9 de jan. de 2014

O que Representa o SER ESTIVADOR


 A presença de um novo conceito de produção com base em operações
 mais enxutas onde a especialização flexível é a tônica,
 eliminando do processo produtivo trabalhadores de baixa qualificação,
 é um momento de perplexidade. 
...o nosso padrão de vida caiu muito e é preciso entender 
que o estivador é uma categoria que lida com dez tipos de equipamentos diferentes
 e é remunerado como um qualquer, 
ele trabalha com ponte rolante,
 maquina de esteira, 
pá carregadeira, 
o estivador faz tudo isso por uma remuneração só,...
mudar a cultura do passado para a atual é complicado
 porque hoje tem um grande contingente de estivador novo,
 mas só que esse estivador novo ele é o filho do estivador antigo
 é o sobrinho é o primo então foi passado para eles 
a cultura dos antigos então hoje para nós chegarmos
 num salão de assembléia e passar para o trabalhador 
que ele tem que ficar a bordo 
que ele tem que preservar o mercado de trabalho dele,
 que ele faça o trabalho com carinho e tal,
é difícil a gente transmitir isso pra eles, 
a cultura deles está ainda na cultura antiga, 
essa questão de cultura a gente tem que trabalhar muito encima.
 2 secretário do sindicato dos estivadores 2007

A cultura do estivador mostra a sua força no processo 
de transmissão de valores de pai para filho.
 O sistema de transmissão dos valores entre os parentes
é o sistema unificador na vida dos estivadores.
 Eles construíram relações de pai com filho
 não só pela sua posição ocupada na produção, 
mas também porque se relacionavam como pai e filho.  
A noção de multifuncionalidade 
se inscreve na ação objetiva do trabalho desde muito tempo,
 contudo o seu significado remete a um contexto onde os equipamentos
 não eram poupadores de mão-de-obra o que explica a queda do padrão de vida. 
A adesão dos estivadores antigos e novos as novas formas 
de organização não ocorre porque os elementos culturais 
que davam significado a existência da profissão
 e eram expressão da própria vivência estivadora 
autonomia, 
controle da organização
, pertencimento,
 hierarquia consentida
 não tem esse significado na nova ordem cultural, com
que leva o sindicato a inscrevê-los na agenda de trabalho.       

A modernização dos portos se apresenta
 como um caso particular da inserção brasileira no processo global
 de comercio internacional num setor que teve a intervenção do Estado 
como fator de dinamização da economia nacional. 
Essa inserção se inscreve na articulação estrutural do capital
 dos últimos 35 anos,
 que na busca de reorganização dos espaços da produção de valor 
sob formas novas tecnologicamente mais desenvolvidas, 
proporcionou uma transformação em nível global 
que trouxe dimensões qualitativas novas para a vida dos trabalhadores
 em especial do setor portuário de Santos.


 As mudanças produzidas pelo processo de privatização
 da área portuária,
 a introdução de novas formas de controle social da produção 
advindas de formas mais desenvolvidas da tecnologia e da gestão do trabalho, 
marcam as novas disputas entre o capital e o trabalho. 
Nesse sentido este trabalho trilhou um caminho onde 
a análise da experiência de vida dos estivadores do Porto de Santos 
remete a construção de significados que orientam os meios de produção
 historicamente constituídos e a percepção que eles adquirem de si próprio
 e dos objetivos da suas vidas. 
Vimos que não se trata de alguma força exterior 
atuando sobre um material bruto nem tampouco existe a suposição
 de que essa experiência foi gerada espontaneamente pelo sistema produtivo.

 Vimos também que as consciências se estruturaram 
nas formas simbólicas de dominação e de resistência
 tudo que em sua totalidade representa a genética de todo o processo histórico
 e que são sistemas que se reúnem todos, num certo ponto, 
na experiência humana comum que exerce sua pressão sobre o conjunto. 
Hoje, 
a mudança implica na difusão de um novo processo produtivo,
 mais sistêmico, 
que leva a outra maneira de pensar a divisão do trabalho e 
a uma concepção renovada do lugar do indivíduo na produção, 
e que, neste atual estágio de transição, encontra um sujeito fortemente impregnado das ordens culturais passadas que lhes deram sentido de estabilidade.
 Na realidade o significado de
 “ser estivador” 
inscrito na ordem cultural em que se desenvolveu a profissão até 1993
 não mais existe, 
e o novo significado,
 que define toda a ação futura ainda não emergiu
 porque a cultura que impõe a ordem significativa sobre o processo instrumental 
a transformação, 
não contém ainda a estrutura de realidade manifesta na produção. 
Os movimentos objetivos da transformação não produziram conseqüências
 determinadas porque não se agregaram paulatinamente 
às coordenadas da ordem cultural. 
Como vimos a lei 8630 trata da questão estrutural portuária
 e não há clausulas sociais nos artigos que afetam diretamente
 a vida dos trabalhadores. 
A questão fundamental é que os aspectos materiais estão separados 
dos sociais como se a satisfação das necessidades pela produção
 não tivessem vínculos com a relação entre os homens. 
Os componentes culturais se desenvolvem em termos de propriedades materiais 
e sociais e na experiência portuária eles foram pensados 
como deduzidos da ordem econômica.   
Os estivadores são homens que experimentam suas ações e relações produtivas
 em transformação como interesses,
 necessidades e antagonismos,
 trata-os em seguida em sua consciência e sua cultura 
das mais complexas maneiras e em seguida agem, por sua vez, 
sobre sua situação determinada, ou seja, precarização.    
A cultura não é expressão das formas de produção,
 pelo contrario, 
as formas de produção é que desdobram em termos da cultura,
 ou seja, 
não é mais a sua própria forma
, mas incorporada como significado. 
Se a forma produção em transformação, expressa na lei
não incorpora as relações sociais fundamentais, 
seu significado, 
contrastado com o passado é naturalmente rejeitado e 
os impasses permanecem.

35 Seminário Temático Numero 16 
TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO  E 
A CULTURA DOS ESTIVADORES DE   SANTOS

João Carlos Gomes  

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