Um movimento operário em destaque
O contexto de desenvolvimento do Porto de Santos e da formação da sociedade santista, cabe, comentar o histórico de lutas dos portuários e as condições que propiciaram este histórico, visto que a eles encontra-se intimamente relacionada a forma de atuação da estiva santista.
Uma lendária tradição de lutas, constância e combatividade do movimento operário caracteriza os portuários, de maneira abrangente. Esta classe operária ganhou redefinições dentro da ordem social existente a partir da combinação de algumas condições: a imigração maciça de portugueses e espanhóis que veio segregar á população negra e escrava já existente em Santos, formando uma comunidade multicultural e multirracial; um movimento de intensa urbanização da cidade; os diversos constrangimentos da classe operária, provenientes das condições específicas em que ocorreu o trabalho portuário , visto que havia diferentes interesses em jogo pelo controle de cada operação do processo de embarque e desembarque de mercadorias.
Santos foi o palco das primeiras greves operarias no País, no final do século passado, e testemunha das inúmeras batalhas sangrentas sob repressão de forças militares. Já em 1877, a cidade testemunhava a greve dos carregadores de café, que pleiteavam aumento de salários. A partir de 1889, outras greves eclodiram em Santos, sendo o Porto seu foco irradiador. No seio do movimento amplo grevista, houve, em 1897, uma greve que chegou a abranger várias categorias. O estopim do movimento foi um acidente que se deu no vapor Sallinas, durante o trabalho noturno. Uma das escotilhas do navio cedeu e um fardo de mais de uma tonelada despencou, juntamente com 14 estivadores, para o porão do navio. Em consequência, 12 estivadores ficaram gravemente feridos e um morreu. Os estivadores iniciaram esta greve reivindicando 20$000 por cada mil sacas embarcadas e garantias de segurança do trabalho.
A greve foi derrotada após 15 dias de luta, dada a total intransigência da Cia. Docas que foi amparada por maciça repressão, sob a justificativa de "manutenção da liberdade de trabalho". É justamente a derrota desta greve e o poder da Cia. Docas que acabaram por facilitar a união de trabalhadores com processos de trabalho diferentes ( horários e salários ) e incentivar a criação de um movimento operário sólido, neste momento.
Dentro deste contexto é que se deu, em agosto de 1904, a fundação da Sociedade Internacional União dos Operários, reunindo em sua maioria trabalhadores em café. Tinha como objetivo defender os trabalhadores que, segundo palavras textuais de Gitahy (1992), "eram tratados pelos tirânicos patrões pior que animais de carga" e constituíam a "grande turba-multa dos explorados que, em vez de se unirem para procurar atenuar este estado de coisas, levavam a digladiar-se uns com os outros, se embriagar, e brigar." Seguindo o movimento, a primeira classe a se organizar em Sindicato foi a dos carregadores de café, em 1906, seguida pelos empregados em pedreiras, e depois pelos estivadores.
De 1906 a 1908, foram vários os movimentos ocorridos, tendo como pano de fundo a luta pelas oito horas de trabalho. Assim Gitahy (1992) descreve aquela mobilização: "a última batalha da luta pelas oito horas teve como palco o Porto. A luta entre a poderosa Cia. Docas e seus milhares de trabalhadores manteve o movimento operário em suspense durante o resto do ano. A virtual invasão da cidade pelos navios de guerra com fuzileiros navais, e pelos trens repletos de tropas da cavalaria e infantaria, virou a população santista contra a Companhia.
A derrota da greve espalhou-se por todo o movimento operário santista, coincidindo com um período de crise econômica, desemprego e repressão. "o porto de Santos tinha uma preocupação característica de agrupar os trabalhadores de Santos, sem distinção de raça, oficio ou nacionalidade.
Estes fatores eram potencializados pelo sistema de trabalho ocasional dos portos. E, é claro, os empregadores do Porto exploravam a divisão entre trabalhadores . No entanto, os trabalhadores queriam interferir nas decisões do mundo hostil do trabalho. Não admitiam ser colocados contra seus companheiros de trabalho, queriam equiparação de salários e algum tipo de controle sobre a sociedade previdenciária que os financiava e atendia.
Foi durante as oito greves ocorridas no Porto de Santos, no período de 1889 a 1914, que deflagrou-se a luta surda pelo controle do processo de embarque e desembarque de mercadorias no Porto.
A Cia. Docas vinha paulatinamente controlando todas as operações do processo de trabalho e lutou para conseguir também a da estivagem, que veio a ser parcialmente controlada pela empresa.
As greves de 1912 consolidaram um padrão de relacionamento entre os diferentes empregadores do Porto e seus trabalhadores. A despeito da enorme distância social que os separava, os trabalhadores conseguiam levantar suas vozes enquanto interlocutores válidos no processo de tomada de decisões relativas ao mundo do trabalho.
A sociedade dos estivadores de Santos foi fundada em 1919, em meio a este quadro grevista, quando da reivindicação das oito horas de trabalho.
A ideia central é que trabalhando menos horas, mais gente teria emprego e haveria trabalho por um período maior. Tanto que se lutou não para aumentar o número de sacas carregadas e arriscar a saúde, mas pela redução das horas.
Sob o ponto de vista social e cultural, o que constatamos é um entrosamento entre a cultura operária e a urbana. O trabalho no porto, instável e pesadíssimo, costuma ser estigmatizado como um daqueles em que as chamadas classes "laboriosas" confundem-se com as classes ditas "perigosas".
Entretanto, no caso de Santos, os trabalhadores do porto da belle époque, partindo de sua posição crucial na economia, souberam tornar-se, também, o coração da comunidade operária que então se formava.
A cultura urbana radical santista conferiu repercussão ao movimento operário, assim como este movimento operário radical imprimiu na cultura a forte presença desta classe social.
Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999
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