Segurança do trabalho na área portuária
Os aspectos relacionados à segurança do trabalho e à saúde dos trabalhadores são frequentemente lembrados pelos entrevistados,descortinando um panorama repleto de perigos, dentro do qual muitas
vezes o trabalhador é obrigado a executar determinado serviço, pois há interesse em que aquele material seja rapidamente embarcado ou desembarcado, como mostram estes depoimentos abaixo:
"Eu cheguei, chamei o cara da XXX e falei: 'esse trabalho aqui tá certo?'
'É,nao tá certo, mas tem que fazer!' »
"Às vezes tá ventando, a gente é obrigado a subir e tu nao vê o patrao falar'nao,pára o trabalho perigoso'. Não esperam nao!
Eles querem é colocar pra fora, querem embarcar. "
As condições fornecidas pelos administradores portuários e donos de embarcações são péssimas e extremamente precárias, não só no que se refere ao ambiente de trabalho do cais, como também à falta de condições dos navios e equipamentos, muitos já completamente desgastados pelo tempo de uso:
"A gente não tem condução, a gente não tem um cafezinho, a gente não tem nada.
Agente não tem uma luva, a gente não tem um macacão, a gente não tem...
tem que ter tudo do bolso, é tudo do bolso... "
E voCê, trabalhar no máximo de cautela, para você não se machucar.
Porque voCê sabe que aquele navio é um convite para o inferno."Às vezes a senhora tá estivando um tambor que está escrito uma coisa,mas a senhora nao sabe se é aquilo que está ali, quer dizer,esse é o tipo de perigo que nos corremos. "
e eles nao dão proteção nenhuma, e eu tive vendo aqui no livrinho da Fundacentro,
pra voCê trabalhar com trator nesse produto, ele tem que te dar cabine de vidro fechada.
"A propria XXX, a YYY, eles põe o exaustor no convés soprando pra dentro do porão,o que nao ajuda nada. Porque o exaustor nao é exaustor, é ventilador,então ele fica jogando o ar pra dentro, não ajuda nada, nao... n
"Vamos fazer uma operaçao, o navio não tem condiÇões operacionais. E é operado!
Ele tem que trabalhar!"
E sob tais condições de trabalho, fica a impressão de que o acidente de trabalho fica sujeito aos imprevistos do contexto laboral e que a segurança do trabalho depende quase que exclusivamente do trabalhador:
"O acidente, ele é imprevisível, ele acontece por acontecer, por mais que a gente evite...
o acidente acontece. n
"Eu sou o responsável pela segurança no trabalho. Ela tá na consciência de cada cidadão,
saber o que é certo, o que é errado. (...)a questão de você estar vivo ou morto às vezes depende muito do seu amigo,do seu parceiro de serviço."
"Todo mundo achava que qualquer um pode ser estivador. Mas não é assim....teve pessoas que de muito boa vontade chegaram pra mim e disseram:'o, cuidado, carga em movimento, cuidado com isso, cuidado com aquilo.Ó, o porão, em determinada situação, força bem a atenção!' "
Os equipamentos de proteção individual são vistos com muita desconfiança, já que parecem não oferecer a proteção a que se destinam,para não dizer que são vistos como verdadeiros impedimentos para a realização adequada da operação de estivagem, exigindo muitas vezes dos estivadores determinados procedimentos de 'adaptação' daqueles à realidade operacional do trabalho deles:
"A carga mais leve que a gente trabalha é de uma tonelada.Você pode estar com uma roupa, sabe, medieval.Se cair uma tonelada na tua cabeça, vai você, vai tudo pro pau. "
"Eu quero ver o cara aguentar. Um porão, com o calor que faz aqui, sabe?
De 40°, ele ficar dentro do porão de capacete, macacao e bota."
"Eu posso vir pra parede do 31 e tirar um navio de container.De repente, eu chego lá e aquele navio foi cortado.Vai um, embarcando congelado. Como é que eu vou fazer?
Vou ter que sair com quatro, cinco tipos de roupas na mochila para poder fazer o serviço?"
