18 de dez. de 2013

A Vida a beira do Cais dos portuários Santistas .


Sistema portuário e organização do trabalho.
 O trabalho portuário pode ser caracterizado pela arrumação  e retirada das mercadorias no convés e porões dos navios, como também, pelo trabalho na faixa de cais.
 A atividade portuária é marcada pela diversidade em função  do tipo de carga a ser transportada, acarretando inserções distintas na composição da força de trabalho
 necessária para sua execução. 
O trabalho da estiva ocorre exclusivamente nos convés e porões do navio. 
Este envolve o embarque e desembarque das cargas, conferências destas, arrumação nos porões, conserto de cargas no interior dos navios executados pelas seguintes categorias: 
estivadores arrumam e retiram as mercadorias no convés e nos porões dos navios, conferentes de carga e descarga verificam, anotam e fiscalizam toda carga embarcada e desembarcada dos navios, consertadores de carga e descarga consertam as cargas avariadas  nas operações de embarque e desembarque para que haja continuidade 
nas operações, vigias portuários cuidam da segurança das embarcações e das cargas
, trabalhadores de bloco arrumam e amarram as cargas, descem os contêineres e limpam a embarcação.

 São os chamados trabalhadores avulsos. No cais, em terra firme, é feito o deslocamento e conferência das cargas dos armazéns, o trabalho com empilhadeiras e guindastes arrumando cargas armazéns/navios.
 Estes são desenvolvidos pelos conferentes de capatazia, os operadores de guindastes e empilhadeiras entre outros, denominados doqueiros numa alusão a Companhia Docas de Santos, empresa responsável pela exploração do Porto de Santosque durou 92 anos. 
Essa denominação caracteriza o antagonismo porto versus navio.
A organização da atividade portuária está diretamente vinculada à base tecnológica da indústria marítima, que se baseia em 3 componentes fundamentais: 
os tipos de cargas a serem transportadas diversidade de pesos, medidas e condições de acondicionamento; variedade na dimensão e estado de conservação das embarcações 
e instrumentos de trabalho necessários  para o desenvolvimento da atividade de movimentação das mercadorias

 As bases tecnológicas do transporte marítimo sofreram poucas alterações  até o advento do contêiner por volta dos anos 60. Assim, durante muito tempo a base do trabalho portuário foi a força física  o que acentuava a dependência da atividade da perícia  e da iniciativa dos trabalhadores.  
Outra característica a se ressaltar é o caráter sazonal do trabalho exercido, que comporta muitas flutuações em razão do comércio marítimo e do período de safras.

  “Nessa época do ano, por exemplo, tem dias que eu não trabalho, porque não tem, porque você não consegue trabalho, tem pouco navio. Fevereiro, março e abril é pouco trabalho.” (Clemente, conferente)

 Esse caráter acaba por requerer que o trabalhador  esteja de forma permanente nas proximidades do cais em busca de trabalho, o que favoreceu, no caso santista, a constituição de uma cultura urbana  marcada por sólidas redes de comunicação e por verdadeiras “linhagens” de famílias portuáriasA formação dessas redes ocorria a partir de relações de vizinhança, parentesco e de trabalho.  
Até o final de 1990, para operar no mercado da estiva o trabalhador deveria ser sindicalizado. 
O Sindicato era o responsável pelo recrutamento e distribuição do trabalho de estivagem e desestivagem das mercadorias do navio  aos trabalhadores avulsos em pontos do cais denominados “parede”.
 O closed-shop controle do processo de trabalho estivador  pelos próprios trabalhadores acabava por regular a  entrada de novos membros  ao mercado de trabalho
. Essa reserva de mercado garantia o acesso e sindicalização  de familiares de estivadores o que explica, em parte, a existência de gerações de famílias de estivadores

Um estudo histórico sobre a constituição da categoria dos trabalhadores portuários,
 valores como valentia e orgulho forjados  num trabalho caracterizado por noções de força física e honra  formaram a base da constituição identitária da categoria
. Esses princípios estabeleciam distinções na execução  das atividades de trabalho expressos em aptidão e inabilidade, fraqueza e destreza, masculino e feminino.
 A própria identidade de portuário é construída tendo por referência um forte senso de masculinidade, sendo a coragem um importante valor moral a definir as relações sociais.

 Ainda hoje esse comportamento a exigir virilidade e força  pode implicar no desenvolvimento de posturas  de desafio a um cotidiano de risco no exercício do trabalho, excedendo, muitas vezes, limites físicos de resistência  em algumas práticas nas atividades profissionais. 
  Com a incorporação, nos anos 60 do século XX, de tecnologia no transporte de cargas contêineres, informatização do processo, modernização das instalações portuárias
 e também dos navios ocorre uma mudança na atividade de estivagem e desestivagem de mercadorias.
 Passa-se a requerer um menor número de trabalhadores na manipulação das mercadorias, 
 um trabalhador mais qualificado para a operação de equipamentos, diminuindo, assim,
 as demandas por atividades de estiva a requerem somente força física.

A Lei  8.630 de 1993 rompe com o monopólio privado da exploração do Porto de Santos e
 desencadeia uma série de profundas mudanças na estrutura  e dinâmica portuária.
 A legislação institui o Conselho de Autoridade Portuária CAP com função legislativa sobre o porto; define a administração deste como incumbência  da Companhia Docas de São Paulo CODESP; e cria o Órgão Gestor de Mão-de-obra OGMO, que elimina o controle da mão-de-obra avulsa portuária pelos Sindicatos dos trabalhadores portuários.

Nesse contexto, o Estado é o responsável pela infraestrutura; os terminais são arrendados a iniciativa privada, que deve investir em equipamentos, manutenção e operação das cargas,
 ou seja, na superestrutura, no que é denominado de modelo de porto landlord. 

A reforma portuária na maioria dos países foi feita em conjunto  com uma reforma trabalhista do setor, já que o sistema de closed- shop era vigente em muitos portos

Com o processo de modernização portuária todos os trabalhadores são transferidos para o OGMO  reposicionando a relação capital-trabalho. 
Pode-se afirmar que essa mudança não ocorreu sem conflitos, sendo necessária à criação de um grupo executivo  ligado à Presidência da República  para realizar o cadastramento de 
todos os trabalhadores portuários avulsos no OGMO.
  Assim, somente em abril de 1996,3 anos após a promulgação da Lei no. 8.630, tem início o registro e cadastro dos trabalhadores portuários em Santos.
 Mas, é somente em 2000, que todos os sindicatos de portuários avulsos perdem o direito de organizarem as escalas de trabalho.   

FONTE Ethos masculino, trabalho e cuidado à saúde entre portuários de Santos/SP  
Rosana Machin , Márcia Thereza Couto,   

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