24 de dez. de 2013

O dia a dia do Estivador


O Dia de trabalho de um Estivador

Sexta-feira, 6h30. A primeira manhã de primavera mal começou.
O comércio do centro ainda dorme.
 Mas Luiz Moreira Guimarães, 65 anos,
 já está a todo vapor para mais um dia de trabalho como estivador no Porto de Santos.
 É tudo o que sabe — e gosta — de fazer. Há ‘‘mais ou menos 50 e poucos anos’’. 
‘‘Todo mundo na minha família era estivador. E tenho um filho que também é.
 A conversa é travada num dos terrenos das três ‘‘paredes’’ do cais santista, 
termo para designar o local onde o trabalho é distribuído entre os cerca de 3.400 estivadores 
que ainda estão na ativa — Guimarães incluído na lista. 
Orgulhoso, mostra a carteira com o número 8, 
indicando ter sido um dos primeiros no universo de milhares.
A ‘‘parede’’, que começa dali a 15 minutos, fica nas proximidades do Armazém 11, 
no Paquetá, onde geralmente são oferecidos os trabalhos nos navios de açúcar. 
A cada dois dias da semana os estivadores têm, obrigatoriamente, 
de mudar o ponto de escala,
 de tal forma que todos atuem nos diversos tipos de operação 
de contêineres a  granéis químicos no Porto de Santos.

Os trabalhadores começam a chegar, somente uma minoria vem de automóvel. 
A maioria tem moto, mais acessível ao bolso do estivador
acostumado com uma média salarial mensal de R$ 1.850,00. 
‘‘O sonho de todo estivador é ter um carro’’, 
destaca o primeiro-secretário do Sindicato da Estiva, João Barbosa Soares.
Por ter sido chamado para trabalhar por um período de seis horas,
 o estivador recebe R$ 30,00, faça chuva ou faça sol.
 ‘‘Mesmo que quebre alguma coisa no navio que impeça o nosso trabalho,
 ganhamos os R$ 30,00’’, explicou Soares.
Caso haja um excedente de produção durante o trabalho,
 o ganho passa a ser correspondente à tonelagem embarcada. 
Vem daí o senso comum de que trabalhar com contêiner dá mais lucro. 
De fato.
Soares explica que o trabalho no açúcar é um dos mais procurados por ser, 
nos dias atuais, um dos mais genuínos.
 É ali que se faz propriamente a estivagem da carga.
No caso do açúcar ensacado, 
são dois homens carregando a saca e acomodando-a no porão de um navio. 
Não raro, o açúcar escorre, um ou outro saco fura, a carga, exposta ao sol, 
se aquece e o cheiro toma conta do navio, 
podendo ser sentido mesmo por quem passa de carro ao largo da embarcação atracada,
 na via portuária.
Já com o contêiner o trabalho é mais impessoal, 
asséptico arrumam-se sem saber o que há dentro.

A sensação é traduzida por Soares:
 ‘‘o açúcar tem aquele romantismo do porto de antigamente.
A essência da estivagem foi absorvida pelo mecanismo do contêiner’’.
Quando batem as 6h45 começa a distribuição dos trabalhos.
 A memorável cena em que os estivadores erguem os braços com a carteira de trabalho
 em riste,
 duelando entre si para ser o escolhido pelo mestre , ainda permanece.
Apesar da Lei de Modernização dos Portos 8.630/1993 implantar um rodízio,
 em que todos os trabalhadores avulsos são escalados, 
há hoje uma competição para participar do terno 
supostamente mais forte ou onde haja mais amigos,
 indiretamente mantendo a antiga tradição.
A diferença fundamental, explica Soares, 
é que na época anterior à Lei, o mestre escolhia os trabalhadores.
 E hoje é ao contrário. 
Os trabalhadores é que se oferecem para atuar nesse ou naquele navio.
Feita a escala, os grupos seguem para a zona primária do cais, 
onde estão atracados os navios. 
Em poucos minutos, o terreno onde a parede acabara de ser feita fica vazio. 
Mais um dia de trabalho está começando.

Para um ‘‘marinheiro de primeira viagem’’, a chegada a um navio pode ser assustadora
. Ainda mais se a embarcação estiver vazia, com os porões abertos, 
prestes a ter as mercadorias embarcadas.
 Como é o caso de um açucareiro de grandes dimensões.
Os estivadores descem aos porões por uma escadaria dentro de um tubo.
 São cerca de 30 metros de altura contados a partir do convés do navio
 equivalente a um prédio de três andares.
Lá embaixo, os trabalhadores de Bloco forram o chão com um papelão,
 preparando o piso para a chegada da carga. 
O trabalho portuário é todo feito em equipe.
Os estivadores entram em cena para manusear a lingada de açúcar 
feita pelos trabalhadores de capatazia ou doqueiros, 
uma espécie de ‘‘estivadores de terra’’. 

‘‘Pô, Sidnei, 30 anos de cais e não aprende’’
, grita o doqueiro Fábio, brincando com o companheiro,
 que não teria amarrado bem as sacas de açúcar 
para a suspensão do conjunto ainda no cais.

Reparação feita, a cena que se segue é digna de foto.
 A lingada é içada pelo operador de guindaste do lado de terra e
 lentamente deslocada para o lado de mar,
 descendo em seguida até o fundo do porão, onde estão os estivadores
‘‘Isso aqui é fascinante. 
Quem bebe dessa água não esquece’’, 
explica o primeiro-secretário do Sindicato da Estiva, João Barbosa Soares. 
As roupas de trabalho são um capítulo à parte.
 O que se observa hoje no porão difere em muito da” moda” dos idos anos 30,
 quando, 
conforme pode ser atestado na galeria de fotos na sede do Sindicato da Estiva,
 o antológico Navalhada aparecia trajando terno,
 gravata borboleta e chapéu para trabalhar. 
Igual a ele, havia muitos. 
‘‘Lógico que conforme a operação começava, eles iam tirando os apetrechos’’, 
explica Soares. ‘‘Mas o estivador era muito vaidoso, sim’’,
 completou. 
Pudera. 
Naquela época, a categoria era uma das que melhor recebiam no porto.

fonte Da parede ao porão, o dia de um estivador 

[A Tribuna (SP) - 27/09/2005]

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