelho.
Ele segurou na alça lá, o aparelho veio torto, não deu pra ele segurar, porque
tem hora que não dá pra segurar... de acordo com a velocidade que o
aparelho vem, não dá! No que ele segurou, que ele viu que foi, que não dava,
que ele quis largar, não conseguiu mais, a ferpa do cabo de aço pegou na luva e prendeu,
e a mão não saia, e ele foi para o ar pendurado a três de alto,
passou pelo convés... a luva estourou e ele foi! Caiu no mar, caiu no mar... "
"Na manipulaÇãO do tambor, eu levei um escorregão, eu subi e bati com o braço aqui no grampo do...
no parafuso do tambor, da boca do tambor e... rasgou o macacão e eu não vi nada,
so vi aquele corte branco aqui, né! Ai os meus companheiros, 'sobe, sobe que tu te machucou'!
Como a temperatura lá tava fria demais, né, então foi isso, o sangue se reteve.
Ai quando eu ganhei a coberta de cima no convés, ai a temperatura mudou,
ai começou a jorrar sangue.
Foi um dos acidentes que eu tive, mas não por falta de segurança, falta de...
foi em razão da operação mesmo que... realmente é frio,né!"
E na correria, para poder ganhar a famigerada produtividade, quem sempre perde é o trabalhador:
Começamos a embarcar o açúcar, mas estava tão longe, que precisava tirar reforço.
Aí o diretor falou assim' 'moçada, vou tirar reforço à tarde porque não tem ninguém na rua,
e vocês vão tentando fazer de qualquer jeito'.
Ai comecei com aquela correria para poder ganhar!
Ai a vista começou a escurecer, aí me deu um tipo de vertigem...
'o que foi?', alguém perguntou. Aí foi aquela correria... "
Algumas ocorrências expressam o susto, o medo e o desespero passado pelos próprios entrevistados ou por colegas quando foram vítimas de acidentes e sentiram o perigo da morte rondá-los, ainda que por segundos:
'"A gente trabalhava numa velocidnde que impresssionava todo mundo, a gente tinha uma habilidnde com a máquina! Eu tinha dado mais de 10 caçambadas e o chtio já tava com um pouquinho de carga.
Quando eu venho de ré pra jogar na pilha, o trator passou por cima do monte e eu virei
por baixo do trator... foi Deus... um colega gritou lá de cima: 'o Figueira morreu!'
'"Mas o guindaste tava quebrado e eu tava em cima e o container ficou pendurado em cima da minha cabeça 3 horas... 3 horas tentando arrumar o guindaste...
e tive que descer ou enUio ficava a noite todinha lá em cima até o dia de arrumar o guincho.
Desci pela porta. OU tu desce ou o container caia.
Aí eu desci, quando chegou no terceiro container, acabou aqueles de grauzinhos e eu fiquei pendurado... Fiquei pendurado que nem homem aranha... pregado na porta do container.
Olhava pra um cara, olhava pro outro, ai acabou as forças, não tinha mais força para subir e nem pra
descer, porque não tinha mais como você descer. Ficou a porta lisa, eu fiquei agarrado,
ai começou a suar as mãos, e eu fui suando, fui desmunhecando,ai eu digo, eu vou morrer!
Se cai de 3 de alto já era, e não tem seguro porque é proibido subir.
Mas na hora do desespero tinha que fazer isso, ou descia ou morria!
Eu desci, fiquei parado 10 minutos... como eles iam me socorrer?
Sai andando pelo beiral do container até o bico, até a asa, chegou lá me agarrei no varão,
e desci pelo varão, aquele peso do container...
OU fazia isso ou o container arriava em cima de mim!
Não é brincadeira não, o negócio é sério.
Quando eu desci, o pessoal me aplaudiu.
É o herói, o herói, mas o herói encostou e ficou virando o olho... »
'"Ai um gritou... 'corre, corre, que ai vem a barreira'!
Sabe aqueles cara que é teimoso?
Ele falou 'que nada, eu sou é bagre da capitania'! Tava no porão,
quando olhamos pra trás, o cara tinha sumido.
O cara se enterrou meio metro pra dentro do enxofre.