Nao é que prejudica... atrapalha um pouco... "
"As vezes o trabalhador preferia, ele optava em nao trabalhnr com'o EPI,porque ele corria menos risco do que estar usando o material.Porque o suor,nê, aquela essência da soda, né? Começa a se soltar, começa a liberar os vapores ali, né?E o suor começa a queimar na pele dele, e ele com aquele material todo, começa a agoniar... "
"O próprio material, ele ás vezes conduz a um acidente. Você vai conduzir uma carga, o cara lá manda virar. Se pegar na sua luva, você nao tem mais como tirar... você vai sair dependurado na carga... vai quebrar a sua mão,entendeu!"
"Tem trabalhador que nao usa, por isso, ele tem a mão mais esperta. Então eu hoje faço assim.
Eu tenho a minha luva, mas a minha luva eu tiro aqui em cima,ela tem uma costura onde ela prende aqui, né.
Eu tiro, eu pego e tiro aquilo ali com uma tesoura, eu tiro os dois elásticos,então ela fica livre, qualquer eventualidade eu tenho tempo pro... pra puxar e a luva fica e a minha mão sai, então eu tenho essa... eu tenho esse lado de visão de escapulir, né... "
Via de regra, denunciam as empresas, operadores e instituições responsáveis pela segurança do trabalho dos portuários, que embora apresentem publicamente um perfil de seriedade e de preocupação com
estas questões, podem, segundo eles, estar escondendo o quadro sombrio das péssimas condições de trabalho e de frequentes ocorrências de agravos à saúde dos estivadores:
"Lá no 12. Se acidentou e o que foi que eles fizeram? Continua o navio,descarta o cara,o cara só vale como descartável, é descartável, sim... Aí vem a CIPA, rapidinho esconde a funda.... 'não deixa a funda aí que é a arma do crime, meu irmão'.Eu vi a perua da CIPA, veio, descarregou a funda Pra fazer uma análise, né,
mas a análise é esconder pra não cair no porto. A senhora... acontece cada coisa!
"Você pode fazer um levantamento na própria XXX, de quantas pessoas morreram
desde que eles começaram a trabalhar com pessoal próprio. É que eles não informam!"
"Não existe acidente zero. Que nem a XXXproclama lá... acidente zero! Isso não existe!
Só na cabeça deles, lá tem sempre acid... "
E ninguém vai lâ trocar. Por quê? Porque ninguém tá interessado em segurança do trabalhador.
Ninguém! Sabe porque? Não dá voto! Não dâ lucro pra ninguéml"
"De tudo no mundo o que é mais supérfluo é a vida humana. O patrão, se você morrer,ele vai olhar, 'pô, morreu, né'?Amanhã ele tem outro no lugar e ele quer que se dane se você morreu ou deixou de morrer. "
E para conquistar o mercado de trabalho, eles sabem que devem atender as recomendações dos operadores de que não haja avaria nos navios e na mercadoria desembarcada, sem maiores preocupações com o trabalhador, confirmando o último depoimento dado logo acima:
"Nos tamos fazendo esse trabalho com o maior carinho pra ver se a gente ganha esse trabalho pro porto de Santos, que esse trabalho tava sendo descarregado em Paranaguá.Então a recomendação é avaria zero! Pra não ter avaria nenhuma!É justamente pra gente ganhar esse mercado!"
Quando questionados sobre a Norma Regulamentadora 29, que acabara de ser publicada, as respostas são similares:
"Acho que na segurança não teve mudança nenhuma. NãO, porque segurança do trabalho já vem...
do jeito que está não mudou nada... nada... só no papel!»
"Só que ela ( a NR-29 ) tá no papel! Não tá no papel? E aí?O Brasil não é campeão em leis? Mas são executadas? Não!Então não adianta você ter no papel lá... »
O outro lado da moeda mostra que as condições de trabalho precanas acabam não sendo denunciadas pelos próprios trabalhadores, pois estes só ganham a remuneração se realizam o serviço, já que trabalham por produção. Ai temos a combinação dos dois elementos que vão favorecer a ocorrência dos agravos à saúde dos estivadores:
"Dá pra fazer o trabalho, só que acontece um probleminha, quebra o guindaste. Então no caso teu, você tem que fazer e não interessa o que vai acontecer. Pra nós é interessante fazer o trabalho. Não é preciso o cara chegar e falar: 'eu quero que tu faça isso'... não, eu tenho que fazer porque eu quero ganhar...
Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos", integrante do PROPOMAR -
Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
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