29 de nov. de 2015

A BAIXA IDADE MÉDIA COMO BERÇO ETIMOLÓGICO DO TERMO PORTO


Em sua origem, numa geo-história dos portos medievais, os conhecimentos arqueológicos e históricos ressaltam que os portos de travessia, ou de passagem, tinham tomado seguidamente a sucessão de baixios multisseculares, possibilitando que, na metade do século XII, 50% dos pontos de taxação se encontrassem aí onde as rotas ou estradas romanas, ou ainda os caminhos ou trilhas gaulesas recortavam os rios, demonstrando a importância dos pontos de interseção dos rios com os antigos caminhos. Nesse período, o termo portus permaneceu quase por tudo polissêmico (direito sobre uma secção fluvial, passagem, praia de pedregulhos).
 Por tudo, também, o porto é o local de obstáculo e de abertura, o ser que o país e o lugar têm em comum e, em graus diversos, o produto de uma dupla realidade: uma, local, tem a consistência do solo, do meio ambiente, do traçado do rio, da sua competência; a outra, é a natureza regional e inter-regional, a importância de uma construção ribeirinha dependendo de um hinterland com dimensões variáveis .
 No entanto os termos empregados, portus, depois port e havre, convidam à prudência. Esses  em efeito a pluralidade das formas e das situações. 
Na escala do reino da França, essa variedade era particularmente sensível. Numa estimativa baixa, eram cerca de 300 os sítios portuários de todos os tamanhos ao fim da Idade Média, testemunhando o dinamismo das atividades portuárias medievais, contrastando com o período seguinte que anuncia o fim dos pequenos portos
Convergindo nessa prudência, a palavra port se aplica aos encalhes, lamaçais cavados na areia ou na lama/lodo pelos próprios navios, nas praias onde encalham. Eles têm então uma posição costeira marcada. 
A palavra havre ou hable designa pequenas baías escurecidas, as aberturas estreitas, as pequenas enseadas, as embocaduras alargadas de rios litorâneos, organizados ou não. Nos mares com marés, o havre será sempre vazio com maré baixa e os navios a seco como nos portos. 
Nos rios, a palavra port significará desembarcadouro e o tipo será representado, sobre a borda do mar, pelo termo stapula, bigorna. 
A passagem de um tipo ao outro se fará progressivamente no curso da Idade Média. Assim, os havres sucederam os ports, deslocando-se em direção à montante. 
Ou seja, durante a Idade Média, as embarcações crescentemente se deslocaram da ancoragem nas praias, com encalhe das embarcações, para a ancoragem nas bacias de águas protegidas, tanto de baías e enseadas, como nas embocaduras dos rios,  à medida que o comércio flúvio marítimo crescia, a se deslocar cada vez mais para dentro do continente europeu, no sentido da jusante (foz) para a montante (nascente), fato este explicado pelas dimensões reduzidas das embarcações. 
No entanto, essas definições estão restritas ao meio geográfico que, pelas restrições técnicas da época, colocava-se. Como barreira natural ao avanço das atividades comerciais. Contudo, no período em foco, destaca-se também a oposição no uso setentrional do termo hafen em relação ao uso meridional do termo portus. Sobre essa oposição terminológica, observa que, na língua germânica, é o nórdico e o anglo-saxão hafen e seus derivados havene, haefene, haben que são impostos, sem recurso ao portus latino e romano, que se encontra doravante atestado, sobre o plano toponímico, para Pforzheim, sendo empregado para designar toda cidade que lembre uma instalação urbana romana, como Colônia, Worms e Neuss. Quanto à etimologia, portus está associado a porta e a per (porta e passagem) que se encontra também no velho germânico far (ele mesmo dando tor, a porta) e urfar, dois termos que teriam evoluído de ufer de um lado (a margem) e de hafen de outro (o porto). 
Ligados ou não um ao outro, os dois termos portus e hafen designam em todo o caso o fato de entrar e de fazer passar, essencialmente no registro das trocas de bens. A passagem de portus a hafen nos textos esclarece seguramente os modos de designação, representação e então de uso das instalações portuárias, possibilitando verificar, de um lado, se a vitória de hafen corresponde ou não à preponderância dos portos marítimos de criação mais tardia em relação aos portos fluviais do interior marcados pela romanidade e, de outro, se se pode observar ou não um uso setentrional de hafen contra um uso meridional de portus, uso que recuperaria então um paradigma mais geral Norte-Sul, quer dizer, mar-rio. 
O termo hafen aparece pela primeira vez em 1260, na zona lubecko-hamburguesa, no contexto de um processo verbal de um negócio implicando mercadores de Lubeck residentes em Hamburgo que denunciam a aplicação,  do direito de Hamburgo quanto ao cálculo de pagamento a versar no caso de salvatagem de um carregamento segundo o local de recuperação da mercadoria: sobre a terra (3,3%), sobre a costa ou na proximidade do porto (5%), ou no alto mar (10%). 

