21 de mai. de 2016

DO AMBIENTE DE TRABALHO DO TRABALHADOR PORTUÁRIO

Para a grande maioria da população brasileira, acostumada a um mundo de relações de trabalho baseadas , nas jornadas definidas e nos salários fixos, muitas vezes é difícil compreender a lógica da luta dos trabalhadores do porto, com seu sistema de contratação avulsa, salário e jornada indefinido, e, sobretudo, ambiente de trabalho distante da realidade a que se pretende alcançar a todos os trabalhadores – um meio ambiente de trabalho sustentável, nos termos do que disciplina a Constituição Federal  art. 225. 
O trabalhador portuário está sujeito a um ambiente de trabalho sui generis. Este ambiente de trabalho, distante da realidade de muitos, demonstra-se, sobretudo, inseguro, insalubre e deveras perigoso, sujeito a péssimas ou inexistentes condições ergonômicas, operacionais e de infra-estrutura, sem um controle físico-sanitário adequado, suscetível, portanto, a toda a sorte de riscos ambientais.
 Por ambiente de trabalho entende-se o conjunto de fatores físicos, climáticos ou quaisquer outros que, interligados ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho do trabalhador.
 Nesse contexto, um ambiente de trabalho sustentável implica em um conjunto de condições existentes no local de trabalho voltados à qualidade de vida do trabalhador, meio ambiente este que acolhe a maior parte dos cidadãos brasileiros por um longo período de suas vidas. Portanto, as agressões cometidas contra o ambiente laboral não prejudicam somente o trabalhador e sua família, mas toda a sociedade.
 A Constituição Federal erigiu a categoria de garantias fundamentais o direito a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art.7º, inciso XXII), e determinou que no sistema de saúde o meio ambiente do trabalho deve ser protegido (art. 200, inciso VIII), a idéia de que o meio ambiente do trabalho transcende a questão de saúde dos próprios trabalhadores, extrapolando para toda a sociedade. 
Neste cenário a Constituição Federal de 1988, que traz na Carta Magna: o Princípio do Direito Social ao Trabalho em um Meio Ambiente Sustentável, com fito de propiciar vida digna aos trabalhadores e as suas famílias. 
E uma das finalidades deste princípio e de toda a regulação protetora do trabalho no que concerne a normas de segurança e medicina do trabalho é de que todo e qualquer empreendimento deve observar sua função social (CF/88, art. 170, inc. III), traçar metas para convergir sua finalidade econômica com os objetivos sociais e de proteção ambiental. 
As normas de segurança e medicina do trabalho visam não só a prevenção contra acidentes do trabalho, doenças ocupacionais e outras formas de acidentes equiparados, mas, sobretudo, objetivam a saúde física e psíquica e a higiene do trabalhador enquanto indivíduo e parte da coletividade. 
Por essa razão a mens legis constitucional tem como fulcro a proteção desse bem maior e de todos direitos a ela relacionados, inclusive o direito a um ambiente laboral salutar.
 A integridade física e mental dos trabalhadores depende da tutela da saúde, higiene e segurança, inerentes ao meio em que realizam suas atividades laborais e também ao meio externo. 
Contudo, a realidade na maioria das vezes se distancia do campo ideal assegurado pela norma constitucional. Mais distante ainda se torna esta disparidade entre o mundo do ser e o mundo do dever ser quando a realidade do dia-a-dia toca as raias do desconhecido, do inabitado, do inatingível.
 Diz-se isso porque até bem pouco tempo atrás o cais do Porto era zona inóspita e desconhecida dos fiscais do Ministério do Trabalho. Em que pese o dever do Estado em implantar e implementar também na zona portuária todas as medidas necessárias à manutenção de um meio ambiente laboral sustentável, visando dar ao trabalhador portuário condições dignas para executar o seu trabalho, a realidade a que tais trabalhadores estavam e ainda estão submetidos em muito se distancia destes objetivos. 
Inegavelmente, diga-se de passagem, a introdução da Lei  dos Portos veio a piorar tal realidade à medida que ampliou com a criação do porto desorganizado , que fica ao lado do porto organizado. 
Os tais agentes, seja eles provenientes do capital privado de um modo de produção cuja organização do trabalho se afasta do racional, em que as funções sejam executadas não segundo a capacidade e força do trabalhador, mas sim segundo o tão desejado lucro. 

A partir desta realidade sobressai ao mundo dos fatos, por vezes tão distante da norma positiva, inevitavelmente extenuação física e mental do trabalhador, seja por meio de execráveis horas extras habituais, seja pela exigência de produtividade excessiva ou ainda de outras formas de agressões à saúde como a jornada de trabalho incompatível com as atividades insalubres, perigosas e penosas e alterações impróprias do tempo para descanso, entre outras atitudes danosas à incolumidade do ser humano. 
A realidade do trabalho portuário é extremamente penosa, pois os trabalhadores permanecem expostos às intempéries seja do calor excessivo, seja dos ventos, seja das baixas temperaturas. O desgaste físico é enorme, além da responsabilidade. Todos estes fatores levam o homem à fadiga se expostos por longos períodos.

