22 de mai. de 2016

DO DIREITO DO TRABALHADOR PORTUÁRIO AO ADICIONAL DE RISCO


Porto organizado é aquele pelo homem construído e aparelhado para atender às necessidades da navegação e da movimentação e armazenagem de mercadorias, concedido ou explorado pela União, cujo tráfego e operações portuárias estejam sob a circunscrição de uma autoridade portuária. E constitui assim um conjunto de serviços e instalações voltadas para a circulação de mercadorias.  Se os terminais privativos se utilizam da infra-estrutura construída com recursos públicos, forçosamente estarão incluídos no âmbito do porto organizado. E constituída pelas instalações portuárias terrestres existentes na margem direita e esquerda desde a entrada do canal ao fundo estuário, desde o enraizamento do molhe até a extremidade do cais, abrangendo docas, píers, armazéns, pátios,  vias internas de circulação rodoviárias e ferroviárias, os terrenos ao longo dessas faixas marginais e em suas adjacências .
 Segundo o Manual do Trabalho Portuário do Ministério do Trabalho e Emprego, as instalações de uso público estão sempre dentro da área do porto organizado. Já as de uso privativo podem se situar tanto dentro quanto fora da área do porto organizado. 
O trabalhador portuário, seja ele  avulso ou com vínculo, trabalhando ele  dentro ou fora da área do porto organizado, desenvolve suas atividades em um ambiente de trabalho sui generis, e para tanto, lhe foi deferido o direito a um adicional de remuneração, nos termos do que dispõe o art. 14 da Lei nº 4860/65, in verbis: Art. 14 - A fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, fica instituído o "adicional de riscos" de 40% que incidirá sobre o valor do salário-hora ordinário do período diurno e substituirá todos aqueles que, com sentido ou caráter idêntico, vinham sendo pagos.
 Este adicional foi instituído com o nítido caráter de compensar o risco da atividade, inerente e até certo ponto necessária e inafastável como acima já se demonstrou. O art. 19º da Lei nº 4.860/65, por sua vez, registra que “as disposições desta Lei são aplicáveis a todos os servidores ou empregados pertencentes às administrações dos Portos organizados sujeitos a qualquer regime de exploração”. Extraí-se do citado dispositivo legal que, independentemente do “regime de exploração” a que está submetido o “Porto organizado”, as disposições da Lei nº 4.860/65 devem ser aplicadas, seja aos trabalhadores com vínculo de emprego seja aos trabalhadores portuários avulsos. 

