MODELOS INTERNACIONAIS
Neste tópico apresentamos as quatro grandes divisões de modelos de gestão portuária. Buscamos ampliar as informações apresentadas no item IV do Relatório nº 1, identificando as determinantes para a escolha do modelo, a participação privada, as atividades correlatas às operações portuárias que adicionam valor aos serviços e o papel do Poder Público, ao final tecendo considerações sobre a temática.
Apresentadas essas informações, no tópico seguinte serão apresentados os modelos de gestão portuária na China, Estados Unidos e Canadá, identificando suas características e as boas práticas a eles associadas.
Modelos internacionais de gestão portuária
A organização portuária e seus modelos de gestão surgiram ao longo do tempo a partir da influência de vários fatores, tais como a estrutura sócio-econômica do país, localização geográfica, a natureza das cargas operadas e as características históricas do país, entre outros fatores.
Basicamente, desse processo resultaram quatro modelos, o Porto de Serviço, o Porto Instrumento, o Porto Proprietário ou Landlord e o Porto de Serviço Privado.
Esses modelos podem ser diferenciados em relação aos seguintes fatores:
a) serviço público, privado ou misto. b) orientação local, regional ou global.
c) propriedade da infra-estrutura, inclusive dos terrenos do porto.
d) natureza jurídica do trabalho nas docas e da administração portuária.
Modelos de gestão portuária Tipo Características Local que adota
Porto de Serviço O porto é administrado e operado pela autoridade pública.
Autoridade Portuária é não apenas a proprietária da área e dos ativos do porto, mas também a responsável por sua operação.
A contratação do pessoal que opera os terminais pode ser feita por funcionários públicos ou por trabalhadores contratados.
O papel do setor público é o de exercer diretamente e exclusivamente a responsabilidade pela operação portuária, pelo investimento em equipamento para os terminais portuários e pela administração das atividades correlatas.
Modelo adotado em alguns países em desenvolvimento, como a Índia e o Sri Lanka.
Porto Instrumento
Tem em comum com o Porto de Serviço o papel da Autoridade Portuária, que é proprietária da área portuária e responsável pelo desenvolvimento e manutenção de sua infra-estrutura e equipamentos de terra, inclusive guindastes, empilhadeiras etc.
Difere do Porto de Serviço em razão das empresas privadas poderem, sob autorização, movimentar cargas privadas, usando, através de locação, equipamento portuário.
Esse tipo de gestão portuária, no entanto, vem sendo progressivamente abandonado pelos problemas que acarreta nas relações dos operadores públicos e privados. Modelo dos portos autônomos franceses.
Tipo Características Local que adota
Porto Proprietário, Landlord
A Autoridade Portuária é proprietária da área do porto e da sua infra-estrutura.
Os terrenos e instalações na área do porto, assim como a infra-estrutura portuária, são arrendados para operadores privados.
Os arrendatários são responsáveis por implantar e desenvolver os novos equipamentos portuários necessários, tais como porteiners, guindastes, empilhadeiras, mas também as instalações prediais, depósitos, oficinas, etc.
Os operadores portuários são responsáveis pela gestão de seus negócios, inclusive contratando a mão-de-obra que opera nas docas ou em atividades administrativas, pela segurança de suas instalações e pelo desenvolvimento de outras atividades relacionadas ao seu negócio.
Modelo dos portos na Espanha.
Porto de Serviço Privado
O modelo se caracteriza por serem de responsabilidade exclusivamente privada no seu funcionamento e gestão. Nos casos mais extremos, inclusive a área portuária é de propriedade privada.
Modelo comum em país como Nova Zelândia e Grã-Bretanha.
Na Grã-Bretanha não há qualquer agência responsável por sua regulação, caracterizando-se, portanto, como modelos extremos de auto-regulação.
O modelo brasileiro de gestão portuária é caracterizado pelo Porto Organizado, ou do Porto Proprietário (Landlord).
No qual, a Autoridade Portuária é proprietária das instalações portuárias, que arrenda a operação a operadores privados. Ainda, podendo arrendar terrenos nos portos para atividades que contribuam com a operação portuária, como armazéns alfandegários retroportuários, ferrovias etc
Os portos modernos têm se transformado, exigindo grande capacidade de movimentação de carga conteinerizada. Para isso, o aumento da eficiência portuária implica não apenas na melhoria da eficiência da movimentação de cargas, mas também das atividades correlatas, tais como, armazenamento, desova ou arrumação de contêineres, serviços de apoio à distribuição etc.
Essas atividades comuns nos portos proprietários europeus são chamadas de serviços de valor adicionado, relacionados à logística e às instalações ou facilidades9.
Nos grandes Portos Proprietários europeus, como Antuérpia e Roterdam e Hamburgo, existem várias empresas que atuam nessas atividades.
Em especial, cargas gerais e de contêineres têm grande potencial de atração de serviços de valor adicionado. Com a internacionalização dos negócios de operações portuárias, as maiores empresas desse setor têm cada vez mais especializado suas operações em terminais portuários, articulando-as com atividades ou serviços de valor adicionado.
Exemplificando, no maior porto de contêineres no mundo, em Kwai Chung, Hong Kong, três empresas operaram seus oito terminais nessa estrutura empresarial. A maior delas controla quatro desses terminais e recebe 60% dos contêineres que passam por porto10. Nesse porto, também operam sete companhias que fornecem serviços de estiva, seis companhias de reparo de navio e mais de 100 empresas que prestam serviços de armazenagem.
No caso do modelo brasileiro, não podemos dizer que sua origem tenha sido decorrente de um processo histórico. Como no caso europeu, a instauração do modelo nacional decorre da instauração de parte de um programa de reforma portuária11.
