Como já se explicou nos capítulos anteriores, os próprios critérios - com rodízio obrigatório - de tirada de trabalho e a forma adotada para as operações de estivagem ou desembarque de cada carga, bem como seu
histórico de lutas, favorecem o fechamento desta classe de trabalhadores.
Tornam-se uma grande família que preserva sua identidade e realiza internamente a troca permanente de favores justos', apoiada sempre sobre as benesses de pertencer à categoria e sobre a forma de organização do trabalho:
"Meu cunhado é o cara que me colocou na estiva. Eu sou obrigado, sou obrigado...
não tenho como não levar ele. Quase obrigado, é um pai que eu arrumei...
"Eu só levo pro trabalho quem eu quero...e quando o cara é trabalhador...
às vezes o cara é meu amigo, mas ele vai me dar problema, eu não levo... »
"Nós dois somos parceiros. Nós já sabe que não vai ter problema...
com aquele parceiro que nós tamos acostumados a trabalhar os dois juntos no açúcar."
E é esta mesma grande família que luta para defender e garantir seus direitos, conquistados a duras penas:
Os estivadores, conhecidos há 50 anos como a Barcelona brasileira, dado seus antecedentes de formação político-social na sociedade santista e seu conhecido passado histórico de lutas, tomaram-se cunhados pelo estigma do anarquismo e da violência.
"Se for dizer assim... vai tomar e não vai ter mais estiva... e o presidente do Sindicato,
se ele se vender, ele some do mapa... acho que eles põe fogo...não fica nenhuma descendência,
porque é a vida da gente, nél"
"Tem um cara aí matriculado... pra ele ser estivador, ele tem que aprender como é, como não é....
pra ele respeitar os outros, resPeitar o diretor! Tem que respeitar mesmo, o geral do namo,
o conferente.... aí depois que ele fizer as ordens direitinho, ele vai valorizar a carteira!"
"Ele tem que ser ignorante... lá no rateio, um cara xinga tua mãe, manda a gente... sabe,
então tu tem que gritar lá de cima também, senão os cara..."
As paredes da estiva era aquela guerra violenta, então aquilo me gerava medo na época,
eu em novo e não consegui adentrar, mas aquilo depois começou a me despertar... "
As situações de violência permeiam diariamente as situações de trabalho,segundo os próprios estivadores. Entretanto, suas representações vêm suavizadas e qualificadas como 'tensão necessária' ao desempenho da
função, tanto quanto dela decorrente:
"Esse trabalho de açúcar aí, a briga é comum, que aí a senhora descarrega aquela tensão,daqui a pouco tá tudo calmo... que é um trabalho muito tenso,entendeu,que é muita velocidade, é muito rápido, então a senhor briga que é para descarregar um pouco a tensão...mas no final dá tudo certo. "
"Tem pessoas que ficam ali no cais vinte e quatro horas, então dá a vida pelo cais.
Ai quando vão fazer alguma coisa errada ele quer se' doer, aí começa a confusão... "
Entretanto, há alguns poucos que reconhecem a necessidade de transformação destas situaçoes de violência:
É humilhação, né! As vezes a gente não quer colocar assim desta forma, né, mas é...
" Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
integrante do PROPOMAR -
Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
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