Todavia,  o Tribunal Superior do Trabalho – TST vem restringido o direito dos trabalhadores portuários a percepção do referido adicional de risco, entendendo, por exemplo, que o adicional de risco não é devido aos empregados que trabalham em porto de uso privativo, pois a Lei nº 4.860/65 teria aplicação restrita aos trabalhadores dos portos organizados, na decisão proferida no Recurso de Revista nº 778.555/2001, in verbis:
 ADICIONAL DE RISCO PORTUÁRIO.
 TERMINAL PRIVATIVO.
 A Lei nº 4.860/65 foi editada com a finalidade de regulamentar o regime de trabalho no porto organizado, razão pela qual os trabalhadores dos terminais privativos não fazem jus ao adicional de risco portuário. O regime de exploração da atividade portuária, via terminais privativos, que empregam mão-de-obra própria, não guarda nenhuma relação com a do porto organizado, que  so pode contratar  trabalhadores dos quadros do OGMO
A Lei nº 4.860/65 tem aplicação restrita ao trabalho nos portos organizados, daí não ser devido o adicional de risco aos trabalhadores nos portos privativos. 
Recurso de revista provido. (TST-RR-778555/2001, 4ª Turma, Relator Ministro Milton de Moura França, DJ - 11/02/2005). Sustenta-se, portanto, pela decisão referida, que a Lei nº 4.860/65 teria aplicação restrita ao trabalho prestado nos portos organizados, daí não ser devido o adicional de risco aos trabalhadores que desenvolvem suas atividades junto aos terminais de uso privativo. 
O adicional de risco, previsto no art. 14 da Lei nº 4.860/65, somente é devido aos trabalhadores que prestam serviços em portos organizados, não alcançando os empregados dos portos desorganizados,  especificamente no que diz respeito ao trabalho em condições insalubres ou perigosas. Recurso de revista conhecido e provido. (TST-RR-1793/1999-006-17-00, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DJ - 07/02/2003). Os empregados não pertencentes à categoria dos portuários que prestam serviço em terminais privativos ficam sujeitos ao regramento celetista no que se refere ao trabalho em condições de insalubridade ou periculosidade. 
O art. 14 da Lei 4.860/65 tem aplicabilidade restrita a empregados portuários que prestam serviços em porto organizado.
 Recurso de Revista provido (TST-RR-515965/99, 4ª Turma, Rel. Juiz Renato de Lacerda Paiva, in DJ de 22/10/99) e (TST-RR-809629/2001, 4ª Turma, Relator Juiz José Antônio Pancotti, DJ - 02/04/2004).
 LEI Nº 4.860/65. 
O adicional de risco previsto no art. 14 da Lei nº 4.860/65 é uma vantagem atribuída apenas aos trabalhadores portuários que laboram em portos organizados, não podendo ser conferido aos empregados da Embargada, que opera terminal privativo, estando sujeitos às normas da CLT alusivas ao trabalho em condições de periculosidade. A par disso, resta claro que o Embargante pertence à categoria dos metalúrgicos, o que, de igual forma, afasta a viabilidade da pretensão exordial. 
Embargos do Reclamante conhecidos em parte e desprovidos.
 (TST-E-RR-532397/1999, SDI-1, Relator Ministro José Luciano de Castilho, DJ - 08/08/2003). Contudo, as decisões acima referidas estão a cometer, salvo melhor juízo, equivoco quanto aos institutos que declinam. 
Diferenciam “porto organizado” de “porto/terminal privativo”, quando na verdade tais institutos podem se reportar efetivamente a mesma coisa, bastando para isso que o terminal de uso privativo esteja inserido dentro do porto organizado, que como já dito acima, é conceito essencialmente funcional, mesmo porque não há porto que não seja organizado, mesmo o mais simples porto, para que funcione e atinja sua finalidade, deve, mal ou bem, ser ou estar organizado. 
O precedente abaixo , reflete este equivoco: 
ADICIONAL DE RISCO. LEI Nº 4.860/65. 
O disposto no art. 14 da Lei nº 4860/65 aplica-se aos empregados que prestam serviços em portos organizados,  Lei nº 8630/93, e não a portos privativos, como é o caso dos autos.
 Embargos conhecidos e providos 
(TST-ERR-460276, SBDI-1, Relator Ministro Vantuil Abdala, DJ - 24/11/00). Não há dúvida de que “porto organizado” e “porto/terminal privado” constituem institutos distintos, contudo, é plenamente viável que um esteja inserido dentro do outro e vice-versa, ou seja, a maior parte dos portos/terminais privativos estão inseridos dentro do porto organizado,portanto, constituem-se um único complexo.
 Como já referido , são duas as modalidades de exploração  portuária no  Brasil: uso público e uso privativo.
 As instalações de uso público estão sempre dentro da área do porto organizado e as de uso privativo podem se situar tanto dentro quanto fora da área do porto organizado. 
Os portos brasileiros já possuim,  a delimitação do que seja a sua área de porto organizado. 
O referido dispositivo infraconstitucional estabelece, in verbis: 
Art. 1º - Em todos os portos organizados e dentro dos limites fixados como "área do porto", a autoridade responsável é representada pela Administração do Porto, cabendo-lhe velar pelo bom funcionamento dos serviços na referida área.
 Observe-se ainda que o artigo 1º da Lei 4.860/65 dispõe acerca do trabalho executado na “área do porto” e, não, do regime de trabalho nos portos organizados. O legislador apenas cuidou de delimitar como área de risco a “área do porto”, não cabendo fazer diferenciação entre os trabalhadores portuários vinculados ao porto organizado ou aos vinculados ao porto desorganizado. 
E diferente , uma vez que o Decreto-Lei nº 05 de 04 /4/ 1.966, que conferiu permissão para a exploração de terminais privativos, muito embora hoje revogado pela Lei nº 8.630/93, foi posterior à Lei nº 4.860/65, e, portanto, sequer poderia regular esta matéria, não cabendo assim a interpretação dada ao tema pelas decisões acima transcritas.

 Razoável é a tese de que o adicional de risco não é exclusivo dos trabalhadores dos portos organizados, nem absurda a tese de que o legislador extravagante, no artigo 14, tenha reconhecido o direito ao adicional independente da existência ou inexistência de insalubridade ou periculosidade, porque o risco de infortunística em área de porto, como enfatizado e demonstrado ao longo do presente trabalho, é permanente e uniforme a TODOS os trabalhadores portuários.
O adicional de risco, como o próprio nome está a indicar, tem por finalidade atribuir ao trabalhador que opera em condições de risco, uma compensação financeira. 
O estímulo alcança a todos os trabalhadores portuários, uma vez que, como já dito e justificado, o risco é inerente à atividade por eles prestada. 
Não há razão, portanto, para distinções que a realidade portuária não faz. 
Se a finalidade da norma é compensar o trabalhador portuário pelo risco da atividade, não faz sentido restringir tal direito àqueles que trabalham em suposto porto “desorganizado”, onde teoricamente, por ser “não organizado”, o risco seria maior.
 Os trabalhadores portuários não estão submetidos a condições mais indigestas ou danosas do que os trabalhadores que prestam suas atividades nos portos desorganizados.
 O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho na verdade impõe um tratamento desigual a pessoas que estão sujeitas a iguais condições de risco, o que nos leva a dizer que afrontam ao princípio da igualdade/isonomia inscrito no art. 3º, inciso IV e caput do art. 5º da Constituição Federal.
Fonte Leandro de Azevedo Bemvenuti

 Publicado na Revista Justiça do Trabalho nº 260, HS Editora, agosto/2005, p. 44-66.

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