22 de out. de 2012

Diario de Bordo I

23/03/98
Durante uma das tantas visitas ao Porto, um dos diretores do sindicato, que me acompanha, reclama: "Só eu que sou trouxa de ficar aqui dando explicaÇãO! Os caras estão me cobrando, dizendo que eu não vou trabalhar,que eu fico só dando entrevista!" É uma queixa direta para mim. Neste dia choro de novo ao voltar para casa... A rejeição é muito grande...

24/03/98
Em uma das paredes que acompanho sempre, um estivador comparece de cueca. O Diretor pede que ele se vista, pois "tem mulher por ali". O estivador responde logo: Nunca roubei ninguém!" Clima de revolta...
Na parede do 31, escuto do meu lado alguém dizer ao Diretor do Sindicato:
"Estou 4 dias sem trabalhar. Vê se arranja aí... " Um pedido suado para conseguir trabalho...
Tenho conversas informais com vários trabalhadores dentro do Ramo.
Debaixo daquele sol alucinante do cais de Santos. Chego em casa esbugalhada! Que estresse! Minha cabeça fica até tonta com as frases ouvidas durante minha estada no navio:
 "RaPidinho para morrer aí!" "A gente aqui não pode dar informação, só a Diretoria do Sindicato."
 "Aqui quem obedece a lei não consegue nada." "Veio para a estiva algemado."
 "Tem que levar eles na manha." "Sai daí que o cara quer sair!"

25/03/98
Quando pergunto a um trabalhador porque determinado serviço é feito daquela forma, escuto: «A senhora é de onde? Já não conhece o esquema da estiva?"
Enquanto caminho pelo navio com um dos estivadores que, gentilmente, se ofereceu para me acompanhar, escuto um deles gritar para meu acompanhante:
"Pára de namorar, ca... !" Fico arrepiada... E a vontade que tenho é de ir tirar satisfação com aquele trabalhador! Não aguento mais ser agredida todos os dias. Fico de saco cheio!!!
Entrevista com um profissional de um operador portuário da iniciativa privada.
Diz que o "upgrade tecnológico é rápido, mas que upgrade de cabeça é lento... "
Fico pensando na sua afirmaçãO... quantos desdobramentos tem!
Encontro um dos diretores do Sindicato e pergunto a ele se vai poder ficar comigo durante o período da manhã do dia seguinte.
E escuto sua resposta:"Vou pensar. Depende da minha boa vontade." É... quando me propus a fazer esta pesquisa, não pensei que as dificuldades seriam tão grandes!

26/03/98
Quando me preparo para tirar uma das 500 fotos que tirei durante meu projeto, um dos estivadores grita: «Vai tirar foto, tira logo!" Me dou conta, a partir de então, que tirar fotos será um outro sacrifício! Outro problema para resolver...
Entrevisto um representante do armador norueguês, de um navio de bandeira panamenha, de tripulação indiana, com estivadores brasileiros... !!! o representante deste armador norueguês, durante a entrevista, me diz que o OGMO está se transformando em um grande Sindicato...

Vejo naquele navio um trabalhador que não é daquela turma. Porque agora já conheço até as turmas... Pergunto a um estivador porque aquele cara está lá, se ele não pertence àquela turma. O estivador ri muito e me diz: "A senhora é esperta..."

27/03/98
Começo a me sentir por dentro... Converso com pelo menos 15 estivadores e tento arregimentar os primeiros trabalhadores para a entrevista roteirizada.Mas ainda me surpreendo com um estivador que pergunta ao Diretor do Sindicato porque estou batendo fotos e quase me arranca a câmera das mâos! Depois que o Diretor consegue acalmá-lo, começo a pensar que já não me sinto tão fragilizada com estas agressões... até porque começo a absorver o clima portuário e também porque alguns estivadores começam a dar sinais de convivência pacífica comigol
"Eu vi você no açúcar ontem". "Você não é aquela que estava no 31 segunda?" Isto me acalma... mas às vezes ainda escuto: "Põe ela na gaiolinha pra ver se ela morre do coração!"

Os apelidos, coisa fantástica! Todos têm, e até mais de interessante! Mas alguns apelidos eles não me contam... apelido dele? O verdadeiro a Senfwra não conhece..." um! Muito
"Ele falou o
Começo a ter problemas com as visitas ao Porto. Nenhum diretor pode me acompanhar ao cais, e o fato é que não consigo falar com nenhum estivador sem a presença deles. Tento resolver isto junto ao Sindicato, mas parece que não será fácil. Combino algumas entrevistas nas "paredes", mas com frequência eles não aparecem ou deixam recado que não vão poder me acompanhar. A pesquisa de campo torna-se muito difícil!

Entrevista com o imediato do navio: "A estiva é uma máfia f.. Tem gente que nunca pegou a pá e deu a carteira!"
Estou observando o trabalho de estiva no porão 2 de um navio. Um estivador, com uma carranca, pergunta ao fiscal de 80 o que eu estou fazendo lá! Aproxima-se de mim e coloca sua mochila exatamente onde estou apoiada, deixando-me sem apoio. Resolvo enfrentar. Permaneço lá,sem, no entanto, oferecer provocação, conversando com quem me parece mais amigável'. Após 15 minutos, aquele estivador se aproxima novamente,tira sua mochila do lugar e me pergunta se gostaria de apoiar meu braço lá.
Digo que sim e aceito sua oferta. O clima pesado se desanuvia. Estou começando a entender os estivadores...

04/98
Várias visitas ao cais, às paredes, que agora conheço de cór, e aos navios!Converso com pelo menos uns 50 estivadores durante meus 'passeios' pelos navios e pelo Porto. Os estivadores começam a se aproximar de mim. Falam muito nas suas condições de trabalho precárias. Só agora começo a não ser uma estranha. "Aquela mulher (loira' que está sempre por aqui, já vi..."

 18/04/98
Um estivador pergunta se posso tirar foto dele para mandar para a mulher que está no RN! Isto me dá uma idéia fantástica: expor no Sindicato as fotos que vou tirando, para que possam acompanhar minha pesquisa e os seus resultados.

22/04/98
Entrevista á TV Santa Cecília para explicar os objetivos do meu trabalho.
A TV local se interessa pelo projeto! E fico sabendo que vários estivadores assistiram ao programa.
Tento marcar algumas entrevistas com os estivadores, mas eles não comparecem no horário e local combinado.
Peço ao Sindicato para anunciarem pela rádio minha pesquisa, e chamarem os estivadores com quem já havia combinado uma entrevista. Parece que esta medida melhora um pouco a imagem do projeto e facilita meus contatos com eles. Mas ainda é muito difícil conseguir que concedam as entrevistas!

Projeto de pesquisa intitulado "Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos", integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999



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