A presença de um
novo conceito de produção com base em operações
mais enxutas onde a
especialização flexível é a tônica,
eliminando do processo produtivo
trabalhadores de baixa qualificação,
é um momento de perplexidade.
...o nosso padrão de vida caiu muito e é
preciso entender
que o estivador é uma categoria que lida com dez tipos de
equipamentos diferentes
e é remunerado como um qualquer,
ele trabalha com ponte
rolante,
maquina de esteira,
pá carregadeira,
o estivador faz tudo isso por uma
remuneração só,...
mudar a cultura do passado para a atual é complicado
porque
hoje tem um grande contingente de estivador novo,
mas só que esse estivador
novo ele é o filho do estivador antigo
é o sobrinho é o primo então foi passado
para eles
a cultura dos antigos então hoje para nós chegarmos
num salão de
assembléia e passar para o trabalhador
que ele tem que ficar a bordo
que ele
tem que preservar o mercado de trabalho dele,
que ele faça o trabalho com
carinho e tal,
é difícil a gente transmitir isso pra eles,
a cultura deles está
ainda na cultura antiga,
essa questão de cultura a gente tem que trabalhar
muito encima.
2 secretário do sindicato dos estivadores 2007
A cultura do estivador mostra a sua força no processo
de
transmissão de valores de pai para filho.
O sistema de transmissão dos valores
entre os parentes
é o sistema unificador na vida dos estivadores.
Eles
construíram relações de pai com filho
não só pela sua posição ocupada na
produção,
mas também porque se relacionavam como pai e filho.
A noção de multifuncionalidade
se inscreve na
ação objetiva do trabalho desde muito tempo,
contudo o seu significado remete a
um contexto onde os equipamentos
não eram poupadores de mão-de-obra o que
explica a queda do padrão de vida.
A adesão dos estivadores antigos e novos as
novas formas
de organização não ocorre porque os elementos culturais
que davam
significado a existência da profissão
e eram expressão da própria vivência
estivadora
autonomia,
controle da organização
, pertencimento,
hierarquia
consentida
não tem esse significado na nova ordem cultural, com
que
leva o sindicato a inscrevê-los na agenda de trabalho.
A modernização dos portos se apresenta
como um caso
particular da inserção brasileira no processo global
de comercio internacional num
setor que teve a intervenção do Estado
como fator de dinamização da economia
nacional.
Essa inserção se inscreve na articulação estrutural do capital
dos
últimos 35 anos,
que na busca de reorganização dos espaços da
produção de valor
sob formas novas tecnologicamente mais desenvolvidas,
proporcionou uma transformação em nível global
que trouxe dimensões
qualitativas novas para a vida dos trabalhadores
em especial do setor portuário
de Santos.
As mudanças produzidas pelo processo de privatização
da área
portuária,
a introdução de novas formas de controle social da produção
advindas
de formas mais desenvolvidas da tecnologia e da gestão do trabalho,
marcam as
novas disputas entre o capital e o trabalho.
Nesse sentido este trabalho
trilhou um caminho onde
a análise da experiência de vida dos estivadores do
Porto de Santos
remete a construção de significados que orientam os meios de
produção
historicamente constituídos e a percepção que eles adquirem de si
próprio
e dos objetivos da suas vidas.
Vimos que não se trata de alguma força
exterior
atuando sobre um material bruto nem tampouco existe a suposição
de que
essa experiência foi gerada espontaneamente pelo sistema produtivo.
Vimos
também que as consciências se estruturaram
nas formas simbólicas de dominação e
de resistência
tudo que em sua totalidade representa a genética de todo o
processo histórico
e que são sistemas que se reúnem todos, num certo ponto,
na
experiência humana comum que exerce sua pressão sobre o conjunto.
Hoje,
a
mudança implica na difusão de um novo processo produtivo,
mais sistêmico,
que
leva a outra maneira de pensar a divisão do trabalho e
a uma concepção renovada
do lugar do indivíduo na produção,
e que, neste atual estágio de transição,
encontra um sujeito fortemente impregnado das ordens culturais passadas que
lhes deram sentido de estabilidade.
Na realidade o significado de
“ser
estivador”
inscrito na ordem cultural em que se desenvolveu a profissão até
1993
não mais existe,
e o novo significado,
que define toda a ação futura ainda
não emergiu
porque a cultura que impõe a ordem significativa sobre o processo
instrumental
a transformação,
não contém ainda a estrutura de realidade
manifesta na produção.
Os movimentos objetivos da transformação não produziram
conseqüências
determinadas porque não se agregaram paulatinamente
às
coordenadas da ordem cultural.
Como vimos a lei 8630 trata da questão
estrutural portuária
e não há clausulas sociais nos artigos que afetam
diretamente
a vida dos trabalhadores.
A questão fundamental é que os aspectos
materiais estão separados
dos sociais como se a satisfação das necessidades
pela produção
não tivessem vínculos com a relação entre os homens.
Os
componentes culturais se desenvolvem em termos de propriedades materiais
e
sociais e na experiência portuária eles foram pensados
como deduzidos
da ordem econômica.
Os estivadores são
homens que experimentam suas ações e relações produtivas
em transformação como
interesses,
necessidades e antagonismos,
trata-os em seguida em sua consciência
e sua cultura
das mais complexas maneiras e em seguida agem, por sua vez,
sobre
sua situação determinada, ou seja, precarização.
A cultura não é expressão das formas de
produção,
pelo contrario,
as formas de produção é que desdobram em termos da
cultura,
ou seja,
não é mais a sua própria forma
, mas incorporada como
significado.
Se a forma produção em transformação, expressa na lei,
não
incorpora as relações sociais fundamentais,
seu significado,
contrastado com o
passado é naturalmente rejeitado e
os impasses permanecem.
35 Seminário Temático Numero 16
TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO
E
A CULTURA DOS ESTIVADORES DE
SANTOS
João Carlos Gomes
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