Trata-se de uma categoria unida para determinados fins, bem como extremamente competitiva para outros, fruto das próprias condições em que é forjada a atividade de trabalho. Por um lado se unem e se defendem,como uma grande família, para preservar os direitos da categoria,preservar alguns espaços conquistados e usufruir da relação de amizade e confiança existente dentro do grupo. Este laço afetivo se desenvolve a partir do próprio trabalho, tendo como eixos básicos a sua carga e penosidade características e as brincadeiras constitutivas dos momentos em que são obrigados a passar juntos:
"Se tiver batendo no estivador ou batendo no carro do estivador, aí vem o grupo...
eles massacram .. não é unido pra assim... pra certas coisas, mas nós tem....
olha de todos os sindicatos o nosso é o mais unido, porque é a família estivadora, não tem jeito, né!"
"Eu füJu.ei com medo, quando vi os companheiro tudo esbagaçado.
Teve que tirar 8 container da cela pra tocar ele aqui em baixo.
Tirar os 8 container da cela, pôr no chão, pra com o bombeiro vir conseguir catar a pessoa.
A gente cata o companheiro no colo da gente... "
"A gente brinca muito um com o outro, né! É uma família.... o cara que não souber brincar na estiva, ele fica louco... porque todo mundo brinca um com o outro. É um prazer a gente estar todo mundo junto. E é essa amizade que faz a gente se comprometer cada vez mais um com o outro. "
"Porque cada vez que você vai na parede você fica jogando conversa fora,fica batendo papo, sabe, falando coisas com os amigos e mesmo que tu não pega trabalho tem aquele círculo de amizade, o cara sai dali, 'o vamos tomar um cafezinho na cantina, tomar um café.... de tarde vamos vir de novo, aí que é capaz que dê'. Chega de tarde, não dá de novo e você veio. "
"Porque o estivador costuma brincar muito com seus companheiros.
Não tem como a senhora chegar toda triste, toda fechada, tem que brincar.
Pra o astral melhorar, para o dia passar mais depressa. "
Entretanto, estes laços podem rapidamente se desfazer em virtude deste mesmo trabalho:
"Se você é uma pessoa conhecida no porto, então você vai levar vantagem,porque você não tem inimizades com ninguém, você é amigo de todos. Um café que você paga pra uma pessoa, amanhã aquela própria pessoa vai te dar um trabalho. Aí vem a disputa... "
Se por um lado se sentem protegidos pela cumplicidade do laço afetivo familiar, por outro disputam os mesmos espaços de trabalho e de ganho, quando o que está em jogo são as oportunidades de trabalho oferecidas dentro do sistema de trabalho criado pelos e para os estivadores:
"- Manda água! Manda água!
Ué, tá pensando o que? Que é moleza? Vocês querem moleza,
volkswagen não precisa de água... "
( diálogo entre dois estivadores)
"No açúcar quebra o pau mesmo quando a lingada cai, a gente xinga o guincheiro de tudo quanto é nome "
"A maioria pensa em si mesmo... »
"Você é um contra-mestre, você vai tirar uma parede, ás vezes vem um
companheiro teu falar com você, o outro já tá falando... olha, tá lá pedindo pro mestre... "
"Por isso que é humilhante... além de você estar de contra-mestre,
você tá numa posição privilegiada por 80 dias, né....
Porque você ficou um ano de trabalhador nestas passagens de parede pra parede,
você tem dívidas...toma lá, dá cá... você pediu pra um cara te levar....
porque é um pedido de carteira, né, não é um pedido de boca, né, verbal...
Naquela mesma parede ali onde ele lhe tirou, você vai chegar de mestre ali e talvez você vai tirar
algum trabalho bom ali ele vai estar ali, né.... você vai ter que ver aqueles que te levaram...
Outros por amizade, que você tem uma amizade afetiva,
mas não tem nada a ver com trabalho, entendeu, então tu vê a dificuldade... "
"Eu vou tirar um trabalho aqui de container, ai chega meu vizinho,
que nós temos uma amizade. Eu chego ali, vejo ele e não o levo!
Ele vai comentar com os outros, caramba, 'o meu vizinho, pô, não acredito!' "
"Às vezes, há casos até de o cara não falar mais contigo, porque infelizmente você deixou ele numa parede de estiva e ele toma aquilo como uma mágoa,né... »
Em síntese, o que caracteriza os estivadores é a contradição manifesta,mas nem sempre reconhecível, do grupo que, para sua sobrevivência,diante das circunstâncias que é submetido.
"A categoria não é organizada, adho que é devido ao nivel cultural da gente...
que é um trabalho muito cansativo. "
"Como a categoria não é unida, então muitas coisas passam batidas e não podemos fazer nada, entendeu? Mas ela não é uma categoria organizada.Quer dizer, num todo tem uma parte que ela se toma organizada, com relaçao ao trabalho organizado. "
É claro que a categoria tem seus próprios segredos e artimanhas, criados após anos de experiência, em função das caracteristicas do sistema de trabalho que os organiza. E é com orgulho que falam deste conhecimento específico que os torna diferenciados perante os demais trabalhadores portuários:
"Ele me chamou pra ser geral, eu tive 12 anos de geral e 2 de supervisor na...
Ai eu fui saber de tudo com qualidade de enxergar e se alguém falasse alguma coisa,
eu falaria 'nao, eu vou mostrar pro senhor como é que é' "
Um pesquisador inexperiente, ao observar a tomada de trabalho nas "paredes", dificilmente perceberia a sutileza com que determinados segredos de trabalho são operacionalizados e usufruidos naquele momento pelos estivadores :
"Então ele vai aprendendo afazer amizade, criar amizade entre eles, que é pra poder sair no trabalho. Entao se toma uma amizade mais forte,porque você precisa do teu companheiro amanhã, hoje você tá de mestre, você que vai tirar os outros, mas amanhã quem tá de mestre é aquele que tá lá embaixo na parede, então ali um fica olhando bem quem é, quem sabe pra mais tarde um levar...
um levar o outro, né, fica essa troca de favor. "
"Tô fazendo fé com o cara, o cara é o maior amigo meu... e ele não me via porque a parede fechou de um jeito, porque era muita gente. Sabe o que eu .fiz pra ir no trabalho?
Eu peguei no pé dele, puxei, ele caiu sentado Caiu sentado, puxei ele . Quando ele veio me xingar, é que ele pegou minha carteira! Ele me xingou e pegou minha carteira, entendeu?"
"Quando você tem alguém conhecido na parede que você quer levar, guarda 1 ou 2 cartões no bolso pra.... e não pega todo mundo naquela hora, quando tu dá a carteira na mão do diretor pra ele conferir, o pessoal abranda, todo mundo fica quieto e tu vai lá e pega o cara que tu precisa, que separou, é ... já é uma malícia. "
Este aprendizado inclui até o aprender a não pegar trabalho, aprender a ser preterido, aprender uma das coisas mais dificeis para o ser humano,lidar com a rejeição:
"Uma coisa que tu tem que aprender no cais é aprender a sobrar, sobrar é quando você não vai no trabalho! Isso que tu tem que aprender, o dia que tu aprender a sobrar vai ser um estivador. "
Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
integrante do PROPOMAR -
Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
todos os comentários acima vistos, relatam as origens e os costumes de estivadores antigos ..
ResponderExcluirmuitos destes costumes ja não existem mais e se tornaram histórias e contos ...
hoje vivemos em um porto mais moderno e com "novos"
pensamentos... com portuarios se capacitando cada vez mais , a cada dia que passa ...
Sou um estivador que vivi costumes antigos e e hoje me deparo com a modernidade...
ass: Doriel Brasil