Os anos 90 do
século XX foram marcados por um processo de mudanças na produção de bens em
nível mundial visando atender a competitividade.
Nesse contexto o transporte marítimo internacional passou por várias
adequações, particularmente, na organização portuária e no transporte e
armazenagem
de mercadorias. Os portos brasileiros, nesse período, verificaram
mudanças substantivas em razão do estabelecimento de um novo ordenamento
jurídico-organizacional baseado na
Lei de Modernização dos Portos 8.630 de
1993.
Historicamente o
trabalho portuário santista foi exercido por diferentes categorias
profissionais num sistema de trabalho ocasional, coletivo, com ritmo irregular
e controle do mercado de trabalho pelos trabalhadores organizados em
sindicatos.
Os grupos eram marcados por relações de parentesco ou amizade, estabelecendo a característica de rede .
Ou seja, o exercício do trabalho dependia mais de
informações personalizadas ou, ainda, pela condição política do que pela
resposta dada pelo mercado anônimo ou empresas na contratação de
mão de obra.
O processo de modernização
e a nova gestão do trabalho portuário abalam profundamente essa cultura.
O
impacto dessas mudanças no processo e na organização do trabalho e suas
implicações na saúde dos trabalhadores demandam maiores investigações.
A diminuição do número de trabalhadores nos ternos
a intensificar a produtividade do trabalho, a extinção de
algumas funções, o trabalho em turnos menores e noturnos, as exigências de
maior qualificação, ou mesmo, a criação de uma nova categoria profissional
multifuncional se manifestam nas experiências de saúde, adoecimento e acidentes
de trabalho.
A importância da dimensão
trabalho na conformação da identidade social e, em especial,
na identidade
masculina tem sido explorada a partir de diferentes enfoques como o universo
familiar e os processos de saúde- adoecimento.
Mais recentemente aproximações
às dimensões socioculturais da experiência dos sujeitos incorporaram a dimensão
de gênero, o que implica em inovação analítica na medida em que os homens passam
a ser tomados não apenas como dotados de corpos do sexo masculino,
mas como
sujeitos em exercício de masculinidades.
No contexto do trabalho portuário esta mudança de enfoque
propicia, a nosso ver,
reformulações na compreensão sobre a sociabilidade e suas
implicações nas relações de construção da identidade de trabalhador portuário e
no exercício próprio do trabalho;
nas concepções sobre saúde- adoecimento e nos
comportamentos e hábitos de cuidado;
nas representações sobre política, economia e mundo do trabalho e na atuação em eventos coletivos relacionados a
estes domínios.
As transformações no contexto imediato do trabalho
portuário produzidas nas últimas décadas trazem implicações acerca dos padrões
de adoecimento e sofrimento desta população específica, ao mesmo tempo em que
exigem destes sujeitos paulatina (re)produção de valores e significados aos
novos padrões de trabalho.
Os
tradicionais valores associados ao exercício do trabalho como força física, coragem, valentia, poderão com as transformações ocorridas no processo de
modernização do trabalho portuário
exigir (re)configurações.
Estas
(re)configurações no plano simbólico da experiência indicam a interconexão e o
dinamismo entre os antigos e novos padrões, seja no plano estrutural do mundo
do trabalho,
seja no plano da experiência dos que estão envolvidos no cotidiano do trabalho neste setor.
O dinamismo entre valores e práticas dos sujeitos inseridos no contexto do trabalho portuário e as consequentes necessidades de
saúde, embora determinadas pelas condições de existência, nem sempre são
percebidas e formuladas como problemas de saúde .
Portanto, sua análise requer uma aproximação à construção
das representações sociais.
Tomando-se a perspectiva de que as representações
sociais são uma forma de conhecimento prático, socialmente construído para dar
sentido à realidade da vida cotidiana.
Para os trabalhadores portuários, que
constroem as representações de si e do trabalho mediadas pelas relações
interpessoais e pelo contexto social mais amplo, as formulações
dos problemas
de saúde e dos acidentes de trabalho conjugam-se ao universo próprio das
masculinidades e de seus valores dominantes. Assim, o aporte teórico trazido
pela incorporação da lógica do conhecimento prático dos sujeitos pela vertente das representações sociais é de grande importância no campo da saúde do
trabalhador, especialmente quando se trata de controlar e prevenir os agravos e
as condições que os geram.
A fim de alcançar os objetivos propostos foi realizada
pesquisa de natureza qualitativa na área de abrangência do Porto de Santos-SP,
em 2007, em três espaços:
na faixa do cais, na 'parede' pelos trabalhadores, e
na sede do serviço médico de saúde do OGMO.
Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a técnica de
entrevista em profundidade
e anotações em diário de campo, estas provenientes
dos períodos de observação
no contexto da realização das entrevistas.
Foram entrevistados: estivadores 6,
trabalhador da capatazia 1, trabalhador do bloco 1, operadores 3, conferente 1, técnico em manutenção de máquinas 1, totalizando treze entrevistas.
Como
critério de inclusão foi observado tempo de trabalho no Porto superior a dez
anos visando à diversidade das categorias de trabalhadores existentes no
universo portuário e
os aspectos relativos ao processo de modernização em
curso.
O tempo médio das entrevistas foi de 40 minutos.
Estas foram gravadas e
posteriormente transcritas na íntegra.
O uso da entrevista em profundidade se
mostrou adequado por permitir o resgate da dimensão da subjetividade, já que a
fala dos entrevistados é reveladora de sistemas de valores, crenças, normas,
sendo significantes mesmo sem a intenção de significar.
Nesse sentido, a fala
de um pode ser representativa e informar maneiras de compreender,
significar,
perceber e agir de grupos sociais em determinados contextos históricos, sociais
e culturais. Como limitação deste estudo
pode-se referir seu caráter exploratório relativo ao processo de modernização
em curso, que envolve complexas relações no âmbito das atividades portuárias.
As
categorias temáticas criadas e analisadas são:
condições de trabalho, relação
trabalho-saúde, concepção sobre ser homem, concepção de saúde- adoecimento e
cuidado em saúde.
As interpretações
produzidas buscam articular diferentes níveis que sobressaem das falas dos
trabalhadores: o concreto no cotidiano do trabalho e as representações sobre
este;
o particular do ofício e o contexto do trabalho portuário; as condições e
vivências do trabalho
e suas implicações nos processos de saúde- adoecimento e
cuidado.
FONTE Ethos masculino, trabalho e cuidado à saúde entre portuários de Santos/SP
Rosana Machin , Márcia Thereza Couto,
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