25 de out. de 2012

Uma Categoria Fechada


Como já se explicou nos capítulos anteriores, os próprios critérios - com rodízio obrigatório - de tirada de trabalho e a forma adotada para as operações de estivagem ou desembarque de cada carga, bem como seu
histórico de lutas, favorecem o fechamento desta classe de trabalhadores.
Tornam-se uma grande família que preserva sua identidade e realiza internamente a troca permanente de favores justos', apoiada sempre sobre as benesses de pertencer à categoria e sobre a forma de organização do trabalho:

"Meu cunhado é o cara que me colocou na estiva. Eu sou obrigado, sou obrigado...
não tenho como não levar ele. Quase obrigado, é um pai que eu arrumei...
"Eu só levo pro trabalho quem eu quero...e quando o cara é trabalhador...
às vezes o cara é meu amigo, mas ele vai me dar problema, eu não levo... »

"Este esquema é justo. Se mudar, aquele cara que ganha sem fazer nada...ele vai sair na minha frente.... e esse cara não tem responsabilidade com nada, porque o mestre é obrigado a levar ele....do jeito que tá, ele vai ter que se esforçar... "
"Nós dois somos parceiros. Nós já sabe que não vai ter problema...
com aquele parceiro que nós tamos acostumados a trabalhar os dois juntos no açúcar."

E é esta mesma grande família que luta para defender e garantir seus direitos, conquistados a duras penas:

"Dei de mim, é isso aí, dei de mim para as causas da estiva e todas as brigas que tive na estiva eu sempre estive na frente. Briguei pela estiva e não pelo presidente que entrou. Eu briguei pela estiva, pelá que é bom pra estiva, pelo que é certo pra estiva. "

Violência e anarquismo: uma leitura transversal
Os estivadores, conhecidos há 50 anos como a Barcelona brasileira, dado seus antecedentes de formação político-social na sociedade santista e seu conhecido passado histórico de lutas, tomaram-se cunhados pelo estigma do anarquismo e da violência.

"Se for dizer assim... vai tomar e não vai ter mais estiva... e o presidente do Sindicato,
se ele se vender, ele some do mapa... acho que eles põe fogo...não fica nenhuma descendência,
 porque é a vida da gente, nél"

"Tem um cara aí matriculado... pra ele ser estivador, ele tem que aprender como é, como não é....
pra ele respeitar os outros, resPeitar o diretor! Tem que respeitar mesmo, o geral do namo,
o conferente.... aí depois que ele fizer as ordens direitinho, ele vai valorizar a carteira!"

A "parede", momento em que esta violência se torna, aos olhos externos, tão explícita quanto 'afetiva', surge nas entrevistas com um sinal positivo de braveza e coragem:

"Só fiquei olhando de longe... aquilo era estarrecedor para mim...todo mundo com a carteira levantada, gritando daqui, empurra daqui, emPUrra de lá...eu não tava acostumado com aquele tipo... mas depois com o passar do tempo as coisas foram mudando então aí me deu aquela empolgaçãO, eu senti fortalecido naquele momento não, dá pra mim também!!!"

"Ele tem que ser ignorante... lá no rateio, um cara xinga tua mãe, manda a gente... sabe,
 então tu tem que gritar lá de cima também, senão os cara..."

"Eu sentia aquilo como se fosse um bicho de sete cabeças, porque era agitante, né!
As paredes da estiva era aquela guerra violenta, então aquilo me gerava medo na época,
 eu em novo e não consegui adentrar, mas aquilo depois começou a me despertar... "

As situações de violência permeiam diariamente as situações de trabalho,segundo os próprios estivadores. Entretanto, suas representações vêm suavizadas e qualificadas como 'tensão necessária' ao desempenho da
função, tanto quanto dela decorrente:

"Esse trabalho de açúcar aí, a briga é comum, que aí a senhora descarrega aquela tensão,daqui a pouco tá tudo calmo... que é um trabalho muito tenso,entendeu,que é muita velocidade, é muito rápido, então a senhor briga que é para descarregar um pouco a tensão...mas no final dá tudo certo. "

"Olha, briga, até que é dificil de brigar. Há aquela discussão no tabalho.Mas aquilo já é normal. É uma discussão já normal de trabalho.Porque todo trabalho que a senhom pegar na estiva, sempre vai ter que ter uma discussãozinha que não é uma briga. Se não tiver isso, o trabalho parece que não anda. "

"Tem pessoas que ficam ali no cais vinte e quatro horas, então dá a vida pelo cais.
Ai quando vão fazer alguma coisa errada ele quer se' doer, aí começa a confusão... "

Entretanto, há alguns poucos que reconhecem a necessidade de transformação destas situaçoes de violência:

"Hoje nós estamos atrasados no tempo, eu acho que é ridículo isso ai ( a parede) .
É humilhação, né! As vezes a gente não quer colocar assim desta forma, né, mas é...

 " Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
 integrante do PROPOMAR -
Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999

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