29 de out. de 2012

O Orgulho que sentem pela Estiva

Que orgulho deste trabalho!


Em que pese tratar-se de um trabalho penoso, periculoso e insalubre,violento, que exige força fisica, um alto grau de disposição psíquica e muito suor, que sabidamente dilacera o corpo do trabalhador ao longo dos anos, os depoimentos a respeito do trabalho são carregados de referências positivas:

"Por produÇãO tem aquele incentivo, aquela vontade de fazer...
que nem no açúcar... vamos colocar cinco mil!
A gente começa a gritar no porão, e os doqueiros incentivam de lã,
o guincheiro ajuda os cara a arrepiar o salário,então tem aquela influência, aquela vontade... "

"O porto pro estivador mesmo é tudo, é a vida da gente. A senhora vê, falta um dedo... torto,
foi na estiva, o braço... olha eu tã fazendo assim, a gente sente o estralo, foi da estiva, né!
A coluna, que tem hora que eu saio... subo a sacaria do açúcar todo arrebentado,
 foi na estiva... as varizes na perna, é da estiva... "

"Pode até chover, ter caído canivete, ele vai... ( pro trabalho) porque é um prazer...
que você trabalha, sabe, em contato com Deus o tempo todo.
Você tá em contato com o ar, com o céu, com o mar e você tá em contato com tudo
aquilo que é bom... "

"Alguma coisa dentro da minha... vamos supor... dentro da minha aura, ela tá ligada com o porto...
Tu vê, eu trabalhei num serviço onde eu não me sujava de graxa,
 onde eu não tinha cheiro de ferrugem na minha roupa, né!
Tinha feito o curso pra monitor postal, tinha passado...
Abandonei tudo isso pra vir pro porto,
 pra graxa, pra ferrugem, então existe alguma ligaçãO com tudo isso, né!"

O orgulho que sentem pelo trabalho realizado, ainda que garantido diariamente através de uma acirrada disputa e pelo uso de instrumentos tão violentos e estranhos aos demais ambientes de trabalho que não o
portuário, é manifestado em alto grau e constitui o eixo fundamental em torno do qual sua vida se desenvolve e define seus contornos, mostrando uma absorção osmótica dos valores do trabalho pelos valores pessoais de vida:

"A coisa mais bonita que tem é você pegar trabalho.
É um, desculpa a expressão, é um êxtase! É diferente de você trabalhar numa firma.
 Você entra numa firma, você começa a contar os dias e fala 'puxa vida,
 falta vinte e cinco anos pra me aposentar'.
Ele não quer sair, porque ele sente prazer em trabalhar, ele sente prazer em estar no cais.
Ele não quer sair. Aquilo é uma família! Porque você brinca com um, você brinca com outro...
Me desculpa a vontade de querer chorar... é um prazer imenso!
Eu sinto muito prazer em trabalhar no cais. "

"A tomada de trabalho na parede é .... a melhor coisa que tem... porque a estiva é um vício, tá!
Um vício que cada um tem, ele gosta de fazer isso,
porque aquilo ali de você chegar ali e disputar o trabalho é uma coisa assim...
Olha, a tua adrenalina vai à toda, porque você quer aquilo, tá!
Não sei te explicar o que que é, aquilo lá é a coisa mais...
(..) começam a gritar que ali ele vai... se soltar, tá?
 Jogar aquela coisa presa que tá dentro dela,dentro da pessoa, tá!
Aquilo ali... tá fazendo um bem pra você, porque, sei lá, não tem explicação.
Sem aquilo acho que não vai existir a estiva mais. "

A história de cinquenta anos do Porto de Santos se presentifica no depoimento deste estivador, trazida de forma bastante pessoal e deixando um rastro emocionalmente intenso, deixando transparecer que as
transformações do mundo do trabalho sempre engendram em si mesmas as dimensões de tempo e espaço ocupadas anteriormente:

"Naquela hora zen que você tá... na sua paz interior, te vem na cabeça o que é que tá acontecendo...
o que você já fez na tua vida dentro do porto, o que você já foi, o que o seu pai já foi,
os seus irmãos, e o que você tá sendo... o quanto tá sendo humilhado...
desprezado como ser humano. "

"Meu pai trouxe a gente pra cá...
eu vim pro cais com 16 anos trabalhar com a carteira do meu irmão.
 Eu não estudei, né, meus irmãos, nenhum de nós estudou, .fizemos só o ginásio,
não dava, não dava no cais... então nós puxamos aquilo que o meu pai fazia...
 aquilo que eu fiz... fiz no caso até hoje, eu fiz com o maior orgulho,
 com a maior vontade, pra mim o Porto de Santos é o maior...
maior trabalho do mundo. Ser estivador é o maior prazer meu é ser estivador.
Eu adoro, adoro, não so adoro como é a minha vida!
A gente que lutou pra ser o que é... é tudo do cais, tudo do cais, do cais...
O cais é a coisa mais linda que tem... a senhora me desculpa ficar emocionado...
mas, é tudo do cais... »

Projeto de pesquisa intitulado
"Representações de trabalho:um estudo dos estivadores de Santos",
integrante do PROPOMAR -
 Programa Nacional de Pesquisa sobre Segurança e Saúde dos Trabalhadores Portuários e Marítimos.
Projeto realizado pela Fundacentro no período de junho de 1997 a novembro de 1999

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