18 de dez. de 2013

A vida no trabalho e a saúde dos portuários de Santos


 Ethos masculino, trabalho e  saúde dos portuários de Santos

 Os anos 90 do século XX foram marcados por um processo de mudanças na produção de bens em nível mundial visando atender   a competitividade.
 Nesse contexto o transporte marítimo internacional passou por várias adequações, particularmente, na organização portuária e no transporte e armazenagem 
de mercadorias. Os portos brasileiros, nesse período, verificaram mudanças substantivas em razão do estabelecimento de um novo ordenamento jurídico-organizacional baseado na
 Lei de Modernização dos Portos 8.630 de 1993.
  Historicamente o trabalho portuário santista foi exercido por diferentes categorias profissionais num sistema de trabalho ocasional, coletivo, com ritmo irregular e controle do mercado de trabalho pelos trabalhadores organizados em sindicatos.
 Os grupos eram marcados por relações de parentesco ou amizade, estabelecendo a característica de rede .
Ou seja, o exercício do trabalho dependia mais de informações personalizadas ou, ainda, pela condição política do que pela resposta dada pelo mercado anônimo ou empresas  na contratação de mão de obra
O processo de modernização e a nova gestão do trabalho portuário abalam profundamente essa cultura. 
O impacto dessas mudanças no processo e na organização do trabalho e suas implicações na saúde dos trabalhadores demandam maiores investigações.
A diminuição do número de trabalhadores nos  ternos                                                    
a intensificar a produtividade do trabalho, a extinção de algumas funções, o trabalho em turnos menores e noturnos, as exigências de maior qualificação, ou mesmo, a criação de uma nova categoria profissional multifuncional se manifestam nas experiências de saúde, adoecimento e acidentes de trabalho.
  A importância da dimensão trabalho na conformação da identidade social e, em especial, 
 na identidade masculina tem sido explorada a partir de diferentes enfoques como o universo familiar e os processos de saúde- adoecimento. 
Mais recentemente aproximações às dimensões socioculturais da experiência dos sujeitos incorporaram a dimensão de gênero, o que implica em inovação analítica na medida em que os homens passam a ser tomados não apenas como dotados de corpos do sexo masculino,
mas como sujeitos em exercício de masculinidades.
No contexto do trabalho portuário esta mudança de enfoque propicia, a nosso ver,
 reformulações na compreensão sobre a sociabilidade e suas implicações nas relações de construção da identidade de trabalhador portuário e no exercício próprio do trabalho; 
nas concepções sobre saúde- adoecimento e nos comportamentos e hábitos de cuidado;
 nas representações sobre política, economia e mundo do trabalho e na atuação em eventos coletivos relacionados a estes domínios.    
As transformações no contexto imediato do trabalho portuário produzidas  nas últimas décadas trazem implicações acerca dos padrões de adoecimento e sofrimento desta população específica, ao mesmo tempo em que exigem destes sujeitos paulatina (re)produção de valores e significados aos novos padrões de trabalho.  

Os tradicionais valores associados ao exercício do trabalho como força física, coragem, valentia, poderão com as transformações ocorridas no processo de modernização do trabalho portuário
 exigir (re)configurações.
 Estas (re)configurações no plano simbólico da experiência indicam a interconexão e o dinamismo entre os antigos e novos padrões, seja no plano estrutural do mundo do trabalho,
 seja no plano da experiência dos que estão envolvidos no cotidiano do trabalho neste setor.
O dinamismo entre valores e práticas dos sujeitos inseridos no contexto do trabalho portuário e as consequentes necessidades de saúde, embora determinadas pelas condições de existência, nem sempre são percebidas e formuladas como problemas de saúde .
Portanto, sua análise requer uma aproximação à construção das representações sociais.
 Tomando-se a perspectiva de que as representações sociais são uma forma de conhecimento prático, socialmente construído para dar sentido à realidade da vida cotidiana.

 Para os trabalhadores portuários, que constroem as representações de si e do trabalho mediadas pelas relações interpessoais e pelo contexto social mais amplo, as formulações 
dos problemas de saúde e dos acidentes de trabalho conjugam-se ao universo próprio das masculinidades e de seus valores dominantes. Assim, o aporte teórico trazido pela incorporação da lógica do conhecimento prático dos sujeitos pela vertente das representações sociais é de grande  importância no campo da saúde do trabalhador, especialmente quando se trata de controlar e prevenir os agravos e as condições que os geram. 

A fim de alcançar os objetivos propostos foi realizada pesquisa de natureza qualitativa na área de abrangência do Porto de Santos-SP, em 2007, em três espaços: 
na faixa do cais, na 'parede' pelos trabalhadores, e na sede do serviço médico de saúde do OGMO. 
   Como instrumento de coleta de dados foi utilizada a técnica de entrevista em profundidade
 e anotações em diário de campo, estas provenientes dos períodos de observação 
no contexto da realização das entrevistas.
  Foram entrevistados: estivadores 6, trabalhador da capatazia 1, trabalhador do bloco 1, operadores 3, conferente 1, técnico em manutenção de máquinas 1, totalizando treze entrevistas. 

Como critério de inclusão foi observado tempo de trabalho no Porto superior a dez anos  visando à diversidade das categorias de trabalhadores existentes no universo portuário e
 os aspectos relativos ao processo de modernização em curso.
 O tempo médio das entrevistas foi de 40 minutos.
 Estas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra.
 O uso da entrevista em profundidade se mostrou adequado por permitir o resgate da dimensão da subjetividade, já que a fala dos entrevistados é reveladora de sistemas de valores, crenças, normas, sendo significantes mesmo sem a intenção de significar.
 Nesse sentido, a fala de um pode ser representativa e informar maneiras de compreender,
 significar, perceber e agir de grupos sociais em determinados  contextos históricos, sociais e culturais.  Como limitação deste estudo pode-se referir seu caráter exploratório relativo ao processo de modernização em curso, que envolve complexas relações no âmbito das atividades portuárias

As categorias temáticas criadas e analisadas são:
condições de trabalho, relação trabalho-saúde, concepção sobre ser homem, concepção de saúde- adoecimento e cuidado em saúde.  

As interpretações produzidas buscam articular diferentes níveis que sobressaem das falas dos trabalhadores: o concreto no cotidiano do trabalho e as representações sobre este; 
o particular do ofício e o contexto do trabalho portuário; as condições e vivências do trabalho
 e suas implicações nos processos de saúde- adoecimento e cuidado.  

FONTE  Ethos masculino, trabalho e cuidado à saúde entre portuários de Santos/SP  
Rosana Machin , Márcia Thereza Couto, 

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