5 de jan. de 2014

O Ser Estivador Santista

 Baseando-se num forte autoritarismo, o gerenciamento do trabalho caracterizou-se pela extrema parcelização das tarefas, pelo uso extensivo da força de trabalho pela adoção de complexas estruturas de cargos e salários, voltadas para estabelecer a divisão do coletivo operário e o controle sobre os trabalhadores.
 A crise desse padrão de uso da força de trabalho, nos anos 80, apresentada a partir de vários estudos, caso de GITAHY,LEITE, CARVALHO e RABELO, põe em evidência a dimensão dos conflitos advindos da transformação que ocupa também lugar de destaque nos estudos sobre trabalhadores portuários.  
Salerno , mostra que “a reestruturação produtiva tem sua lógica derivada de um contexto social, político e econômico, marcado pelas crises financeiras de concorrência intercapitalista
 e de conflitos entre capital-trabalho”, relativos à organização e controle da produção e do trabalho e colocam para as empresas novas necessidades de integração para dar saltos de produtividade necessários, devido tanto ao acirramento da concorrência quanto aos entraves sociais colocados às formas tradicionais de organização da produção e do trabalho, caso especifico do trabalho avulso nos portos mundiais e brasileiros. 
A formação da cultura portuária brasileira tem no Estado, um ator de especial relevância,
 pois não só foi mediador das relações entre capital trabalho como foi regulador das normas que possibilitaram a construção dos elementos estruturantes da identidade dos estivadores. 
Como categoria de sindicato avulso, os estivadores tinham, seu salário administrado pelo Estado e percebido através da entidade estivadora, agência intermediária que representava no porto os armadores. 
Além da remuneração normal, os estivadores tinham direito a 25% de adicional para
 o segundo turno de trabalho aos sábados, adicional de 35% para mercadorias que necessitem material de proteção insalubridade, adicional de 30%  para mercadorias inflamáveis periculosidade, pagamento integral do repouso semanal remunerado inclusive nos feriados, pagamento adicional de 30% do período de serviço quando sofre interrupção por motivo de chuvadireitos que foram adquiridos numa conjuntura em que o Estado populista, a partir de 1950, negociava com os trabalhadores seu projeto corporativista e que
 perdurou até o final dos anos 1990. 

A remuneração era significada como símbolo de condições de vida:
 “... no meu tempo, a gente podia mostrar a carteira preta da estiva no comércio e fazia qualquer negócio, era um sinônimo de credibilidade". Lael de Azevedo .

O decreto-lei 5452, 1/5/1943que regulamenta o trabalho de estiva  definia os contornos significantes atribuídos a ela: 

Art. 254 - 
Estiva de embarcações é o serviço de movimentação das mercadorias a bordo, como carregamento ou descarga, ou outro de conveniência do responsável pelas embarcações,
 compreendendo esse serviço a arrumação e a retirada dessas mercadorias no convés ou nos porões. 
Art. 255 - O serviço de estiva compreende:
 a) a mão de obra de estiva, que abrange o trabalho braçal de manipulação das mercadorias, 
para sua movimentação ou descarga ou carregamento, ou para sua arrumação, para o transporte aquático, ou manejo dos guindastes de bordo, e a cautelosa direção das operações que estas realizam, bem como a abertura e fechamento das escotilhas da embarcação principal e embarcações auxiliares e a cobertura das embarcações auxiliares;
 Art. 257 -
 A mão-de-obra na estiva das embarcações, definida na alínea «a» do art. 255
 só poderá ser executada por operários estivadores ou por trabalhadores em estiva de minérios nos portos onde os houver especializados, de preferência sindicalizados, 
devidamente matriculados nas Capitanias dos Portos ou  em suas Delegacias ou Agências. 

A profissão ganha sentido não porque se inscreve somente nas propriedades objetivas do trabalho, mas também na exclusividade do oficio, no controle do processo de trabalho, 
condições que se objetivavam através das articulações do sindicato com o Estado.
 O significado que atribuíam à vida que levavam tinha estreita ligação com esses direitos. 
Era a sua própria condição humana, necessária para a existência da sua forma social. 
O sindicato não significava exclusivamente o provimento do trabalho, o símbolo a ele atribuído expressava os sentidos de autonomia, de hierarquia consentida e, sobretudo de pertencimento. 
Para os estivadores o sindicato era a bandeira simbólica de uma “profissão” que entendiam possuir, um espaço sagrado que devia ser defendido das ameaças externas a ele, um construtor de ordens culturais para moldar a sua construção e ação no mundo, em outras palavras, as garantias da própria vida. 
As formas de organização do trabalho dão significado ao oficio a partir das articulações com o Estado a Delegacia de Transporte Marítimo e com a lógica produtiva  Antes de ser matriculado o trabalhador era eventual. 
Ele trabalhava com a carteira profissional.
 Era o bagrinho.
 Ele tinha que atingir um certo número de horas para pleitear a carteira de matriculado na Delegacia de Trabalho Portuário DTM. 
Depois que você pegava a carteira de matriculado ele passava um certo número de horas para passar para a condição de sindicalizado.
 Nesse tempo todo você tava praticamente numa escola.
 Você sabia as regras até chegar a ser estivador
Então tinha um rodízio de 80 dias para ocupar cargo de chefia. 
Então eu estou nesse cargo eu vou à parede, nos postos de escalação, subo, aí tem um diretor que também é na forma de rodízio, ele ocupa essa posição como fiscal, esse fiscal é que faz a escalação dos postos..
. A gente passava três anos, fazendo os meus círculos de amizade, com todos os trabalhadores da turma, praticamente, com todos os estivadores para quando após os três anos a gente ia mandar de mestre, 
aí naqueles três anos a gente já sabia as pessoas que me deram trabalho, então quando você entrava na estiva você tinha aqueles 3 anos que tinha saber tudo o que tinha no navio, 
trabalhar , 

conhecer as pessoas para que quando você fosse mandar de mestre você soubesse as pessoas que você ia levar, cada 80 dias no decorrer do ano a gente mandava de mestre,
você tinha aquele circulo de amizade, você tinha mais entrosamentos e a gente era bem mais  unidos antigamente...
 1 secretário do sindicato dos estivadores: 2007. 

FONTE
 Seminário Temático Numero 16 
TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO  E
 A CULTURA DOS ESTIVADORES DE   SANTOS

João Carlos Gomes  

Nenhum comentário:

Postar um comentário