O Sindicato dos Estivadores merece um capítulo à parte, devido à sua importância histórica e sua determinante influência no processo de conquistas trabalhistas da classe estivadora.
Segundo Almeida (1994),embora fragmentada em várias categorias, a estrutura sindical no porto foi altamente complexa e centralizada, desempenhando funções de intermediação política.
O Sindicato dos Estivadores contou com a adesão de todos os estivadores, já que a antiga Lei assim o exigia e, por ter de atender todas as tarefas de agenciamento de mão-de-obra, teve dupla natureza: a de um organismo representativo e a de uma empresa. E,sobretudo, constituiu uma comunidade com forte identidade de grupo,muita interação entre seus membros e poucas relações com o restante do movimento sindical.
A Sociedade dos Estivadores de Santos foi fundada em 1919, como resultado do movimento de reivindicação das oito horas de trabalho em período histórico anterior. Mas o controle do processo de contratação foi o ponto central que mobilizou o Sindicato, por se constituir em relevante questão social. As constantes flutuações de carga e descarga de mercadorias no porto requeriam flexibilidade na contratação dos trabalhadores. Para minimizar as nefastas consequências do trabalho ocasional que deixava um exército de reserva sempre à mão, para os períodos de pico do movimento do porto, os sindicatos lutaram para deter o controle do mercado de trabalho, reivindicando para si a "closed shop" e o controle das famosas "paredes".
Este controle foi definido pela disputa havida entre trabalhadores,empregadores e Estado ao longo da história. E este Sindicato valeu-se enquanto pôde das regras deste jogo. Além de possibilitar a este o controle do processo de tabalho, através das formas e ritmos das atividades,propiciou o aumento da coesão dos sindicalizados, incrementado pelos crítérios de parentesco ou amizade utilizados no recrutamento,fortalecendo assim o espírito de corpo da categoria.De acordo com Almeida (1994), a tendência ao "fechamento" do sindicato estivador contribuiu ainda mais para reforçar a identidade dos grupos de trabalhadores e sua resistência à mudança.
No caso do SES, desde sua fundação foram admitidos com prioridade irmãos, primos e cunhados dos
membros já associados, fazendo crescer a família estivadora. Se isto ocorreu informalmente, isto passou a ser institucionalizado quando a legislação limitou a 50% o ingresso de filhos de sôcios nos sindicatos avulsos. A tendência a se fechar em tomo de uma "família estivadora" registrou o espirito de corporação que orientou a formação do SES, uma característica que determinou alguns efeitos de entrave no processo democrático da estiva santista.
Algumas tentativas de democratizar o ingresso ao mercado de trabalho não chegaram a atingir a essência do problema, qual seja, o nepotismo e a preferência ao sindicalizado.o forte espírito de corpo, gerado pela longa tradição associativa e pelo relativo insulamento com relação ao restante do movimento sindical,fortaleceram ainda mais a identidade corporativa do setor, fazendo com que esta categoria se orientasse para a obtenção de bens coletivos restritosao grupo. o Sindicato dos Estivadores de Santos viveu um processo de ascensão gradual no que se refere ao controle das vagas existentes para suprir o mercado de trabalho. O SES controlava o número do seu quadro social,enquanto a Capitania dos Portos controlava o processo de expedição de matriculas e a partir de 1970 da formação,qualificação e treinamento .
O Sindicato manteve-se com um número que nunca excedeu 3.600 homens carteiras pretas. A "closed shop" foi garantida pela legislação brasileira até 1993.
As"paredes"são uma forma de democratização do trabalho, haja vista a criação do sistema de rodízio geral, que oportunízou a todos ganharem a vez do melhor trabalho e o sistema de rodízio dos contra-mestres. Tais conquistas demonstram uma organização democrática.
O estudo do salário médio anual do estivador sindicalizado revelou uma ascensão permanente dos ganhos em termos nominais. O pagamento por produção foi sempre objeto de luta dos estivadores, justificando que haveria menos tempo e mais trabalho. O estivador santista ocupou neste periodo uma posição privilegiada em relação à classe operária em seu conjunto.
Os estivadores eram chamados de "aristocracia operária",embora esta versão explicativa de seu comportamento não encontre fundamentos no estudo da trajetória sindicalista dos estivadores, reafirmando sua capacidade de mobilização na vanguarda do movimento sindical santista.
A este respeito, Sarti (1981) afirma que "quando estudado à luz das greves e da evolução salarial, o processo reivindicatório da estiva permite captar a dimensão do comportamento estivador frente à sua ambiguidade: uma corporação, a nível econômico, uma democracia, a nível político. A partir de sua condição econômica privilegiada no contexto das relações de produção, a estiva democrática tem condições para fortalecer seu poder de barganha em função de um desempenho combativo em prol do movimento sindical santista." Ainda da autora é a conclusão de que, diante desta observação, se deve rechaçar a condição de "aristocracia operária"atribuída à estiva, enquanto categoria que se fecha e se isola no contexto da classe operária, a partir de sua posição economicamente privilegiada.
Aquela interpretação é dada por aqueles que pensam o comportamento da classe operária como resultado exclusivo de sua posição na estrutura econômica, ignorando seu processo de lutas e reivindicações.
O SES não se submeteu simplesmente à corrupção, à cooptação, à manipulação impingida pelos interesses políticos. Sindicato dos Estivadores de Santos teve em sua trajetória política e histórica, um perfil muito claro de liderança junto à categoria, firmada,esta, sobre as estacas da família estivadora, da hierarquização, de certa autonomia frente à administração portuária enquanto categoria de avulsos. Mas ainda assim, podemos dizer que este perfil teve feições de busca democrática, quando optou por formas de trabalho que garantissem direito a todos e assembléias como instrumento de tomadas de decisão.
O SES obedeceu o modelo de sindicalismo corporativista que a CLT instituiu, controlado pelo Estado à distância. O Estado exerceu grande controle sobre o sindicato estivador através de uma cuidadosa legislação.
Na prática, isto foi realizado através de uma complexa teia de órgãos burocráticos. O Estado é quem decidia sobre a remuneração do operário estivador, sobre as matrículas de operários na categoria e sobre a fiscalização do serviço da estiva. O projeto de Nacionalização da Estiva, sob a justificativa de defesa social, se constituiu em peça chave para um plano de repressão da atividade
sindical mas principalmente sobre sua massa salarial, cooptação e contenção econõmica. Mas apesar disto tudo, o Sindicato conseguiu manter-se imune às pressões do jogo de mercado, à manipulação impingida pelos interesses políticos. Seus filiados mantiveram-se sempre fiéis aos seus preceitos e é por meio deste apego que se tomaram célebres as lutas heróicas destes trabalhadores.
Neste sentido, a legislação trabalhista de certa forma favoreceu de modo atípico o sindicato estivador, ratificando seu caráter corporativo,assegurando-lhe o controle do mercado de trabalho e ainda reconhecendo sua autonomia frente à administração portuária, ao enquadrá-lo na categoria de avulso.
Em sua análise do perfil desenhado pelo Sindicato, Sarti (1981) afirma que este abrigou uma grande contradição: "a de um sindicato fechado que controla o mercado de trabalho, por um lado, e a de um sindicato democrático que estabelece a divisão igualitária do trabalho entre seus membros e que apresenta índice elevado de mobilização da categoria e esquema democrático de escolha de sua liderança".
" Projeto de pesquisa intitulado "Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos", integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
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