22 de out. de 2012

Diario de Bordo

Diário de Bordo


04/97

Surge a idéia do coordenador do PROPOMAR para que se faça um estudo das representações dos trabalhadores do Porto a respeito do trabalho ( como já havia feito em projeto de pesquisa com os trabalhadores da Construção civil 03,04 e 05/06/97
Resolvo 'espiar' a empreitada. Primeiro contato com o Porto. Primeiro contato com um navio, com os trabalhadores e com as diferentes cargas. Primeiros passos no cais. Navios caindo aos pedaços, outros mais novos, mas tudo muito pesado e enorme! Cheiros fortes. Nada tem a ver com o "loeus" asséptico do escritório. Sinto-me fora deste ambiente.

08/97

Primeiras leituras sobre o que é o Porto: como funciona, quem são os personagens daquele contexto, quais as demandas na área de segurança do trabalho. Por quê, como, quando, quem?! Meu Deus, que coisa complicada! Não tenho certeza se vou conseguir levar adiante o projeto...Contato com o Engenheiro de Segurança Jansen Gallo, um dos parceiros para a realização do projeto. Minha salvaçãO! Conhece a fundo o Porto, sua história, suas estratégias, e - o mais raro de se encontrar - é um ótimo parceiro para se trabalhar junto! Contato com o Técnico Guanito Alves, outro técnico competentíssimo para a área portuária, e além disto, muito prestativo.
Conversas informais com colegas da área de segurança do trabalho, que não me estimulam a realizar o projeto, visto ser complicada e muito específica esta área!!! Sinto-me um pouco só na empreitada.

19/08/97

Primeira reunião com o Sindicato dos Estivadores de Santos para apresentação do Projeto. Uma mesa enorme em torno da qual todos aparentam muito receio: eu e eles. Querem saber em detalhes quem sou eu.
Uma enxurrada de perguntas, que vão aos poucos me assustando muito. Ao sair da reunião, choro. Telefono ao coordenador do PROPOMAR e digo que não estou aguentando a barra...

18/09/97

Reunião com o Sindicato na Regional da Fundacentro, em Santos. Mas desta feita não estou só. Os resultados são mais promissores. Como é dificil entender os objetivos do nosso projeto: não entendem para que pesquisar as representaÇÕes dos estivadores. Quais os beneficios e aplicaÇÕes imediatas da nossa pesquisa? Percebo que não será fácil efetuar a pesquisa de campo.

22/09/97

Ao chegarmos com o carro da Fundacentro na porta do Sindicato, alguém logo nos pergunta o que fazemos lá e o que queremos. Quando dizemos que queremos falar com o XXX, este estivador diz para eu subir sem medo que ninguém vai me machucar... Aí, sim, é que fico com medo!
Um dos funcionários do Sindicato nos concede uma entrevista. Fico apavorada quando escuto alguém, naquela sala, dizer que 'estivador' também é assassino... O funcionário, por outro lado, nos conta que trabalha à noite na estiva e que está em licença médica psiquiátrica...

23/09/07

Faço minha primeira visita ao Porto acompanhada de um diretor do Sindicato. Uma das suas perguntas: "O que a segurança tem a ver com esta sua pesquisa?" É, se as coisas não se enquadram na lógica finalista, não
interessam...
Passeando no cais com este diretor, em um trecho de nossa conversa, escuto ele afirmar: "Cada dia a gente se degladia com 1 70 homens!" Degladia... Primeiro contato com o clima portuário...

24/09/97

Reunião com um profissional da área, que me aconselha a ter muito cuidado durante minha pesquisa de campo: "Tenha muito cuidado. Ouça e não fale nada. Nunca." A sensação é que estou entrando em um quarto escuro, pronta para ser decapitada!...

10/97 a 02/98

Período de desligamento temporário do Projeto, em virtude de ter que atender a outros compromissos da Fundacentro, aliado ao fato de haver escasso movimento no porto no início do ano.

03/03/98

Reunião do PROPOMAR. Durante uma discussão sobre as diversas situaÇÕes conflituosas que estão envolvendo os diferentes personagens no cenário de modernização dos Portos, ouço que todas as reuniões do Porto "terminam no braço"! Vai ao encontro do que estou sentindo...

05/03/98

Reunião com Jansen e Guanito para definir os contorrws do projeto,objetivos e metodologia. Assusto-me sempre com a quantidade de informações novas que recebo a cada nova reunião. O Porto é uma área
muito específica, que nada tem a ver com a área industrial com a qual estava acostumada. Vislumbramos uma série de dificuldades para a realização das entrevistas e das reunioes com os estivadores!!! Problemas...

09/03/98

Em uma nova visita ao Sindicato dos Estivadores, tento apreender o ambiente e o clima. Mas ainda é dificil, para mim, ficar desacompanhada no Sindicato. Assusta-me um pouco.

12/03/98

Realizo diversas entrevistas com profissionais da área portuária e com um jornalista de Santos que assessora os Sindicatos e conhece profundamente a vida do Porto de Santos. Muito interessante a sua fala!

03/98

Visitas diárias ao cais, aos pontos de tomada de trabalho. Começo a entender as conversas dos trabalhadores. Sei o papel de cada um, entendo do trabalho, compreendo as expressões específicas e até a gíria. Começo a entender o que 'falam '!!! E começo a ficar muito interessada no projeto! Agora não quero mais voltar atrás... Bem mais entrosada com a realidade do Porto, e com os obstáculos que terei pela frente, começo a perceber que minha pesquisa junto aos estivadores não será possível sem que alguém do
Sindicato me acompanhe a cada visita minha ao Porto.

13/03/98

Sea Wolf, pirangueiro, grab, container, geral, porão, conexo, apear, cabeço,fiscal de 80, terrw, atracação; dalas, granel, quarteiro, armazém 1, vante,adubo, barreira, rechego, câmbio livre, portaló, carga, talhou...o vocabulário que passo a usar!

14/03/98

Quando estou na parede do 40, dentro da Caixa da Diretoria acompanhando o trabalho deles, um estivador passa pela janela e me vê.Em seguida, pergunta ao Diretor o que estou fazendo lá:
 "É contrabando?Quer ver se tem cocaína? Pra fazer este trabalho precisa é de cocaína!"
E continua resmungando alto contra minha presença lá! Não é fáciL ..
Mais tarde, ainda na parede da estiva, alguém me pergunta, de modo cínico,se "meu secretário não está reclamando"! Refere-se ao motorista da Fundacentro, que está com o carro estacionado no cais.
Um outro diz que eu o deixei desde as 6 da manhã ali...
Tudo isto vai me deprimindo, me deixando com o corpo muito fraco...
Às vezes tenho vontade de desistir!
Mas ao invés de desistir, resolvo não ir mais ao cais com o veiculo oficial,mas com o meu próprio carro, ainda que deva arcar com esta despesa. Mas,para minha surpresa, constato que não posso, pois isto contraria as normas do serviço público... Bem, o projeto ou as normas... Neste caso, o projeto!

Projeto de pesquisa intitulado "Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos", integrante do PROPOMAR - Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999

Nenhum comentário:

Postar um comentário