22 de out. de 2012

Uma perspectiva dos Estivadores

Mundo do trabalho: uma perspectiva dos estivadores Vamos viajar!
Viajar em um tempo e um espaço desconhecidos. Esquecer temporariamente quem somos nós.
Se a ciência tem o mérito de descobrir verdades, vamos descobrir verdades apenas com os nossos olhos, ouvidos e a nossa respiração, desvendar os mistérios que a memória abriga sobre os estivadores de Santos, antigos "tubarões" na miséria geral da classe operária brasileira.

Vivendo em uma época em que a automação e novas formas de organização do trabalho ameaçam a categoria dos estivadores, e em que mudanças na realidade cotidiana de trabalho nos condena, sob
pena de não sobrevivência, a mudanças na nossa realidade interna e na representação que temos do mundo com o qual interagimos, faz-se imprescindível o entendimento da subjetividade deste trabalhador frente
àquilo que constitui o centro de sua vida cotidiana: seu trabalho.

Ao trazer as representações destes trabalhadores, é preciso trazer também um pouco do contexto em que se deu esta pesquisa. É preciso contar esta história, situando o leitor no espaço e no tempo da nossa viagem.
Esta pesquisa encontrou, desde o seu início, e durante todo o seu percurso, uma série de obstáculos operacionais e práticos no que se refere ao acesso dos sujeitos pesquisados. Logo no início, fomos alertados sobre a impossibilidade de se proceder a um estudo psicossocial de uma categoria tão fechada quanto a dos estivadores de Santos, e que só poderia ser acessada por intermédio do seu Sindicato. Muitos foram os colegas que nos desanimaram, questionando a importância de um projeto desta natureza e relatando histórias de outros pesquisadores que já haviam se embrenhado neste setor econômico, com experiências contornadas de dificuldades.

De fato, ao apresentar o projeto ao Sindicato dos Estivadores de Santos,fui tomada de assalto ao perceber que meus .interlocutores - eram nove Diretores sentados ao redor da mesa oval do Sindicato, fazendo-me
questionamentos ininterruptos - estavam mais desconfiados que eu!
Assustados com a série de mudanças que vêm ocorrendo nos Portos brasileiros, aqueles diretores desejavam somente saber a que vinha esta pesquisadora do Governo. Posicionaram-se com extrema cautela em relação ao nosso projeto, nada definindo, antes que me submetesse a rigorosa sabatina e antes que eles pudessem conhecer 'outros' trabalhos realizados por mim, na Fundacentro.

Desejar desvelar o "eu" do trabalhador num momento de tensão como este seria, no mínimo, impensável! Foi quando realmente me dei conta de que sem a ajuda do Sindicato poderiamos desistir do empreendimento. Meus colegas tinham razão... Mas impingida pelo desejo de adentrar aquele mundo fechado e oferecer à sociedade um retrato do que sentiam aqueles homens, resolvi desafiar as fronteiras do impensável! Os fatores contingenciais, somados àqueles estruturais, cedo me fizeram compreender porque existiu de forma tão flagrante a recusa ou indisponibilidade dos estivadores em relação às entrevistas com a
pesquisadora, um elemento "estranho" e "perigoso" ao meio.

Afinal, no pensamento de cada um, uma dúvida se lançava: um estudo que vai expor nossa alma não pode nos trazer prejuízos ou desvantagens?
O primeiro passo que dei, ao saber que iria executar este projeto, foi conhecer o 'locus' do projeto, acompanhando um trabalho de filmagem que alguns técnicos da Fundacentro fariam no Porto de Santos, em junho de 1997, data em que fui apresentada pela primeira vez ao cais e conheci de perto um navio - pasmem! E desde a minha primeira visita, adotei um caderno que veio a ser o Diário de Bordo, onde relatei os fatos diários, bem como as situações ocorridas, envolvendo os atores que, direta ou indiretamente, permeavam nossa pesquisa - colegas de trabalho,operadores portuários, sindicalistas, trabalhadores portuários, trabalhadores de outras categorias que frequentavam o Porto, profissionais da área de segurança do trabalho, etc.

Assim, o Diário registrou, a meu modo, alguns momentos de dificuldades ou inesperados que passamos no decorrer da realízação deste Projeto. Em virtude interesse que tais passagens representam para a leitura dos resultados da pesquisa, resolvemos selecionar, para este Relatório, algumas destas passagens do Diário, de forma sintetízada ( sem poder, infelizmente,reproduzir as palavras escritas por mim naquele momento, já que a censura acadêmica ainda não o permite... ) e com a data em que ocorreram, para que a trajetória possa ser refeita pelo leitor, no espaço e no tempo do 'pesquisador'.

Projeto de pesquisa intitulado "Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos", integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999

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