Foi muito flutuante o número de estivadores estabelecido em cada legislação ao longo dos anos.
Algumas incongruências existiram em relação a este aspecto:
o movimento de mercadorias aumentou em 70% no periodo de 53 a 60,enquanto o número de estivadores caiu. Segundo análise de Gitahy (1992),"a vigência de uma legislação no mínimo errônea como a que
regulamentava o processo de matricula dos estivadores, permitiu que o mesmo se tivesse efetuado de modo arbitrário e subjetivo, em detrimento de fatores do tipo econômico e trabalhista."
O sistema de contratação dos estivadores, dadas suas caracteristicas muito particulares, merece destaque no relato dos aspectos históricos da estiva. Sem dúvida, adquiriu um peso especial na história sindical dos
portuários. A política de contratação de mão-de-obra obedeceu a um sistema ocasional de trabalho, motivada pelas constantes flutuações de carga e descarga de mercadorias no porto, o que demandava extrema flexibilidade na contratação dos trabalhadores. Diariamente e até duas vezes por dia, uma multidão de candidatos se aglomerava em determinados pontos do cais, oferecendo-se para conseguir trabalho para o dia ou até por algumas horas. Este sistema de contratação, conhecido como "parede", é que levou à criação e manutenção de um exército permanente de reserva na área do porto, ao qual os empregadores
recorriam nos momentos de pico do movimento do porto.
Convencionou-se denominar "parede" não sóo processo como também o local onde ocorria a contratação do trabalho estivador, em geral próximo ao cais ou no próprio cais, pré-determinado e numerado, onde aquele contingente flutuante diariamente disputava o direito à estivagem-transporte de mercadorias a
bordo.
A imobilidade dos trabalhadores da estiva também foi condicionada pelo desenvolvimento da especialização de trabalhadores em diferentes tarefas que teve lugar no contexto do sistema de trabalho ocasional. Os trabalhadores que frequentavam a "parede" não encontravam ou nãoqueriam trabalho em outra atividade e acabaram especializando-se naquelas tarefas e preferindo enfrentar o trabalho árduo e perigoso e as oscilações de mercado em um único Porto, a ter que se locomover para outros pontos com chances de trabalho menos previsíveis ainda. Por outro lado, os empregadores obviamente preferiram utilizar esta mão de obra especializada que deveria superar a oferta de empregos, para se garantirem nos momentos de pico.
A tomada de trabalho dos estivadores obedecia a alguns critérios básicos.Segundo Sarti (1981), assim se dá a tomada de trabalho: "Quando a carga é ofertada em cada 'ponto de engajamento', os trabalhadores a disputam na 'parede', de acordo com alguns preceitos legalmente estabelecidos. Antes de mais nada, entenda-se que o estivador é livre para comparecer ao ponto. Quando disputa a 'parede', leva consigo o cartão de cãmbio, onde é anotado o período de trabalho. Ao ouvir a leitura da carga, manifesta seu desejo de engajar-se levantando a mão e terá preferência se estiver no 'cãmbio', único critério objetivo que lhe confere o direito de ser escolhido para aquela jornada de trabalho. A cada três dias, o estivador está no
'cãmbio', isto é, se hoje trabalha, só terá direito a trabalhar de novo no terceiro dia, o que é controlado por um picote no cartão, no dia e período em que trabalha; quando se acha no segundo dia sem trabalhar, ocupa a fila de 'avançado' na 'parede' e poderá candidatar-se ao trabalho se a primeira fila, do 'cãmbio', não preencher o número da mão-de-obra requisitada; o mesmo acontece com relação ao terceiro dia em que os trabalhadores da fila de 'dobra' podem eventualmente passar para a fila de 'avançado'.
As "paredes" foram claro sintoma do mercado de trabalho saturado,mostrando um verdadeiro exército de reserva em busca de sobrevivência. Lá ocorria a regulamentação da lei de oferta e procura do trabalho
estivador. E a competição ferrenha para conseguir trabalho ocorria em meio a gritos e brigas. Mais tarde voltamos a falar do fenômeno das "paredes", tal a importãncia destas para a constituição do quadro
contextual e conjuntural do estivador.o oficio de estivagem é caracterizado por saberes aprendidos ao longo do tempo, verdadeiros segredos, motivo de orgulho e mola-mestra da identidade do grupo.
De acordo com Gitahy (1992), a "identidade dos estivadores, assim como os fortes laços informais entre os trabalhadores, que a natureza coletiva e complementar deste processo de trabalho estimulava, produziu uma experiência oposta à da parede", que tornava os trabalhadores solidários e fortalecia o sistema fechado de contratação como reação à insuportável ameaça do mercado de trabalho no sistema ocasional de contratação. Só esta identidade poderia combater a experiência da "parede", momento de expressão das brigas, machismo e coragem e da sensação de enfraquecimento da categoria.
Os estivadores sempre reivindicaram a "closed shop" ( situação em que a filiação ao Sindicato é condição para obtenção do emprego) em nome do direito de definir as regras para a organização do trabalho. Além disso, a única maneira de assegurar a jornada de oito horas seria deter o controle do mercado de trabalho. Este controle foi garantido por meio do controle sobre o registro dos trabalhadores avulsos e sobre a formação das equipes de trabalho (temos de estiva), que regulamentava também o número de trabalhadores alocados para cada tarefa. A legislação brasileira assegurou o "closed-shop" até 1993.
As vantagens para os trabalhadores que atuavam no interior dos navios era grande em detrimento dos que atuavam no cais. Eram melhor pagos, mais qualificados e eram representados por um núcleo sindical mais
estável e combativo. A Cia. Docas preferiu criar um corpo de trabalhadores submetidos a padrões de ordem, diligência e controle, em nome do progresso e civilização.
Embora tenha tentado controlar esta operação, não foi bem sucedida, e os estivadores acabaram permanecendo no sistema ocasional de trabalho .A disputa entre empregadores, trabalhadorese Estado definiu historicamente o grau em que cada um controlava o processo de contratação e até a forma de realização do trabalho, incluindo a introdução de inovações técnicas ou não. A reivindicação das "paredes" nem sempre deve ser vista como exclusivismo corporativista de lideranças corruptas ou de gangues de orla maritima. Pelo contrário, quando houve o controle dos trabalhadores no processo, houve certa democratização na distribuição do trabalho.
Em 1950, apesar de ter o seu sindicato subordinado ao Estado,os estivadores criaram o sistema de rodízio geral que levou a uma distribuição mais justa do trabalho e a uma democratização interna do sindicato.
Por sua vez, este processo foi bastante condicionado pelas batalhas no Porto e envolveram não apenas os atores locais, mas interesses bem mais amplos.O controle deste processo pelo sindicato terminou por se constituir em questão social, tal como a questão dos "bagrinhos", conflito político-social cuja origem esteve na forma de organização da estiva. .
Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
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