O início desse programa foi fortemente influenciado pelas reformas portuárias realizadas nos portos asiáticos, em especial, na Malásia, Hong-Kong e Tailândia12. A partir dessa experiência vários trabalhos passaram a recomendar a privatização dos terminais portuários como opção para os países em desenvolvimento, visando solucionar a crônica deficiência de seus portos. Como conseqüência, no início de 1993, diversos países iniciaram reformas portuárias, como a Argentina, Brasil, México e Venezuela.
Embora seja inegável a tendência de uma crescente participação da iniciativa privada nas atividades portuárias, principalmente nos terminais de movimentação e armazenagem de cargas, o Poder Público continuará a ter importante participação no desenvolvimento do setor. Diante da realidade do comércio transportado por via marítima, os investimentos e outras decisões políticas e administrativas permanecerão, em vários graus, dependentes ou influenciados por entidades públicas.
LACERDA comenta que na Inglaterra os principais portos foram privatizados, pois se acreditava que a competição entre portos seria suficiente para disciplinar os custos portuários.
Opostamente, a Autoridade Portuária de Cingapura é uma empresa estatal que atua na construção de terminais de contêineres ao redor do mundo e opera terminais na China, Camboja, Indonésia, Índia, Tailândia, Vietnã e Iêmen, obtendo excelentes resultados13.
11 CADE, Conselho Administrativo de Defesa Econômica, Ministério da Justiça, Processo Administrativo nº 08012.007443/99-17. Representante: SDE “Ex officio”. Representados: Terminal para Contêineres da Margem Direita – TECONDI, Santos Libra Terminais S/A – TERMINAL 37, Usiminas (Rio Cubatão Logística Portuária Ltda.) e Santos Brasil – TECON. Relator: Conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado, 2005. Acessível em www.cade.gov.br.
12 A Kelang Port Authority (KPA), o principal porto do país, transformou em 1985, o Kelang Container Terminal (KCT) em uma subsidiária, concedendo a ela a exclusividade para a operação no terminal. Essa privatização foi concluída quando em 1986 o Konnas Terminal Kelang adquiriu, por US$140 milhões, 51% das ações da KCT
Quanto aos investimentos, vários modelos são verificáveis no setor de infra-estrutura portuária, tais como:
a) fundos municipais, como no norte da Europa (Holanda, Bélgica e Alemanha), nos quais a responsabilidade pela política portuária é dos governos locais;
b) os modelos de investimentos realizados pelos governos centrais dos países;
c) o modelo, cada vez mais comum, de auto-financiamento portuário, em que os recursos para investimentos têm origem em empresas privadas ou nas tarifas portuárias arrecadadas pela autoridade portuária.
13 LACERDA. Sander Magalhães. Investimentos nos portos brasileiros: Oportunidades da concessão de infra-estrutura portuária. BNDES Setorial, n. 22. Rio de Janeiro: BNDES, 2005. pp. 297-315.
Considerações
Diante do exposto neste tópico, podemos comentar o seguinte a respeito da escolha do modelo de gestão da exploração portuária:
a) por comparação, no estudo dos modelos de gestão portuária que obtiveram êxito, devem ser consideradas as influências de diversos fatores conjugados, tais como a estrutura sócio-econômica do país, localização geográfica, a natureza das cargas operadas e as características históricas e sócio-econômicas de cada país.
b) modelo brasileiro não resulta tão somente de um processo de evolutivo, social e econômico, o modelo nacional decorre da instauração de um programa de reforma portuária, originado da incapacidade gerencial e financeira estatal.
c) os chamados serviços de valor adicionado, relacionados à logística e às instalações ou facilidades, cada vez mais condicionarão o êxito das administrações portuárias, devendo esses fatores serem considerados nas avaliações da rentabilidade obtida pelas administrações portuárias e pelos operadores portuários, nesse aspecto a infra-estrutura logística é fundamental.
d) a internacionalização das operações portuárias e o grande potencial de rentabilidade dos serviços de valor adicionado deverão atrair maiores empresas, cada vez mais especializadas em suas operações, vislumbrando-se, em futuro próximo, a redução do número dos pequenos operadores portuários.
e) mesmo sendo natural a ampliação da iniciativa privada nas atividades portuárias, principalmente nos terminais de movimentação e armazenagem de cargas, o Poder Público continuará a ter importante participação no desenvolvimento do setor, em razão dos investimentos demandados e de outras decisões de ordem política, econômica e administrativa. Notadamente num país com desigualdades sócio-econômicas como o nosso.
f) não é possível ser determinado um nível ótimo de intervenção estatal nas atividades portuárias, cada país opta pelo modelo mais condizente com sua realidade. A experiência inglesa difere da asiática, a desestatização total não garante o êxito de um serviço público e uma administração estatal pode alcançar êxito. g) o êxito de uma gestão portuária nem sempre guarda relação com o seu modelo, devendo a aferição de desempenho estar alicerçada em parâmetros de eficiência, como veremos nos tópicos seguintes.
Pontos relevantes para controle
Quais os principais prestadores de serviços adicionados às operações portuárias? Quais os dados disponíveis sobre a rentabilidade obtida pelos prestadores de serviços portuários por meio da oferta de serviços de valor adicionado, relacionados à logística e às instalações ou facilidades?
Projeto de Aperfeiçoamento do Controle Externo da Regulação do Tribunal de Contas da União – SEFID
Brasília/DF, 30 de novembro de 2007
Relatório do Modelo Desenvolvido de M&T para Fiscalização da Regulação Econômico-Financeira do Setor Portuário – Produto 3
www.fgv.br/sefid / www.fgvprojetos.fgv.br
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