5 de jan. de 2014

O Ser Estivador Santista 1


A construção da profissão estava relacionada a cada etapa que o trabalhador vivenciava,
 etapa que tinham como propriedade fazer a mediação para a realização da seguinte
 de tal forma que as fazes se continham. As sociabilidades eram construídas nesse percurso, 
o que implicava fortalecer o sentido de grupo.
 “Ser estivador” 
ganha significado a partir desses elementos estruturantes de sua cultura e 
dá a dimensão da sua força, 
o que explica as dificuldades de adaptação as novas formas de organização do trabalho,
 postas pela mudança.
 O trabalho ocasional que lhes fornecia mobilidade constante pelos diversos espaços da cidade
 constituía-se em elemento adicional na formação dos significados de autonomia.
 Portanto,
 a cultura não era exclusivamente, uma característica da mente,
 da estrutura cognitiva dos estivadores, mas também um universo maior,
 onde ocorriam construções de significados que colocavam através da vida que levavam,
 a formula que usavam para definir o que lhes acontecia. 
  OS significados de cooperação e amizade também tinham estreita conexão
 com processo produtivo dependente da base técnica do transporte marítimo
 que se manteve imutável por longos anos, o que dá a medida de sua força.    
Naquela época os produtos vinham em barris,
 tonéis de vinho, de azeitona,
e outros produtos salgados que vinham em barricas, 
a banha vinha acondicionada em latas de banha
 e nós tínhamos que separar esses produtos para transportar para fora do navio.
 Nós trabalhávamos em terno de até 12 homens, 
porque tinha muito serviço, era nos ternos que a gente fazia muita amizade... 
  Estivador de 1964 

A esfera do trabalho em primeiro plano mediava os sentidos de companheirismo,
 pois era no “terno” que as sociabilidades se efetivavam. 
As conexões entre as forças produtivas Estado, agências de navegação,
 sindicato reproduziam relações objetivas de valores subjetivos como poder,
 hierarquia, trabalho, amizade, e que davam significado a condição de estivador. 

As relação de trabalho no porto entre as décadas de 1930 e 1980, 
deve-se ter em mente que subjacente ao padrão de racionalização 
do processo produtivo mediado por um Estado monopolizador de um conjunto de atividades,
 está uma conjuntura marcada pelo ciclo de industrialização nacional que apresentou 
ritmo acelerado do emprego e da expansão do produto. 
  Nas décadas de 60/70 do século XX a conjuntura política, 
social e econômica marcada por forte intervencionismo do Estado,
 impôs aos estivadores novas formas de significação em função das novas relações
 entre sindicato e Estado e da própria relação na intervenção militar com a sociedade,
 contudo a força original da ordem cultural que mediava a vida do estivador
 manteve-se intacta porque as relações produtivas base técnica e organizativa não foram alteradas. 
  A área portuária, 
como monopólio do Estado,
 não funcionava como um empreendimento produtivo capitalista clássico. 
Sua gestão não implicava em padrões de competitividade entre firmas, modelo dos portos atuais. 
Os custos operacionais estavam associados à simples interface física 
de embarque e desembarque de cargas que determinava o conceito de porto da época. 
O núcleo simbólico da existência da classe 
estava localizado no tipo de trabalho e 
na remuneração estilo único facultado pela atividade do trabalho. 
O significado atribuído a noção de eficiência 
estava associado às possibilidades de ganho uma vez que o trabalho era remunerado por produção.
  ...A eficiência do trabalho você sabia pelo conferente,
 porque todo o movimento do navio o conferente anotava, 
quando terminava o trabalho você sabia quanto foi movimentado. 
Aí você sabia quanto tinha para receber. No passado, quem fazia isso tudo era a estiva...
 1 secretário do sindicato dos estivadores 2007. 

Os anos 1980 marcam o inicio de um grande processo de transformação
 em termos dos portos nacionais e do porto de Santos.
 A empresa Gaffrée, Guinle & Cia tem sua concessão  encerrada e a partir de 7/11/1980,
 a administração do porto passa para as mãos da Companhia Docas do Estado de São Paulo 
- Codesp.  
Nesse período, 
em termos mundiais vivia-se a desregulamentação do transporte marítimo internacional
 sob o comando dos principais países desenvolvidos objetivando
 a abertura dos mercados ao desenvolvimento de grandes empresas globais de navegação
 que pertenciam a iniciativa privada.
 Presencia-se a intensificação do uso do contêiner para o transporte de carga geral
 proporcionando profundas transformações nos portos mundiais.
 Em 1983, 
articulações políticas anunciavam um novo tempo e os estivadores,
 tal qual em períodos mais perturbadores, sentem os riscos.
 Notas publicadas nos jornais
 “A tribuna” – “Cidade de Santos” da cidade de Santos e do
 “O Estado de São Paulo” em 23/3/1983,
 informavam que no ultimo encontro Regional da Indústria-Santos,
 realizado no Holliday In para 230 participantes,
 a palestra proferida pelo presidente da Codesp, Dr. Sergio da Costa Matte 
destacava a necessidade de unificação das categorias portuárias
a criação de terminais privativos no portos.

 No final dos anos 80
 o Brasil se inclui entre os países que iniciam reformas com o objetivo
 de diminuir a intervenção do Estado na economia dando origem as privatizações.
  A Lei 8630, promulgada em 25 de fevereiro de 1993
 conhecida como Lei de Modernização dos Portos, 
vem com o propósito de adequar a estrutura dos portos brasileiros ao novo processo. 

As mudanças são profundas, pois alteram radicalmente a
 ordem cultural que ordenava os significados da vida para os estivadores. 
A introdução da figura do operador portuário 
– empresas privadas que realizam o embarque e o desembarque das cargas, 
e a criação por elas, 
do Órgão Gestor de Mão-de-Obra OGMO
 impõem novas relações de trabalho. 
Do ponto de vista da presença de novos atores no processo de governança do porto,
 o OGMO abala os significados de pertencimento que só fazia sentido com o sindicato.
 Se o Estado e os armadores no passado garantiam a forma social do sindicato
 enquanto controlador do mercado de trabalho, agora esta forma social se altera com 
o OGMO, pois enquanto representante do capital, 
substitui o sindicato nos aspectos primordiais da gestão da força de trabalho avulsa .  

FONTE
Seminário Temático Numero 16 
TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO  E 
A CULTURA DOS ESTIVADORES DE   SANTOS
João Carlos Gomes  

Nenhum comentário:

Postar um comentário