22 de out. de 2012

A Lei 8.630

O processo de modernização dos Portos: a Lei 8.630


À medida em que tentou se modernizar a estrutura portuária no Brasil,em extensão à modernização de outros setores da atividade econômica,seja na área industrial como na agropecuária, alguns obstáculos se
fizeram presentes:

a) o marco institucional-legal que regia o trabalho no porto vinha estimulando o enrijecimento das formas de organização do trabalho;
b) a estrutura sindical, separada por categorias, possuía uma estrutura conservadora e poderosa;
c) os empresários reclamavam da ausência dos trabalhadores, o que acarretava problemas de desempenho no trabalho dos avulsos.

Havia, segundo alguns estudiosos, diferenças de produtividade da mão de-obra entre terminais públicos e privativos. Desta forma, o desempenho medíocre e oneroso de nossos portos públicos, segundo alguns
empresários e estudiosos do assunto, foi creditado ao monopólio dos sindicatos sobre o suprimento de trabalhadores avulsos da estiva.
Todos estes fatores, conjugados, vinham impedindo a adequação da organização do trabalho aos novos procedimentos propiciados pelas inovações técnicas e gerenciais e à multifuncionalidade e qualificação da
mão-de-obra requeridas pela modernização das relações de trabalho, pelos novos processos de controle e manipulação de cargas - requeridas também pela contaneirização - e pela utilização de novos equipamentos e processos.

Tendo em vista o contexto que apontava para uma baixa produtividade,escassa especialização e elevados custos de operação dos portos públicos brasileiros (responsabilizando, mais que tudo, o "closed shop" da estiva),foi criada a Lei 8.630, com o propósito de atender às necessidades ditadas por estas mudanças no cenário econômico mundial, de modernização das relações trabalhistas e aumento da eficiência das atividades portuárias brasileiras, que deviam se adequar às exigências postas atualmente pelo processo de globalização internacional.

Entretanto, a promulgação desta Lei determinou gigantescas mudanças no cenário portuário, o que, sem dúvida, trouxe múltiplos e esparsos efeitos diretos e colaterais com os quais os trabalhadores e seus
representantes teriam que lidar, a partir de então. Vejamos alguns deles:

a) o crescente recurso à terceirização de algumas atividades acarretou a redução dos postos de trabalho e a necessidade de multifuncionalidade da mão-de-obra portuária;
b) o poder sindical sobre o mercado da mão-de-obra e sobre a organização do trabalho no porto foi sensivelmente diminuído, enquanto o poder dos operadores portuários foi sensivelmente aumentado;
c) diminuiu também a regulamentação das relações de trabalho e ampliou a esfera de questões a serem resolvidas por negociação coletiva;
d) o closed-shop foi eliminado, transferindo-se a responsabilidade pelo registro e engajamento da mão-de-obra ao OGMO ( Órgão Gestor da Mão-de-Obra), entidade sob controle do operador portuário;
e) instituiu a multifuncionalidade e a qualificação da mão de obra;
f) eliminou-se a cláusula de filiação sindical como condição para registro do trabalhador avulso;
g) a negociação dos ternos, a definição de funções, remuneração e outras condições de trabalho passaram a ser definidas por meio de negociação entre as associações sindicais de trabalhadores avulsos e de
operadores portuários; as normas de contratação passaram, então, a ser estabelecidas por meio de contratação coletiva, bem como o treinamento do trabalhador portuário;
h) os trabalhadores supletivos passaram a ter direito a se cadastrarem para tarefas de capatazia, e os trabalhadores avulsos matriculados até dezembro de 1990 passaram a ter direito ao registro;
i) foram estabelecidos novos espaços de participação institucionalizada nos Conselhos de Autoridade Portuária.

Na realidade, a Lei 8.630 constituiu o grande marco no processo de transformação das relações trabalhistas no porto, na medida em que alterou de forma radical o marco institucional-legal que conformava tais relações há décadas. Segundo posicionamento de Almeida (1994), a modernização das relações trabalhistas é, atualmente, fator essencial para a racionalização - e consequente aumento de eficiência - das
atividades portuárias no Brasil, uma vez que as formas de operação dos portos brasileiros devem se adequar aos requerimentos de uma economia dinâmica e mais aberta ao comércio internacional.

Por todos estes fatores acima mencionados, acredita-se que a Lei 8.630 seja um instrumento adequado para promover a modernização das relações trabalhistas no setor portuário. Entretanto, tal diploma legal
encontrou conflitos na sua implantação, uma vez que modificou um sistema de trabalho enraizado há quase um século nos nossos portos.
Trata-se de um processo conflituoso que trouxe, e ainda vem trazendo,uma série de tensões no ambiente do porto, pois a identidade corporativa do setor portuário se assenta em tradição antiga de uma história de lutas e conquistas que colocou sempre a estiva no movimento de vanguarda do operariado santista, ao garantir a este grupo autonomia em relação ao controle do processo de trabalho e ao recrutamento de mão-de-obra.
Era de esperar, pois, que as entidades de trabalhadores reagissem vigorosamente contra uma legislação que alteraria a forma habitual de funcionamento do porto, liquidaria o poder sindical sobre a oferta e a
organização do trabalho e que tenderia a reduzir a importãncia das federações nacionais.

Mas a lentidão com que as mudanças previstas nesta legislação vêm se processando não resulta apenas das resistências oferecidas pelos sindicatos de trabalhadores, assentadas sob a angústia de ver totalmente
modificadas as relações de trabalho no porto, postos de trabalho extintos e conquistas destituídas. Há, também, falta de uma política governamental clara que operacionalize as novas instituições, a resistência por parte da Cia. Docas de Santos e um lento processo de organização dos operadores portuários. Os interesses tocados pelas mudanças são muitos, complexos e sedimentados, razão pela qual a modernização das relações trabalhistas nos portos tem provocado opiniões apaixonadas.

Mas é preciso reconhecer que a promulgação da Lei e o começo de sua implantação já alterou os termos que balizavam as condutas dos sindicatos de trabalhadores e seus interlocutores. As entidades
representantes dos trabalhadores tiveram que olhar além dos interesses restritos de suas bases e reconhecer que a modernização dos portos também lhes diz respeito. E neste sentido, existem claros indícios de que
as associações sindicais de trabalhadores estão dispostas e preparadas para participar de um processo de implantação negociada das novas instituições. Os operadores portuários, por outro lado, tiveram que
reconhecer a força das entidades de trabalhadores e, em consequência,encontrar formas de negociar a transição para um novo sistema de relações trabalhistas.

Não obstante esteja vigorando desde 1993, a Lei 8.630 encontra-se ainda em processo de implementação, abrindo um horizonte de perspectivas sombrias para aqueles que se recusam a aceitar seus ditames. Houve e ainda há conflitos e oportunidades para a implantação dos novos procedimentos estabelecidos nessa lei, bem como recursos de poder e estratégias implementadas para acelerar ou frear o processo de modernização.

Entretanto, nas palavras de Almeida (1994), o importante é que a implantação dos diversos requerimentos desta Lei não seja um ato unilateral, mas que resulte de um processo negociado entre as partes conflitantes envolvidas. Se as instituições é que moldam em grande parte as percepções e as escolhas dos atores, criando oportunidades e limitações, mudanças institucionais, na medida em que alteram a estrutura de incentivos e penalidades, estimulam também novos comportamentos. E sem dúvida, o comportamento de cada uma das partes será decisivo para que a transformação requerida pela Lei 8.630 se dê de forma negociada e menos penosa.

Projeto de pesquisa intitulado "Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos", integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999

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