21 de jun. de 2014

A garra das Estivadoras Portuguesas 2

Sim, hoje existem máquinas
mas a estiva não deixa de ser um trabalho muito duro, como conta Margarida Pereira.
Exige muito de nós física e psicologicamente.
 O trabalho em si, subir cargas, descer cargas, engatar, desengatar, é muito desgastante. 
Por exemplo, para engatar os pacotões do cimento temos que andar dobradas muitas horas. 
E depois, trabalhar 17 horas seguidas, como muitas vezes acontece, é complicado. 
Às vezes saimos daqui à 1 da manhã e temos que cá estar novamente às oito.
É chegar a casa e dormir à pressa, como costumo dizer.

Isabel Lucas confirma a dureza do trabalho e por isso para ela é essencial o espírito de equipa. Só assim se leva a carga a bom porto. E é fácil criar esse espírito quando se é uma mulher entre tantos homens?
 A estivadora garante que sim e isso é aliás aquilo que mais a ancora a esta profissão. 
O relacionamento é muito bom, tanto com os colegas como com as chefias, nunca senti discriminação por ser mulher.
 Se tiver que ser chamada para fazer noites como os homens sou.
 O trabalho que eles fazem a gente também faz: conferência, cargas e descargas de navios, 
trabalho de base, tudo.
Alena que se diz muito desenrascada, até gosta mais de trabalhar com homens do que com mulheres. Gosto de ser igual aos homens e mostrar que não sou mais fraca.
 Não faço mais nem menos que eles. 
Quando me dizem "deixa que eu faço", respondo "não, tu ganhas o teu ordenado e eu ganho o meu, temos que fazer os dois".
 Nunca fico para trás, não gosto.
Margarida lembra, no entanto, que nem sempre foi assim. 
Há 13 anos, quando entrou para a profissão, não é que fosse discriminada ou mal tratada, mas não foi exatamente fácil. 
Estavam habituados àquele mundinho deles, eu posso, eu mando, alhos e bugalhos... 
Claro que com o tempo foram-se habituando a nós e hoje lidam conosco com muita normalidade. Em termos de linguagem continua a ser um bocadinho puxado e nós também tivemos que nos adaptar, mas se no início nem sequer nos atrevíamos a dizer fosse o que fosse, hoje já chamamos a atenção quando é preciso e eles pedem desculpa. 
Aliás, agora o que sentimos é até uma proteção por parte deles. 
Por exemplo, hoje vou à manifestação, mas muito protegida por eles.
Com quase 15 anos de estiva, Isabel Lucas nunca se chocou muito com a linguagem, 
faz que não ouve e bola para a frente. 
Para ela, no local de trabalho não há homens e mulheres, há colegas.
 Nunca senti que olhassem para a gente como mulheres ou como objeto sexual, 
nunca nos faltaram ao respeito e isso é o que importa.
 Casada há 34 anos com o mesmo homem, o que é raro nos tempos que correm, 
o seu trabalho também nunca foi um problema em casa. 
Sempre trabalhei no meio de homens e o meu marido sempre aceitou muito bem o meu trabalho, mesmo os horários - porque aqui a gente nunca sabe se trabalha de dia, 
se trabalha de noite, se abala de casa às cinco da tarde e chega no outro dia às oito da manhã ou às oito da noite.

Não era para os filhos de Margarida, Isabel e Alena a palavra de ordem gritada na manifestação. Nenhum deles tem uma mãe que ganhe 5000 euros por mês. 
A 48 euros ao turno de oito horas, que passam a 58 se houver repetição de turno, 
estas mulheres nunca sabem muito bem com o que contam.
 Convocadas por sms, umas horas antes de terem que se apresentar ao serviço, 
têm que estar sempre de prontidão, caso queriram continuar a ser chamadas.
 Todas afiançam que tanto podem ganhar 800 ou mil euros num mês muito bom como 200 ou 300 ou mesmo nada, se não houver trabalho. 
Subsídios de férias e Natal são coisa que não conhecem desde que trabalham na estiva e já nem direito a baixa médica têm, mesmo fazendo descontos sobre todos os turnos que fazem.
 Vale-lhes terem um suporte familiar de retaguarda - Margarida, o companheiro, Isabel, o marido, Alena, a mãe, que em 2006 veio trazer-lhe o filho mais velho. É com ela e os dois filhos, um rapaz e uma rapariga, que vive, desde que se separou do marido, português. 
Se não fosse a minha mãe, se calhar não tinha saído de casa...
Nos últimos tempos, em virtude das greves sucessivas, são mais os dias em que estão paradas do que aqueles em que trabalham, o que se vai tornando insustentável.
 Partilham dos receios de todos os estivadores portugueses, uma vez que a nova lei do trabalho portuário lhes retira muitas das funções que eram suas, o que levanta a Margarida uma série de questões, que deixa no ar: nesta luta o que está em causa é que só para lá de determinada linha é que trabalha o estivador. 
E para cá dessa linha quem é que trabalha? 
Quem é que vai fazer os parqueamentos, os levantamentos, as rechegos? 
Se não é o estivador, quem é? 
E se eu trabalho para cá dessa linha, não me dirá a empresa que tem de me mandar embora porque não pode ter estivadores ali? 
Serão necessários todos os efetivos que existem para assegurar unicamente o trabalho para lá da linha?
 Para concluir, reconhecendo: 
A nossa luta não é a mesma dos efetivos, eles lutam para não perderem o que têm, 
nós lutamos para ganhar mais alguma coisa. 
Mas se esta lei for avante, perdemos todos, 
porque se eles forem para o desemprego ou para a situação de precários, 
para onde é que nós vamos?

  Fonte Há mulheres no cais

por Catarina Pires Fotografia Edivaldo Francisco


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