 CHRISTOPHE DEJOURS, no livro
 “A Loucura do Trabalho – Estudo de Pscicopatologia do Trabalho”, 
relata muito bem um pouco deste ambiente de trabalho sui generis a que estão submetidos os trabalhadores portuários, muitas vezes aparentemente indiferentes aos riscos e desafios da profissão, numa espécie de sistema defensivo para controlar o medo, vejamos o  referido relato:
 Depois que o momento de desafio já passou, os trabalhadores contam os acidentes a que assistiram ou dos quais foram vítimas. Falam dos amigos mortos ou feridos no trabalho. Evocam também as famílias dos feridos. 
E o risco? Melhor que os outros, os trabalhadores é que o conhecem e o vivenciam no dia-a-dia. Assim que tais revelações aparecem, não deixam dúvida alguma pelo tom da expressão e da emoção. A vivência do medo existe efetivamente, mas só raramente aparece à superfície, pois se encontra contida, no mínimo, pelos mecanismos de defesa. Apesar do risco de crítica, afirmamos que se o medo não fosse assim neutralizado, se pudesse aparecer a qualquer momento durante o trabalho, neste caso os trabalhadores não poderiam continuar suas tarefas por muito tempo mais. 
A consciência aguda do risco de acidente, mesmo sem maiores envolvimentos emocionais, obrigaria o trabalhador a tomar tantas precauções individuais que ele se tornaria ineficaz do ponto de vista da produtividade. 
 As atitudes de negação e desprezo pelo perigo são uma simples inversão da afirmação relativa ao risco. Mas esta estratégia não é suficiente. 
Conjurar o risco exige sacrifícios e provas das mais absolutas. 
É por isto que os trabalhadores às vezes acrescentam ao risco do trabalho o risco das performances pessoais e de verdadeiros concursos de habilidade e bravura. Nestes testes rivalizam entre si, mas ao fazê-lo tudo se passa como se fossem eles que criassem cada risco, e não mais o perigo que se abate sobre todos, independentemente de suas vontades. 
Criar uma situação ou agravá-la é, de certo modo, dominá-la.
 Este estratagema tem um valor simbólico que afirma a iniciativa e o domínio dos trabalhadores sobre o perigo, e não o inverso.
 A primeira característica desta fachada 
– a pseudoinconsciência do perigo – 
resulta, na realidade, de um sistema defensivo destinado a controlar o medo. A segunda especificidade é seu caráter coletivo. 
A eficácia simbólica da estratégia defensiva somente é assegurada pela participação de todos. Ninguém pode ter medo. Ninguém pode recusar sua contribuição individual para o sistema de defesa.
 Nunca se deve falar de perigo, risco, acidente, nem do medo. E estas instruções implícitas são respeitadas. Os trabalhadores não gostam de ser lembrados do que tão penosamente procuram exconjurar. 
Esta é uma das razões pelas quais as campanhas de segurança encontram tanta resistência. Os trabalhadores bem sabem que as rédeas da segurança não evitarão todos os acidentes. 
Obrigar a que as coloquem é, antes de tudo, relembrar-lhes que o perigo existe mesmo e, ao mesmo tempo, tornar-lhes as tarefas ainda mais difíceis, pois mais carregadas de ansiedade. Verifica-se pelo diagnóstico apresentado que o risco é inerente a profissão e a atividade do trabalhador portuário. Cessá-lo é impossível, e reduzi-lo é tornar menos produtivo e eficiente o trabalho prestado.
 Como refere CHRISTOPHE DEJOURS, 
o próprio trabalhador prefere não dimensionar o risco a que está submetido, sob pena de tomar tantas precauções individuais que ele se tornaria ineficaz do ponto de vista da produtividade.
 Portanto, não interessam a eficiência do Porto, a busca pelo lucro do operador portuário, e a própria sobrevivência do trabalhador portuário, inserido em um ambiente de disputa a adoção de instrumentos que visem coibir ou diminuir os riscos da atividade. Esta realidade reflete-se na saúde do trabalhador, sujeito a acidentes e doenças, nem sempre, ou quase nunca, divulgadas ou registradas pelos órgãos competentes. 
A imprecisão dos dados estatísticos sobre acidentes de trabalho na área portuária é conseqüência do fato de os trabalhadores receberem remuneração apenas de acordo com o trabalho desenvolvido. 
Ocorre que a média salarial dos portuários avulsos é superior á de grande parte dos trabalhadores de outros setores, logo muitos trabalhadores não comunicam pequenos acidentes, com receio de que sejam afastados do trabalho pelo INSS e recebam apenas o auxílio previdenciário, bastante inferior aos rendimentos normalmente auferidos. 
Portanto, é ainda comum nos portos brasileiros presenciar trabalhadores acidentados ou doentes trabalhando.
 É, portanto, diante desta realidade, que o legislador, impulsionado pela demanda advinda dos trabalhadores portuários, acabou por instituir a estes trabalhadores, “a fim de remunerá-los pelos riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, um ‘adicional de riscos’ de 40% do valor pago a título de salário-hora ordinário do período diurno de trabalho” (art. 14 da Lei nº 4860/65).
 Fonte Leandro de Azevedo Bemvenuti
 Publicado na Revista Justiça do Trabalho nº 260, HS Editora, agosto/2005, p. 44-66.Imagen Cristiano Campos.

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