21 de jun. de 2014

A Garra das Estivadoras Portuguesas

Entre os cerca de mil estivadores portugueses, existem apenas 14 mulheres.
 Dez em Setúbal e quatro em Sines.
 Juntam-se à luta dos homens, mas têm uma muito maior para vencer.
 Margarida Pereira, Isabel Lucas e Alena Ivanova contam como é.
São nove e meia de uma manhã de sol gelado e ao terminal da Sadoport, em Setúbal, 
vão chegando homens que daqui a umas horas rumarão a Lisboa, para a manifestação internacional de estivadores, onde se distribuirão geribérias às mulheres que passam, 
se rebentarão petardos e se gritarão palavras de ordem como 
Somos nós, somos nós, a estiva em Portugal somos nós; Cinco mil euros ganha a tua mãe, cinco mil euros ganha a tua mãe. 
Milhares de homens em luta contra a precarização e pela manutenção dos postos de trabalho que consideram ameaçados pela nova lei que regulará o trabalho portuário e que será aprovada na Assembleia da República, apesar da contestação, das greves sucessivas e desta grande manifestação que para lá convergirá ordeiramente. 
Milhares de homens e uma mulher, Margarida Pereira, estivadora há 13 anos.
Nós encontramo-la, antes, no bar pré-fabricado do terminal da Sadoport,
 com Isabel Lucas e Alena Ivanova, colegas de estiva. 
Adiante na conversa, Margarida, precária como todas as colegas mulheres a trabalhar no porto de Setúbal, ganhando ao turno, com contratos ao dia, há-de reconhecer que a sua luta é outra,
 mais profunda, mas antes há que travar esta, porque, com a nova lei,
 a precariedade pode agravar-se ainda mais.
Mãe de dois filhos, Margarida Pereira, 43 anos,
 trabalhava no apoio domiciliário da Santa Casa da Misericórdia de Setúbal quando uma colega, que foi das primeiras mulheres na estiva em Portugal, a desafiou a furar este mundo dominado pelos homens. Trabalhávamos por turnos na Misericórdia e ela começou a incentivar-me para fazer um part-time na estiva. Eu tinha a minha filha pequenina, estava sozinha, já me tinha separado do pai dela, e precisava de ganhar mais algum, porque lá o ordenado era o mínimo. 
As inscrições para as ETP Empresas de Trabalho Portuário abriam de três em três meses e na altura a Naviport queria ser impulsionadora da presença de mulheres na estiva. Entrei, fiz formação de máquinas, testes psicotécnicos, exames de saúde e fiquei. 
Gostei tanto que aqui estou vai fazer 14 anos em abril.
Um ano antes da entrada de Margarida, tinha chegado Isabel Lucas, 50 anos,
 trabalhou de preparadora de pintura a operária numa fábrica de automóveis ou a soldadora, fez de tudo, em empresas que tiveram sempre o mesmo fim: o encerramento. Desempregada e sem vocação para ficar fechada em casa,  mãe de dois filhos e avó, fez-se estivadora há 14 anos.
 Hoje não se via a fazer outra coisa. Há dias em que o trabalho é mais pesado, outros em que é mais leve, mas quando se faz aquilo de que se gosta, não custa nada, conta Isabel, que faz questão de relevar o seu lado feminino. Gosto de fazer os meus arraiolos, gosto do trabalho da casa, gosto de tomar conta do neto e este trabalho permite-me isso. Aquilo que, segundo algumas vozes, é um dos fatores que mais afasta as mulheres da estiva  o horário por turnos , é o que mais agrada à estivadora. Posso trabalhar uma semana inteira, mas também posso estar uma semana em casa e isso dá-me liberdade. Quando tenho trabalho esqueço-me da família, da casa, de tudo, é tomar banho, comer e dormir. Quando não há trabalho e tenho mais vagar, então faço tudo o que deixei para trás e tenho tempo para mim. Uma coisa compensa a outra.
Não está muito dentro da contestação e o que sabe é mais pelas notícias que vê e lê, mas acha muito bem que os efetivos lutem pelos seus direitos. Nós estamos cá para os apoiar, porque a luta deles também é a nossa. 
A ver se não foge mais trabalho e se não põem a gente a trabalhar à hora.

Alena Ivanova, 35 anos, faz que sim com a cabeça loura ao que diz a colega e amiga a quem trata por madrinha. Eu estava cá sozinha e apareceu ela para me fazer companhia, diz Isabel num aparte.
 Natural da Sibéria, esta educadora de infância chegou a Portugal em 2001.
 Sem nunca ter visto uma pá ou uma enxada, trabalhou numa empresa de jardinagem, mas cansada de cavar terra decidiu procurar um trabalho melhor.
 Tentei arranjar emprego como vendedora numa loja, mas como já tinha 30 anos nenhuma me aceitava. Entretanto, soube da estiva, inscrevi-me e cá estou há três anos. Gosto muito e só espero que corra tudo bem, acabe esta greve e haja trabalho para toda a gente.
No porto alentejano ninguém se mostrou disponível para falar, mas sabe-se que três são efetivas, uma tem contrato a termo e foram ali criadas as infraestruturas de apoio necessárias para que o trabalho fosse aberto ao género feminino, nomeadamente os balneários e vestiários diferenciados, investimento que segundo Vítor Dias, presidente do Sindicato dos Estivadores do Centro e Sul de Portugal, mais nenhum porto ou operador portuário se dispôs a fazer até hoje no resto do país. 
Seria interessante que existissem mais mulheres na estiva e hoje a profissão, que era associada a homens grandes e brutos, em virtude da sua evolução e da introdução das máquinas, é perfeitamente acessível às mulheres, mas as empresas é que não estão pelos ajustes e não querem fazer o investimento necessário para isso. 


Salvaguardando que as empresas não podem ter quadros de pessoal que respondam a todas as necessidades porque o trabalho nos portos é irregular, o que justifica a existência de uma bolsa de eventuais, Vítor Dias considera que, dada a quantidade de horas extraordinárias que se exige aos estivadores, é óbvio que deviam ser muitos mais os efetivos e imputa às empresas e operadores portuários a responsabilidade de não os contratarem.
 Particularmente em Setúbal, garante que ao longo dos anos se lutou para alterar a situação, sem grandes resultados.
 Este é o caso mais gritante e só é possível pela especificidade do trabalho no porto, cuja tipologia de carga não exige tanta especialização e que não tem tanta carga de linha regular como Lisboa, por exemplo.
 Para as empresas, quantos mais eventuais melhor, porque não têm encargos com os trabalhadores, mas é uma situação socialmente indigna, sobretudo numa atividade de risco como esta.
Fonte  FOTO Carlos Cavalcanti

Há mulheres no cais

por Catarina Pires 

2 comentários:

  1. Teremos a primeira ESTIVADORA no Porto de Rio Grande - RS.

    http://jornalagora.com.br/site/content/noticias/detalhe.php?e=3&n=72326

    #politica #emprego

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