Ai nós marcamos mais ou menos onde ele tava,ai o cara conseguiu cavar...
ele ficou debaixo preso e o enxofre fazendo assim....
ai conseguimos cavar até a cabeça dele...
limpar o rosto, ele respirar.... todo enterrado....
o importante é por enquanto fazer ar... pro ar entrar pro pulmão...
achamos a cabeça dele, ele não falou nada. Só falamos 'trata de se acalmar.'
Ele só respirava, tentando respirar, ai nós colocamos a cabeça dele assim,
outro segurando o queixo pra ele respirar, né...
Quando o bombeiro chegou, nós já tinha tirado ele, ele tava vermelho,
vermelho, vermelho, ai recebeu aquele ar.... que já tava roxo, roxo...
e ele só disse 'rapaz, eu vi a morte, eu vi a morte, eu vi a morte'.....
'"o funcionário da XXX me chamou e falou 'eu vou arriar a máquina no porão quatro'.
E eu fui ver o trabalho e eu falei, 'olha, ainda não tá em condições de arriar a máquina,
tá perigoso, tem que tirar um pouco mais do produto'.
E ele insistiu 'não, dá pra colocar a máquina'.
Eu insisti duas vezes com ele, ele insistiu que dava pra colocar a máquina.
Eu tinha que descer escorregando por aquela barreira...
Quando cheguei na máquina,
é que eu vi a barreira caindo, eu tentei subir pra máquina,
ai não deu mais, prendeu as minhas pernas, começou a prender as pernas por baixo,
nao deu pra sair mais, porque aquilo é pedra, aí eu pensei que ia morrer mesmo,
cada vez caindo mais carvão....
aí na na agonia que você tem de fugir,
a minha sorte foi a de levantar um braço fiquei com um braço no ar e a cabeça so...
pensei que eu ia morrer naquele dia!"
O relato de um acidente com morte, às vezes é caracterizado por um distanciamento fictício que impede que o reviver daquele fato, tão traumático para eles, seja novamente acompanhado de dor, como um
mecanismo de defesa de quem o relata:
"Ele saiu fora pra engatar, pra aquele container sair pra engatar outro,
quando ele foi pro outro, na hora que ele pegou aqui na longarina pra dar um
giro no corpo pra vir pra cima do container, a mão dele soltou
e ele veio lá de cima e veio a falecer. "
Muitas vezes a aparente frieza de um relato pretende ocultar a verdadeira emoção do entrevistado que, no exemplo abaixo, conta a ocorrência da morte trágica do irmão estivador:
"Meu irmão mais velho era estivador, morreu num acidente no Copacabana,
ele caiu do container...
Quando o container tem que sair, você não tem patamar onde ficar, não tem lugar pra ficar.
Aí o que que ele fez, ele foi pra trás da ferragem,
e o container passou, então, ele passa assim raspando...
so que na hora pra descer pro container de baixo,
tinha que se agarrar no trilho e não escorregar.
O meu irmão na hora de descer, a luva.. é .. não sei se tinha graxa no trilho, a mão escapou.
Quando a mão escapou, ele bateu no container de baixo,
e virou de cabeça pro... pro... néio teve jeito.
Entéio o enfermeiro do navio desceu no porão e quando foi pegar o meu irméio,
essa parte da cabeça aqui tava aberta, separada, teve que juntar...
entéio, como abriu a cabeça toda, já saiu morto... "
Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
integrante do PROPOMAR -
Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
Eu fiquei soterrado no Enchofre por alguns minutos do mesmo jeito que vc narrou!A minha sorte foi o meu parceiro o Queijinho filho do Mineiro Doido ele me viu na hora que a barreira caiu e me descavou! Sensação Horrível realmente vc vê a morte de perto!EU Também estava de mestre no Grande Brasil quando os Maffis atingiram o Xuxa! HORRÍVEL!
ResponderExcluirEu fiquei soterrado no Enchofre por alguns minutos do mesmo jeito que vc narrou!A minha sorte foi o meu parceiro o Queijinho filho do Mineiro Doido ele me viu na hora que a barreira caiu e me descavou! Sensação Horrível realmente vc vê a morte de perto!EU Também estava de mestre no Grande Brasil quando os Maffis atingiram o Xuxa! HORRÍVEL!
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