Ao considerarmos que o desenvolvimento econômico e a formação das grandes potências mundiais tiveram como pilares a troca de mercadorias e sua logística, não é exagero classificar a atividade da estiva - serviço de movimentação de carga a bordo de navios nos portos - dentre as mais antigas e importantes para alavancar a economia global.
A profissão de estivador data o início das grandes navegações, no século XV, quando todo o transporte de mercadorias e especiarias era realizado por caravelas, naus, barcos e similares.
Atualmente, apesar da automatização do transporte de cargas portuárias, com a implantação dos guindastes eletrônicos em substituição às roldanas manuais, o trabalhador portuário ainda desenvolve importante papel, não apenas desprendendo força física, como também na operação desse maquinário.
De olhar forte e mãos calejadas, aspecto robusto, porém esmorecido pelos 35 anos de trabalho portuário, e com ensino fundamental incompleto, encontramos o estivador José Carlos Antônio, que trabalha no Porto do Recife, desde os 22 anos de idade.
Ele parece orgulhoso da trajetória profissional e revela que criou seus oito filhos com o dinheiro da estiva. "Nunca tive medo de trabalho, já cheguei a carregar mais de mil sacarias de açúcar de 80 quilos em uma jornada de seis horas", revela. Carlos do Caroço, como é conhecido pelos colegas do Porto, é um dos trabalhadores mais antigos do local; o apelido, segundo ele, consequência de uma hérnia na região lombar, resultado da intensa carga de trabalho nos conveses e porões.
"Hoje trabalhamos com todo material de segurança, mas na minha época não existia isso não", assume.
Apesar das marcas e dores herdadas pela atividade, Carlos do Caroço carrega outras lembranças menos pesadas.
Quando o assunto é a saudosa vida boêmia que se incorporava aos trabalhos no Cais, ele não hesita em exibir um velado sorriso ao lembrar dos bons tempos nos casarios antigos do bairro do Recife Antigo.
"A gente já vinha com a roupa certa para a hora boa, quando largava da jornada era apenas tomar banho, passar o perfume e ir pra diversão".
Ele se refere aos bordéis: grandes casas de prostituição muito comuns na região nos séculos XIX e XX.
Já quem não teve a mesma experiência, utilizando como critério os prazeres da vida boêmia, foi o trabalhador Márcio André Galvão, de 35 anos.
É de uma geração mais nova de estivadores, em que a mecanização exigiu menor força física e melhor qualificação profissional.
Com o ensino médio concluído e seis anos de carreira portuária, ele acredita que a capacitação, cada vez mais exigida na operação dos equipamentos, é o caminho do sucesso profissional.
"Já fi z curso de conferente de carga, sinaleiro e direção defensiva.
Gosto de aproveitar todas as oportunidades", afirma Galvão.
Além da mecanização, outra mudança significativa para a categoria foi a criação da lei específica 8.630/93 e depois regulamentada pela Lei 9.719, de 1998, conhecida como a lei dos Portos.
De acordo com o diretor do Órgão Gestor de Mão de Obra OGMO-Recife, José Falcão, a lei surgiu com o objetivo de intensificar a segurança e otimizar as relações trabalhistas.
Pela determinação, os operadores portuários devem constituir, em cada porto organizado, um Órgão de Gestão de Mão-de-Obra OGMO.
A principal função é administrar o fornecimento de empregados, manter o cadastro e o registro do trabalho portuário avulso, além de promover treinamentos e capacitações.
"A cada Porto em funcionamento, no País, existe um órgão vinculado.
Em Pernambuco, funcionam os OGMOs Recife e Suape.
Além disso, o OGMO exerce o caráter punitivo quando houver desvio de comportamento às normas disciplinares previstas em lei, convenção ou acordo coletivo de trabalho.
Vinculados ao OGMO Recife existem 175 estivadores na ativa", informa Falcão.
Uma quesito sempre polêmico quando se retrata a ativa do trabalhador portuário é a insalubridade da profissão. Em visita aos interiores e conveses dos navios no Porto do Recife, nossa reportagem ouviu insatisfações dos trabalhadores relacionadas ao quesito condições de trabalho.
O estivador Gilvan Rodrigues, de 54 anos e 28 de Cais, reclama da ausência de um refeitório, como também dormitório para a equipe que trabalha no intervalo de 22h às 2h.
"Pelo horário que largamos ainda não há transporte e somos obrigados a ficar por aqui até o dia amanhecer", desabafa o trabalhador.
O diretor executivo do OGMO Recife, Antônio Falcão, que também exerce o cargo de diretor administrativo do Porto do Recife, salienta que existe um convênio entre a Prefeitura do Recife e o Porto do Recife para a construção de um novo prédio onde atualmente funciona a Escola Municipal Nossa Sra. do Pilar, no bairro do Recife.
"Entre as ações da prefeitura para revitalização da favela do Pilar, cedemos um terreno onde a escola será erguida e no espaço atual construiremos um edifício com estrutura de vestiários, armários, banheiros e também estará disponível para os trabalhadores que quiserem se acomodar ao término do turno da madrugada", finaliza Falcão.
NÚMEROS DA ESTIVA - Segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais Rais, do Ministério do Trabalho e Emprego, existiam em 2008 cerca de 38 mil estivadores espalhados pelo Brasil; ainda de acordo com o relatório, há 10 anos esse número chegava a mais de 70 mil.
A faixa etária desses trabalhadores está no intervalo de 35 a 60 anos e a remuneração média para um estivador registrado formalmente varia de R$1 a R$ 4,5 mil, conforme o período e carga trabalhada.
fonte GENTE - VIDA DE ESTIVADOR
EDIÇÃO 09 - JUNHO 2009
Por: Isnaldo Acioly
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