Porto organizado é aquele pelo homem construído e
aparelhado para atender às necessidades da navegação e da movimentação e
armazenagem de mercadorias, concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e
operações portuárias estejam sob a circunscrição de uma autoridade portuária. E
constitui assim um conjunto de serviços e instalações voltadas para a
circulação de mercadorias. Se
os terminais privativos se utilizam da infra-estrutura construída com
recursos públicos, forçosamente estarão incluídos no âmbito do porto
organizado. E constituída pelas instalações portuárias terrestres existentes
na margem direita e esquerda desde a entrada do canal ao fundo estuário, desde
o enraizamento do molhe até a extremidade do cais, abrangendo docas, píers, armazéns, pátios, vias internas de
circulação rodoviárias e ferroviárias, os terrenos ao longo dessas faixas
marginais e em suas adjacências .
Segundo o Manual do Trabalho Portuário
do Ministério do Trabalho e Emprego, as instalações de uso
público estão sempre dentro da área do porto organizado. Já as de uso privativo
podem se situar tanto dentro quanto fora da área do porto organizado.
O
trabalhador portuário, seja ele avulso
ou com vínculo, trabalhando ele dentro ou
fora da área do porto organizado, desenvolve suas atividades em um ambiente de
trabalho sui generis, e para tanto, lhe foi deferido o direito a um adicional
de remuneração, nos termos do que dispõe o art. 14 da Lei nº 4860/65, in
verbis: Art. 14 - A fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade,
periculosidade e outros porventura existentes, fica instituído o
"adicional de riscos" de 40% que incidirá sobre o valor do
salário-hora ordinário do período diurno e substituirá todos aqueles que, com
sentido ou caráter idêntico, vinham sendo pagos.
Este adicional foi instituído
com o nítido caráter de compensar o risco da atividade, inerente e até certo
ponto necessária e inafastável como acima já se demonstrou. O art. 19º da Lei
nº 4.860/65, por sua vez, registra que “as disposições desta Lei são aplicáveis
a todos os servidores ou empregados pertencentes às administrações dos Portos
organizados sujeitos a qualquer regime de exploração”. Extraí-se do citado
dispositivo legal que, independentemente do “regime de exploração” a que está submetido
o “Porto organizado”, as disposições da Lei nº 4.860/65 devem ser aplicadas,
seja aos trabalhadores com vínculo de emprego seja aos trabalhadores portuários
avulsos.
Todavia, o
Tribunal Superior do Trabalho – TST vem restringido o direito dos trabalhadores
portuários a percepção do referido adicional de risco, entendendo, por exemplo,
que o adicional de risco não é devido aos empregados que trabalham em porto de
uso privativo, pois a Lei nº 4.860/65 teria aplicação restrita aos
trabalhadores dos portos organizados, na decisão proferida no Recurso de
Revista nº 778.555/2001, in verbis:
ADICIONAL DE RISCO PORTUÁRIO.
TERMINAL
PRIVATIVO.
A Lei nº 4.860/65 foi editada com a finalidade de regulamentar o regime
de trabalho no porto organizado, razão pela qual os trabalhadores dos terminais
privativos não fazem jus ao adicional de risco portuário. O regime de
exploração da atividade portuária, via terminais privativos, que empregam
mão-de-obra própria, não guarda nenhuma relação com a do porto organizado, que so pode contratar trabalhadores dos quadros do OGMO.
A Lei nº 4.860/65 tem aplicação restrita ao
trabalho nos portos organizados, daí não ser devido o adicional de risco aos
trabalhadores nos portos privativos.
Recurso de revista provido.
(TST-RR-778555/2001, 4ª Turma, Relator Ministro Milton de Moura França, DJ -
11/02/2005). Sustenta-se, portanto, pela decisão referida, que a Lei nº
4.860/65 teria aplicação restrita ao trabalho prestado nos portos organizados,
daí não ser devido o adicional de risco aos trabalhadores que desenvolvem suas
atividades junto aos terminais de uso privativo.
O adicional de risco, previsto
no art. 14 da Lei nº 4.860/65, somente é devido aos trabalhadores que prestam
serviços em portos organizados, não alcançando os empregados dos portos
desorganizados, especificamente no que
diz respeito ao trabalho em condições insalubres ou perigosas. Recurso de
revista conhecido e provido. (TST-RR-1793/1999-006-17-00, 4ª Turma, Relator
Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DJ - 07/02/2003). Os empregados
não pertencentes à categoria dos portuários que prestam serviço em terminais
privativos ficam sujeitos ao regramento celetista no que se refere ao trabalho
em condições de insalubridade ou periculosidade.
O art. 14 da Lei 4.860/65 tem
aplicabilidade restrita a empregados portuários que prestam serviços em porto
organizado.
Recurso de Revista provido (TST-RR-515965/99, 4ª Turma, Rel. Juiz Renato
de Lacerda Paiva, in DJ de 22/10/99) e (TST-RR-809629/2001, 4ª Turma, Relator Juiz José Antônio Pancotti, DJ -
02/04/2004).
LEI Nº 4.860/65.
