Contexto histórico-político-social dos estivadores de Santos
A sociedade santista
Os estivadores de Santos não podem ser compreendidos sem uma referência necessária à formação da sociedade santista.A cidade de Santos teve sua origem na Vila do Valongo, com um convento de franciscanos. Mas desde esta época já tinha função portuária. Sua população era composta principalmente de cidadões de origem portuguesa, "reinóis ou ilhéus, ativos, perseverantes, mas refratários, no seu dúplice orgulho de conquistador e argentário à intromissão dos filhos da terra nos negócios principais."
Mais tarde, a cidade da Independência, composta de negros e mestiços, passou a ser a cidade dos brancos, influência da imigração maciça: 25% portugueses, 9%, espanhóis, 3%, italianos e 1% turcos e japoneses. O analfabetismo de Santos foi aumentado com a chegada deste imigrantes, pois 67% dos portugueses e mais de 60% dos espanhóis e italianos eram analfabetos.
A cidade possuía uma população de elite de cunho comercial e origem portuguesa predomínio de população urbana e uma estreita e tensa relação com o planalto que a deixou com imagem de cidade livre e independente.
O sentimento de ser santista, de certa forma, apareceu sempre acoplado a um quadro de revolta, como enfaticamente nos momentos em que o poder econômico pretendeu intervir na autonomia político-econômica da cidade.
Por exemplo, Gaffré e Guinle, receberam protestos da municipalidade.
A Companhia Docas de Santos, do Governo do Estado, era vista com excesso de poder para os fins para os quais havia sido criada. Para os reclamantes,o desenvolvimento do porto e do seu comércio, que acabava ocasionando uma melhoria das condiçôes sanitárias gerais, não se traduzia num desenvolvimento da cidade. Em Santos, sempre a municipalidade protestou contra o que considerou perda de autonomia e submissão aos poderes estadual e central, que estariam desrespeitando as tradições e população local com seus atos violentos.
Tais transformações implicaram uma marginalização do poder local em nome dos poderes estadual e nacional.A forma como estas intervenções ocorreram, desrespeitando os interesses locais, serviram para
reforçar a imagem de Santos como cidade livre, permanentemente 'atacada' por poderes que lhe eram estranhos.No que se refere á força de trabalho lá constituída, podemos afirmar que embora o porto fosse símbolo de modernidade, necessidade de desenvolvimento e forma de garantir a expansão econõmica do Estado,houve dificuldade de fixar a força de trabalho em Santos, pois o porto também era a imagem da falta de saneamento, já que era o foco de epidemias diversas, tais como a febre amarela, que eram levadas para o planalto e interior do Estado, mostrando do litoral santista um aspecto repugnante.
O Porto teve entre seus trabalhadores inúmeros escravos, que eram alugados como estivadores, empregados em armazéns e carregadores de café, os quais foram os primeiros a ser libertados.
Como alguns escravos passaram a receber salários, Santos passou a ser atrativo para outros escravos que queriam trabalhar no Porto, tornando-se o território livre dos abolicionistas. E o afluxo de escravos foragidos influenciou a constituição da população trabalhadora no Porto.
A elite postulava seu caráter libertário e humanitário, mas adentrava sempre o território do ilícito.
Santos era um tipo de feudo altamente moralista, dividida em compartimentos estanques.
Queriam o progresso moderno, mas tentavam garantir seus privilégios.
A sociedade dominante tratava os moradores como promíscuos, viciosos e vagabundos e era a partir destes pressupostos que procurava enquadrá-los.
A população de Santos sempre teve um caráter errante, mas isso foi reforçado por sua condição portuária, pela maciça presença de uma população masculina e pelas epidemias. A mobilidade indicava as condições precárias de vida e os baixos níveis de moralidade. Tal precariedade de vida nunca foi vista como decorrente das péssimas condições de trabalho a que estavam submetidos os portuários, mas como
atributo deles, como se isto fosse um problema pessoal, e não social. A intensa mobilidade dos trabalhadores por melhores condições de trabalho e esta mobilidade reforçava a pecha de vagabundo e promíscuo que recaía sobre estes grupos, tanto assim que as greves acabavam sendo tratadas como caso policial, mais do que como problema de justiça social.