Tratava-se, portanto, do desejo de unificação das legislações portuárias e comerciais das cidades portuárias de Lubeck e Hamburgo, a fim de estendê-las às demais cidades pertencentes à Liga Hanseática. 
Essa unificação deveria repousar sobre uma base sólida de segurança dos portos concebidos como a espinha dorsal de um sistema que tinha já vocação para religar as cidades e as costas sobre várias centenas de quilômetros . 
O interesse residia no fato de o porto ser considerado a essa época como um lugar equivalente de uma cidade à outra e como o espaço de aplicação de um “direito dos negócios”, direito não do mar, mas da cidade. 
Outro interesse consistia no tipo de argumentação colocada pelos mercadores de Lubeck, que estimam que a palavra portus-hafen não seria suficiente para designar uma zona portuária claramente delimitada, sobre a qual todo o mundo poderia estar de acordo e pensando que, no sentido comum, portus não quer dizer outra coisa senão que um lugar propício à ancoragem, uma via de acesso e um ancoradouro próximo de uma cidade. Para eles, essa definição aberta deveria conduzir Lubeck e Hamburgo, e com elas as outras cidades associadas, a se entender sobre o fato de que é no direito urbano das mercadorias, e não naquele dos mares, que se deveria determinar a porcentagem aplicável à salvatagem de um carregamento em função da posição do navio. 
No último terço do século XIII, a liberdade de tráfego deveria concernir tanto ao porto quanto às costas; o porto deveria ser tratado como uma rota e se deveria lhe aplicar o direito de mercado dado pelo tribunal ordinário da cidade. O navio amarrado no cais não possuiria um estatuto diferente de uma casa ou de um terreno na cidade. 
Outro aspecto destacável é o fato de que a legislação sobre o porto, então a legislação urbana (de Lubeck), devia e podia ser aplicada sobre o navio tanto quanto ele permanecesse em contato visual desde o porto ele mesmo.
 O contato visual é também o que guia desde muito tempo os marinheiros e o capitão para encontrar a entrada do porto
Por esse caminho, e desde os anos 1260, o porto bem serviu de porta de saída para a exportação do direito de Lubeck aos confins da Liga Hanseática. De outra parte, é pelo regulamento dos conflitos comerciais e pela codificação de um direito marítimo atribuído ao direito dos mercados que, durante a segunda metade do século XIII, um salto taxonômico se produziu . Para o domínio da Liga Hanseática ao menos, a mutação estrutural que se observa na passagem dos séculos XIII ao XIV, tanto na organização quanto no crescimento e na topografia das cidades portuárias do Mar do Norte e do Báltico, se explica tanto para o porto em sua materialidade quanto pelo direito que lhe é aplicado .

Fonte CIDADES PORTUÁRIAS MEDIEVAIS: DOS PRIMÓRDIOS DAS TÉCNICAS DE ENGENHARIA NAVAL E PORTUÁRIA À ORIGEM ETIMOLÓGICA DA PALAVRA PORTO MARCELO VINICIUS DE LA ROCHA DOMINGUES*

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