12 de ago. de 2011

O Oficio passa pelas Gerações


O ofício constitui-se historicamente e seus limites permanecem pelo processo
de passagem das “artimanhas” da profissão com base na experiência.

O concurso realizado em todas as categorias avulsas, exceto na estiva no qual o ingresso até 2001 era feito por indicação, era uma forma que preservava a noção de ofício e também uma garantia para que entrassem na categoria apenas trabalhadores aptos a exercê-lo, ou seja, com capacidade comprovada para tal. Para isso, a comissão de avaliação dos concursos para ingresso
nas categorias incluía um membro da Delegacia do Trabalho Marítimo, um membro do sindicato dos empregadores e um membro do sindicato da categoria.

Ao designar, em lei, um trabalhador para a comissão de avaliação,o governo atestava a importância do conhecimento do ofício para exercer a profissão, colocava o sindicato em posição de destaque, reconhecendo-o como guardião das experiências dos trabalhadores e, principalmente,demonstrava que nessas experiências, desenvolvidas na cotidianidade,estavam guardadas as artimanhas necessárias para a construção do ofício.
Além dessa distinção, que permite limitar as categorias portuárias avulsas, é bom lembrar a diferença entre o trabalho portuário e o trabalho fabril, o que é importante para compreender melhor o ofício como instrumento central na construção da própria identidade do trabalhador.
Não é só o caráter da supervisão que distingue a estiva da fábrica.

O próprio processo de trabalho também é muito diverso do fabril, consistindo em operações de transferência e movimentação de carga de um lugar a outro, feitas manualmente com a ajuda de alguns equipamentos - guindastes, paus de carga e cábreas de bordo. Não há,portanto, uma estruturação tecnológica do trabalho, nem um sistema de máquina que comande o processo de trabalho, discipline e organize os trabalhadores.
No navio, os homens não são apêndices da máquina, e sim a máquina é um apêndice dos homens. Este fato faz com que a relação homem-homem seja mais importante do que a relação homem-máquina, o que não implica, é lógico, a inexistência de limites físicos.

Tanto as dimensões e formas dos porões do navio,quanto a natureza da carga limitam os métodos de manuseio, mas esses são limites amplos e dentro dos quais os operários são soberanos. Deste modo, a organização do trabalho apóia-se fortemente no costume e na experiência adquirida pelos trabalhadores ao longo dos anos, e não em regras ditadas pelo designer da máquina ou por um corpo externo de gerentes.

Assim, os “segredos” da profissão têm de ser transmitidos pelas instruções e, por
exemplo, dado in loco, permanecendo sob o controle da força de trabalho.
A profissão retém um forte caráter artesanal que é, então, a base do orgulho e da identidade profissional do estivador.
O que se pode notar é que, antes do processo de modernização portuária, a relação homem-máquina era ínfima nos portos, sendo a relação homem-homem predominante no processo de trabalho. As formas de manuseio das cargas, o acondicionamento, o conserto das cargas, todo o trabalho avulso precisava de noções que são passadas ao longo dos anos pelo costume e a experiência.

Os estivadores de Santos passaram ter sua gestão de trabalho feita pelo OGMO a partir de 2001. Porém, esse fato não aconteceu sem resistência. Entre o final de março e inicio do mês de abril, os estivadores santistas pararam suas atividades durante treze dias e realizaram piquetes e greves, o que incluiu a invasão, por parte dos trabalhadores,das instalações do OGMO.

Nesse sentido, o ofício vai adquirindo uma magnitude que o torna essencial e necessário como instrumento de militância, aqui utilizada como ato de defender uma causa, não apenas em momentos de conflito coletivo, mas na luta diária pela sobrevivência dentro do mercado de trabalho.
Para que o ofício seja perpetuado, preservado e, principalmente, se torne forte, além dos concursos para ingresso na categoria e da experiência vivida diariamente entre os trabalhadores em que as noções de ofício são revisitadas e partilhadas, a passagem do ofício por gerações também é um meio de resistência. Pode-se verificar que grande parte dos portuários avulsos
de Santos são filhos, netos ou parentes de outros portuários.

Ou seja, vivenciam em seu cotidiano as práticas dos trabalhadores portuários.

A passagem do ofício de pai para filho foi característica da formação das categorias portuárias avulsas. Até a institucionalização do concurso para ingresso na categoria, os conferentes recrutavam novos trabalhadores por meio da indicação dos antigos, que na maioria dos casos, encaminhavam seus filhos para o exercício da profissão.

Isso tornava mais fácil para aqueles que tinham origem portuária aprenderem as noções do ofício. Muitos já sabiam as “manhas” pelas histórias contadas pelos pais, pela vivência com os parentes, conheciam símbolos e ritos intrínsecos ao exercício da profissão.
Relações preexistentes às estabelecidas nos locais de trabalho fortaleciam-se, assim, por meio de laços pessoais de contratação de mão-de obra,sendo comum a constituição de verdadeiras linhagens familiares de portuários, que transmitiam uma cultura de trabalho de geração para geração.
Além dos limites do porto, o ofício se difundia e criava suas raízes.

A família tornou-se o lócus da transmissão do ofício. No caso dos estivadores, tornou-se comum a prática de filiar ao sindicato filhos de estivadores associados.
O ofício passa pelas gerações. A cultura portuária transmitida nas relações familiares e sociais, nas experiências vividas pela família dos trabalhadores, transforma o ofício do pai em um caminho a seguir.
Como nas famílias Lima,Motta,Datoguia,Serradas ,Das cabras ,Figueiras,Prosas e outras.
OFÍCIO COMO INSTRUMENTO DE MILITÂNCIA: O
CASO DOS PORTUÁRIOS AVULSOS DE SANTOS/SP
Carla Regina Mota Alonso Diéguez

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