A violência era constitutiva das ações e do cotidiano destes trabalhadores.
Antes de tudo, pelo conflito gerado pela imposição da sociedade organizada em relação a normas de vida, gerando a resistência dos excluídos, o que caracterizava uma luta de classes. Mas também pelas tensões havidas entre grupos étnicos diferentes, o que passava também pela solidariedade no trabalho. Assim, a violência emergia nas querelas cotidianas ocasionadas por problemas no trabalho, apostas, dívidas ou casos
amorosos.A realidade de uma cidade portuária, com uma certa internacionalização de costumes, fez com que Santos fosse território propício aos avanços das idéias de liberdade. No final do séc. XIX apareceram as primeiras identidades referentes ao mundo do trabalho livre.
Predominavam nos serviços do porto os portugueses, seguidos pelos espanhóis.
Sua participação nos movimentos grevistas e como formadores das primeiras associações operárias foi decisiva para constituir uma das muitas imagens da cidade, a de Barcelona Brasileira.
A lei era então constitutiva do social, agenciadora das relações entre as classes, legitimadora destas relações. Altercações entre os moradores da cidade eram resolvidas com armas de fogo ou faca, e isto era visto como natural até o ponto em que pessoas não fossem feridas ou mortas. O alcoolismo era utilizado como recurso para diminuir as penas previstas nas alegações de vadiagem e vagabundagem. Entretanto, as altercações entre deputados e senadores não eram vistas como delito policial, e nem mesmo eram acusados de bebedeira. Vadio e perigoso era não só o que não tinha trabalho, como também o que paralisava o trabalho, o grevista.
Em geral, os europeus eram vistos como trabalhadores morigerados e a repressão foi mais intensa sobre os segmentos negros das classes trabalhadoras. No entanto, os imigrantes também eram vistos como idivíduos corrompidos, em busca de fortuna rápida, mas apenas os que faziam parte das classes trabalhadoras, aqueles taxados de vagabundos,mendigos, sujos e arruaceiros. A alegação de vagabundagem e vadiagemera um instrumento rápido e sumário para a intervenção no universo cotidiano deles.
A respeito destes trabalhadores portuários, lia heterogeneidade, a mobilidade, a fluidez, a indeterminação /eram seus traços constitutivos." Citando Laura de Melo e Sousa : "estas caracteristicas e a violência dos mecanismos que os rejeitaram e os incorporaram quando conveio, tolheu-lhes a possibilidade de construir uma percepção consciente da própria miséria. Este eterno sere não-ser impediu que enxergassem e compreendessem suas virtualidades, ao mesmo tempo que propiciou que outros construíssem um juízo sólido a seu respeito. Foi assim que a camada dominante, mais bem articulada,póde tecer sua ideologia da vadiagem." A chegada dos imigrantes pobres fez com que estes mecanismos de controle e exclusão fossem estendidos para o conjunto dos pobres.Já o que ocorreu com os negros nesta época foi a insegurança do cotidiano perante a expectativa de perda de trabalho e de segurança financeira, o pânico permanente ante á lei, atenta e rígida, a itínerância, o concubinato,a oposição ao poder. Todos estes fatores implicaram solidariedades temporárias e formas intermitentes de consiência de grupo. A violência foi então a forma de resistência possível para aqueles negros.
Na realidade, foi longo o caminho de re-integração e busca da identídade de Santos, havendo o engajamento das camadas mais populares e a formação de um espectro social mais voltado ao mundo da produção. O nervo político sensível da cidade de Santos foi a livre, com a expansão do café no Estado e a articulação internacional acentuada pelas continuas entradas e saidas de imigrantes." Santos é hoje uma cidade limpa e bela,higienizada e moderna, mas que infelizmente ainda conserva um pouco daquele antigo preconceito, tratando parte de seus habitantes como potenciais "marginais".
Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.Projeto Fundacentro de junho de 1997 a novembro de 1999.
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