Os estivadores do porto de Santos representam um tipo de
operariado que desenvolveu formas de organização do trabalho , de ações
políticas,
valores e crenças, muito diferentes daquelas forjadas nos espaços
fabris clássicos.
A organização do trabalho que mantinham sob controle
implicava em uma estrutura onde chefe e subordinado partilhavam de valores
comuns
que não estavam inscritos nas formas tradicionais do modo de
produção
capitalista.
Em outras palavras,
a forma estrutural do sistema organizativo do
trabalho,
não era exclusivamente dada pelas propriedades objetivas da produção.
A divisão do trabalho,
nas operações de movimentação de cargas realizadas
exclusivamente nos navios,
não se assemelhava ao modelo clássico de produção.
Chefe
e subordinados articulavam suas ações no interior de uma cultura onde
autonomia,
permanência, hierarquia, pertenciam a um único sistema de relações
que não era comandado pelas formas produtivas capitalistas
planejamento,
operação, controle,
o que lhes dava a singularidade de grupo que veio a ser
chamado de
“empregados sem patrões”.
O sentido de coletivo que daí emerge é uma
construção simbólica única,
uma categoria primaria do seu pensamento.
As formas de organização que desenvolveram
no próprio fazer-se
nas suas ações com o Estado autocrático e paternalista, mediador das relações com o capital até 1980, na base tecnológica da indústria
marítima desse mesmo período
que condicionava trabalho manual em grande
escala, pequenas inversões de tecnologia em equipamentos e nos longos anos sem
alteração nos métodos de trabalho
foram construtoras de um sistema de valores
e crenças que definiam
a própria forma de suas ações.
Seus laços de
pertencimento se desenvolveram no interior de um trabalho estável,
e no ofício
orientado pela ação prática.
A base técnica e o sistema de governança que
perdurou no porto em todos os anos anteriores a 1993, tiveram peso considerável
na gestão autônoma
que detinham sobre a atividade exclusivamente manual, vista
como trabalho efetivo.
A condição de
trabalhador avulso assegurava-lhe o controle sobre o mercado de trabalho e
reforçava o sentido de pertencimento frente à administração portuária.
Esse
sistema lhes fornecia os significados que moldavam suas ações no enfrentamento
das contingências e estruturava as formas simbólicas que orientavam as
percepções sobre sua existência.
Essas formas se reproduziram em função dos
diferentes eventos históricos que enfrentaram e, a compreensão sobre a maneira
como lidam com a transformação em movimento, torna a investigação de sua
experiência, um imperativo.
Na atual
fase de modernização portuária eles são vistos como uma categoria que resiste a
inovação.
As resistências ao processo de modernização não se inscrevem no plano
econômico ou técnico, não estão vinculadas exclusivamente a uma dimensão
operacional,
mas sim e em grande maioria, associada à elementos culturais.
Pouco
se tem estudado sobre sua cultura e a ausência de aprofundamento sobre ela tem
impedido que políticas de trabalho, voltadas para novas formas organizativas no
porto,
possam ser implementadas satisfatoriamente.
Um dos pontos críticos da atual fase da mudança se referência aos embates que incluem de um lado as ações de resistência dos estivadores e do
outro, as imposições postas pelas forças transformadoras:
capital, Estado e
instituições afins.
Os impasses surgem a partir de 1993, ano da implementação
da lei 8630, a lei de modernização dos portos,
onde as ações dessas forças
modernizadoras no que se refere à
adequação da força de trabalho às novas formas organizativas, são articuladas
num campo político onde o discurso que justifica a transformação tem sua ênfase
na necessidade da mudança a partir da “naturalização” da dependência dos
trabalhadores à estrutura totalizante do mercado.
A problemática, aos olhos dessas forças, está
centrada na ideia de que sua força cultural passada, insiste em manter-se ativa
num ambiente que não lhe cabe mais
o mesmo significado, e por essa razão, é
responsável pela lentidão do alcance dos padrões de eficiência requeridos para
tornar o porto competitivo.
Essas forças optam,
exclusivamente, pela estratégia
de privilegiar os elementos inscritos na lógica do mercado onde, o império da
produtividade, demanda pela formação de um trabalhador polivalente
que
apresente maior comprometimento com o seu trabalho, capaz de adiar compensação financeira,
e conseqüentemente, aceite a redução do contingente.
Essa nova forma de gestão
do trabalho impacta os valores e os significados da profissão
constituídos
durante toda a história de vida da categoria.
FONTE
Seminário Temático Numero 16
TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO
E A
CULTURA DOS ESTIVADORES DE
SANTOS
João Carlos Gomes
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