O adicional de risco previsto no art. 14 da Lei
nº 4.860/65 é uma vantagem atribuída apenas aos trabalhadores portuários que
laboram em portos organizados, não podendo ser conferido aos empregados da
Embargada, que opera terminal privativo, estando sujeitos às normas da CLT alusivas
ao trabalho em condições de periculosidade. A par disso, resta claro que o
Embargante pertence à categoria dos metalúrgicos, o que, de igual forma, afasta
a viabilidade da pretensão exordial.
Embargos do Reclamante conhecidos em parte
e desprovidos.
(TST-E-RR-532397/1999, SDI-1, Relator Ministro José Luciano de
Castilho, DJ - 08/08/2003). Contudo, as decisões acima referidas estão a
cometer, salvo melhor juízo, equivoco quanto aos institutos que declinam.
Diferenciam “porto organizado” de “porto/terminal privativo”, quando na verdade
tais institutos podem se reportar efetivamente a mesma coisa, bastando para
isso que o terminal de uso privativo esteja inserido dentro do porto
organizado, que como já dito acima, é conceito essencialmente funcional, mesmo
porque não há porto que não seja organizado, mesmo o mais simples porto, para
que funcione e atinja sua finalidade, deve, mal ou bem, ser ou estar
organizado.
O precedente abaixo , reflete este equivoco:
ADICIONAL DE RISCO. LEI Nº 4.860/65.
O disposto no art. 14 da Lei nº 4860/65
aplica-se aos empregados que prestam serviços em portos organizados, Lei nº 8630/93, e não a portos privativos, como é o caso dos
autos.
Embargos conhecidos e providos
(TST-ERR-460276, SBDI-1, Relator Ministro
Vantuil Abdala, DJ - 24/11/00). Não há dúvida de que “porto organizado” e
“porto/terminal privado” constituem institutos distintos, contudo, é plenamente
viável que um esteja inserido dentro do outro e vice-versa, ou seja, a maior
parte dos portos/terminais privativos estão inseridos dentro do porto
organizado,portanto, constituem-se um único complexo.
Como já referido , são duas as modalidades de exploração portuária no Brasil: uso público e uso privativo.
As
instalações de uso público estão sempre dentro da área do porto organizado e as de uso privativo podem se situar tanto dentro quanto fora da área do porto
organizado.
Os portos brasileiros já possuim, a delimitação do que
seja a sua área de porto organizado.
O referido dispositivo infraconstitucional
estabelece, in verbis:
Art. 1º - Em todos os portos organizados e dentro dos limites
fixados como "área do porto", a autoridade responsável é representada
pela Administração do Porto, cabendo-lhe velar pelo bom funcionamento dos
serviços na referida área.
Observe-se ainda que o artigo 1º da Lei 4.860/65
dispõe acerca do trabalho executado na “área do porto” e, não, do regime de
trabalho nos portos organizados. O
legislador apenas cuidou de delimitar como área de risco a “área do porto”, não
cabendo fazer diferenciação entre os trabalhadores portuários
vinculados ao porto organizado ou aos vinculados ao porto desorganizado.
E
diferente , uma vez que o Decreto-Lei nº 05 de 04 /4/ 1.966, que
conferiu permissão para a exploração de terminais privativos, muito embora hoje
revogado pela Lei nº 8.630/93, foi posterior à Lei nº 4.860/65, e, portanto,
sequer poderia regular esta matéria, não cabendo assim a interpretação dada ao
tema pelas decisões acima transcritas.
Razoável é a tese de que o adicional de
risco não é exclusivo dos trabalhadores dos portos organizados, nem
absurda a tese de que o legislador extravagante, no artigo 14, tenha
reconhecido o direito ao adicional independente da existência ou inexistência
de insalubridade ou periculosidade, porque o risco de infortunística em área de
porto, como enfatizado e demonstrado ao longo do presente trabalho, é
permanente e uniforme a TODOS os trabalhadores portuários.
O adicional de risco, como o próprio nome está a indicar,
tem por finalidade atribuir ao trabalhador que opera em condições de risco, uma
compensação financeira.
O estímulo alcança a todos os trabalhadores portuários,
uma vez que, como já dito e justificado, o risco é inerente à atividade por
eles prestada.
Não há razão, portanto, para distinções que a realidade
portuária não faz.
Se a finalidade da norma é compensar o trabalhador portuário
pelo risco da atividade, não faz sentido restringir tal direito àqueles que
trabalham em suposto porto “desorganizado”, onde teoricamente, por ser “não
organizado”, o risco seria maior.
Os trabalhadores portuários não estão
submetidos a condições mais indigestas ou danosas do que os trabalhadores que
prestam suas atividades nos portos desorganizados.
O entendimento do
Tribunal Superior do Trabalho na verdade impõe um tratamento desigual a pessoas
que estão sujeitas a iguais condições de risco, o que nos leva a dizer que
afrontam ao princípio da igualdade/isonomia inscrito no art. 3º, inciso IV e
caput do art. 5º da Constituição Federal.
Fonte Leandro de Azevedo Bemvenuti
Publicado na Revista Justiça do Trabalho nº 260, HS
Editora, agosto/2005, p. 44-66.
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