Relação Trabalho e Saúde
A característica de serem trabalhadores portuários há
bastante tempo e , devido a isto,
a vivência de importante transformação
histórica, econômica e política, conformam as representações sobre a relação
entre trabalho e saúde-adoecimento.
A constante alternância entre valores e práticas novas/modernas e antigas/tradicionais dá sentido à experiência dos trabalhadores. Tomando o aspecto do esforço físico, tido como inerente ao trabalho portuário por eles mesmos e pelo senso comum, vê-se a diminuição da exigência deste para a realização do trabalho o que, para muitos entrevistados, se explica pela modernização dos equipamentos e alteração substantiva nos processos de trabalho com a crescente inserção de tecnologia no manejo das cargas, fazendo com que realizem menos esforços. Em aparente desacordo com este argumento, os entrevistados lembram que estivadores e doqueiros precisam de melhor preparo físico já que o manuseio de mercadorias como o açúcar, batata e arroz exigem esforço considerável na organização dos produtos nos navios e/ou caminhões.
A constante alternância entre valores e práticas novas/modernas e antigas/tradicionais dá sentido à experiência dos trabalhadores. Tomando o aspecto do esforço físico, tido como inerente ao trabalho portuário por eles mesmos e pelo senso comum, vê-se a diminuição da exigência deste para a realização do trabalho o que, para muitos entrevistados, se explica pela modernização dos equipamentos e alteração substantiva nos processos de trabalho com a crescente inserção de tecnologia no manejo das cargas, fazendo com que realizem menos esforços. Em aparente desacordo com este argumento, os entrevistados lembram que estivadores e doqueiros precisam de melhor preparo físico já que o manuseio de mercadorias como o açúcar, batata e arroz exigem esforço considerável na organização dos produtos nos navios e/ou caminhões.
“Se você não tiver uma
estrutura, tanto física quanto psicológica, você não aguenta o trampo e, mesmo
tendo, é difícil.” (Alberto, capataz).
“Costumo dormir bem, mas hoje eu não
dormi porque eu trabalhei de madrugada... às vezes a gente não dorme muito bem
porque você pega trabalho assim, de uma forma inesperada.” (Clemente,
conferente).
“Ficar fraco, com sono, não é bom, pode interferir no meu
trabalho. Não tem como regular o sono, tudo depende da hora que eu vou
trabalhar, se eu trabalho de madrugada, eu durmo durante o dia, mas não é a
mesma coisa do que a noite.” (Gilvan, operador de máquinas).
Os trabalhadores portuários referem, particularmente, problemas com relação ao sono
em razão de jornadas alternadas e duplas de
trabalho. Além disto, relatam que o
trabalho que realizam é muito desgastante, pois exige grande concentração,
força, atenção, preocupação com a tarefa, com o ambiente e, principalmente, com
os demais membros da equipe.
Nesse
sentido, há menção a desintegração do grupo de trabalho tradicional indicando
mudanças na composição das equipes de trabalho. Referem insegurança, muitas
vezes, pois não conhecem os integrantes da equipe com os quais estão escalados, o que pode comprometer um trabalho coletivo ocasionando acidentes.
“As pessoas geralmente te estressam, é uma
coisa interpessoal, o estresse é mais pelas pessoas do que pelo serviço” (Marcos, estivador).
“É difícil criar vínculos porque a equipe não é sempre a
mesma” (André, estivador).
Esse fato retrata as mudanças operadas pela modernização dos Portos ao realizar o desmonte da atuação sindical retirando
seu poder de organizar a escala do trabalho.
As atividades portuárias são
executadas por ternos que variam conforme a tonelagem, tipo de carga e
condições operacionais dos navios. A composição das equipes de trabalho varia em razão da escalação realizada pelo OGMO, considerando o número da matrícula
do trabalhador e o último dia trabalhado. Anteriormente, era um trabalhador da categoria que montava as equipes de
trabalho. Na avaliação dos trabalhadores o OGMO conhece o trabalho portuário de
forma superficial. Sobressai a visão do trabalho como segredo de ofício passado
as gerações como fonte de orgulho e elemento de construção da identidade que
está sendo transformado. Ademais, a legislação propõe a multifuncionalidade dos trabalhadores portuários avulsos poderem realizar as tarefas de distintas
categorias praticamente acabando com as diferentes categorias profissionais que
atuam no Porto
. Os trabalhadores referem
considerável desgaste mental no trabalho em razão das condições precárias em
que se encontram muitos navios, máquinas e equipamentos.
