27 de out. de 2012

Uma Categoria Fechada II

Os estivadores tiveram seus momentos de glória nos anos 50. Entretanto,tendo perdido este poder e tendo que aceitar o fato, sabem que são obrigados a lidar com uma imagem pública que, hoje, não é nada
favorável:

"O estivador antigamente... a margem de ganho, o salário do estivador era praticamente uma....uma classe média, né!Então o estivador ia numa loja,ele não precisava fazer é ficha nenhuma,ele apresentava a carteirinha da estiva, ele já tinha... tinha o crediário na hora.Hoje eles vão querer saber quanto eu ganho por mês,ele quer que você vai lá no sindicato pegar os três ultimos meses pra ver quanto é que você ganhou,pra analisar um balanço da tua vida, pra ver se pode abrir aquele crediário. "

"A maioria vai dizer que o estivador é.... é perverso, o estivador é maldoso, o estivador é bandido, é pirata, vai dizer tudo isso, hoje... "

Apesar disto, ainda se encontram pelo cais os últimos sopros dos sentimentos de resistência daqueles que ainda elegem o estivador como o elemento mais importante do porto:

"Acho que o estivador tá na primeira escala na hierarquia no Porto,porque  tudo depende do estivador. "

Em algumas falas, transparece o julgamento de que a imagem lida com uma aparência, uma superficialidade, que muitas vezes, ou quase sempre,oculta um outro lado, menos perverso ou talvez menos encantador, que
não pode ou não deve ser mostrado, sob pena de serem destruídos os rótulo solidificados anos a fio em torno da figura do estivador:

"Estivador é machista so na aparência. Eu quero ver na essência!"

"Aí eu peguei ele no meu colo e levamos pra Santa Casa!Só quem tá participando... porque quem tá de fora, é beleza... estivadorestivador é marginal, estivador é isso, estivador é .... pode falar, né, maconheiro!"

"Quer impressionar porque é estivador, rapaz...eu j aTomei uma namorada aí...ela achou que eu ia chegar um cara de boné, com uma costeletona,um marginal cheio de musculatura, cheio de tatuagem... é, mas eu chegueisimples, humilde, a mulher disse 'você é estivador???' "

Com mágoa, alguns estivadores se ressentem desta imagem negativa que se tem da categoria, conforme anunciam estes depoimentos de estivadores que foram injustamente presos e acusados de roubar a mercadoria do navio:

"Isso me deixa nervoso, porque enquanto o ladrão vai e rouba a carga, o vigia não faz nada... quando eles tão estourando os containeres, que eles tão jogando tudo pro mar, na barquinho do lado do mar, ninguém viu nada. "

"O comandante disse que haviam roubado o navio. Eu tava trabalhando.Dez pessoas me viram da uma da manhã até as sete. Chegou de manhã, o cara falou assim: 'foi você, você e você'. O delegado não quis nem saber e escutar a minha defesa. "

Sem negar que alguns de seus colegas de trabalho já tenham se envolvido ou ainda se envolvam com drogas e com a marginalidade, alguns questionam sempre porque só os estivadores são rotulados como bandidos:

"Na minha categoria existe mesmo, cara que é traficante, cara que usa droga,cara que é dependente de droga, mas tem na nossa categoria e eu tenho vergonha de falar que existe,mas existe infelizmente... "

"Não é só o estivador que usa droga. Eu conheço conferente que usa droga.Um cara que temfaculdade! Um cara que tem nível sociaZ!"

"Todas as categorias são divididas... tem a categoria das pessoas que são trabalhndeiras,honestas e depois tem o inverso, tem as pessoas ruins, que não trabalham.Acham que o estivador é marginal, bandido, não é? O marginal e o bandido estão em todas as categorias, todas as classes têm, não é?Então, porque é só o estivador?"

"Não é só estivador que fuma, e a senhora sabe que tem delegado que fuma... »
"Porque eu conheço advogado que usa droga... e é autoridade!!!"

A imagem externa de 'marginal' ou 'louco' não leva em conta a história pregressa de surgimento e desenvolvimento da categoria, e nem tampouco as condições em que este trabalho é produzido:

"É que o estivador é um trabalhador que é meio marginalizado, que a estiva ela foi fundada por marginais. Isso é história de estiva antiga. Eu digo isso porque meus avós falavam. O navio chegava no porto, ficava aqueles malandros na faixa portuária.  Aí chegava um comandante ou marinheiro chefe...'E aí, vai descarregar uma caixa de uísque, duas caixas de uísque. Quem quer trabalho aí?' 'Quanto é que tu paga? Tanto.... Ei, meu irmão,vamos lá?'  Então é por isso que tem essa de estivador. "

"Louco? Depende do que você considera ser louco.Se fôr pôr a insanidade,loucura mesmo, ele não é. Agora,se fôr pelo lado que ele encara serviços que nem cachorro quer, ele é louco. Tem certos trabalhos que ele faz, que se o cara parar pra pensar, ele não faz. "

"Daí essa expressão 'parece louco, tá maluco, meu!' É uma consequência do próprio ambiente,
do sistema que ele tá passando, das provações que ele passa. Você tá o tempo todo, sabe... sendo testado, todo instante!Quem tá defora acha que aquilo é um sossego!"

"Existe também o mau elemento. Inclusive, isto acontece sabe em que horário? Da uma hora da manhã às sete, que é onde vem o que nós chamamos a baba do boi.São aqueles caras cachaceiro que não é de fazer trabalho, então ele não pega de manhã , ele não pega de tarde, ele não pega às 19 horas e se alguém deixar ele pega é de madrugada, então de madrugada a gente fala 'seja o que Deus quiser'! "

Finalmente, a imagem de trabalhador embrutecido e 'ignorante' dos estivadores é trazida por dois entrevistados, mas através de olhares que pensam a condição cultural da categoria de forma contrastante e
questionadora:

"Às vezes o estivador é ignorante, setor do trabalho mesmo. Ele tem que ser ignorante... "

"Se a escola.fizesse ser responsávell,os nossos governantes são estudados e hoJ.e o povo passa fomi e e'miseria.'Então... não e•... não é por aí..",

Projeto de pesquisa intitulado
 "Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
 integrante do PROPOMAR -
Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999

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