Esta situação exige
muita concentração e é encarada como parte integrante do trabalho
conformando
uma visão de sofrimento inerente a sua dinâmica coletiva.
Destacam-se escadas
escorregadias, pisos irregulares nos convés e porões dos navios,
riscos de
lesões produzidas por guinchos, cargas suspensas e cabos de aço, equipamentos com
componentes danificados ou improvisados.A esse contexto somam-se as características e riscos deste campo de trabalho identificado pela insalubridade, ruído excessivo,
presença de poeira e gases, luminosidade deficiente, como também, o risco
relativo à característica específica das operações com produtos químicos e
siderúrgicos dentre outros realizados no Porto.
“É um trabalho meio
estressante, o barulho, a sujeira, poeira de caminhão...” (Aurélio,
estivador).
“O calor é muito, já vi cara
desmaiar lá dentro.”
(Edilson, trabalhador de bloco).
Outro aspecto mencionado pelos trabalhadores
na perspectiva do desgaste mental
são as pressões durante a execução das
tarefas, principalmente por parte das empresas em que prestam serviços para ,
por exemplo, embarque e desembarque de mercadorias antes da liberação da
fiscalização. Estes elementos reforçam achados sobre o trabalho portuário, riscos e acidentes de trabalho e sua relação com as mudanças na organização do
trabalho decorrentes da implantação da Lei 8.630/93. Indica um aumento de
acidentes de trabalho no Espírito Santo em razão do processo de modernização
portuária: modificações na organização do trabalho, aumento da produtividade, diminuição do tamanho das equipes de trabalho e mudanças no nível de comando.
Ademais, a compreensão do trabalho
portuário como uma atividade masculina, por excelência, a exigir força física,
virilidade e coragem pode ser importante elemento a conformar atitudes dos
trabalhadores de assumir riscos e desafios além de suas capacidades
físico-psíquicas colaborando com a ocorrência de acidentes de trabalho e
adoecimento. Quando o assunto é a
satisfação e o envolvimento com o trabalho
sobressaem elementos característicos
da atividade pautados numa identidade estabelecida tendo por referência o
domínio do mercado de trabalho, noção de pertencimento profissional vinculado
ao ofício e não submissão a regras disciplinares existentes em contextos fabris
ou de trabalho regular formalizado.
Assim, destacam a inexistência de rotina (grande
diversidade de cargas), liberdade no exercício do trabalho (para saírem de
férias ou faltarem ao trabalho), possibilidade de poderem fazer o próprio
salário.
Nas palavras dos trabalhadores
“Sou o meu próprio patrão ” (André,
estivador.).
A dimensão de serem
“operários sem patrões” conforma uma identidade baseada na organização do
trabalho portuário realizada pelos trabalhadores sindicalizados, numa situação
que antecede a Lei de Modernização dos Portos. Esta identidade convive hoje com
os elementos característicos do universo das transformações por que passa o
Porto e, em sua maioria, são associados à dimensão da saúde ou suas consequências
em processos de adoecimento. Nesse contexto o trabalho é definido tendo por
referência uma atividade que envolve muitos riscos, baixos salários, horários
irregulares de trabalho (finais de semana e trabalho noturno), alimentação
inadequada, inexistência de assistência à saúde e desvalorização da atividade
exercida, seja pelos empregadores, seja por parte da população.
“O tempo é tão escasso que a gente vira um
escravo do serviço” (Alberto, capataz).
“Eu me acostumo. Gostar da vida que a gente leva, perigosa, ganhando
mal, sem plano de saúde, sem ser reconhecido, sendo sempre discriminado pelos
empresários, os salários baixos, ninguém deve gostar muito disso não, mas a
pessoa se acostuma, tem que trabalhar em algum lugar” (Josias, estivador).
FONTE Ethos masculino, trabalho e cuidado à saúde entre
portuários de Santos/SP
Rosana Machin , Márcia Thereza Couto,
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