A construção da profissão estava relacionada a cada etapa
que o trabalhador vivenciava,
etapa que tinham como propriedade fazer a
mediação para a realização da seguinte
de tal forma que as fazes se continham.
As sociabilidades eram construídas nesse percurso,
o que implicava fortalecer o
sentido de grupo.
“Ser estivador”
ganha significado a partir desses elementos
estruturantes de sua cultura e
dá a dimensão da sua força,
o que explica as
dificuldades de adaptação as novas formas de organização do trabalho,
postas
pela mudança.
O trabalho ocasional que lhes fornecia mobilidade constante pelos
diversos espaços da cidade
constituía-se em elemento adicional na formação dos
significados de autonomia.
Portanto,
a cultura não era exclusivamente, uma
característica da mente,
da estrutura cognitiva dos estivadores, mas também um
universo maior,
onde ocorriam construções de significados que colocavam através
da vida que levavam,
a formula que usavam para definir o que lhes
acontecia.
OS significados de cooperação
e amizade também tinham estreita conexão
com processo produtivo dependente da
base técnica do transporte marítimo
que se manteve imutável por longos anos, o
que dá a medida de sua força.
Naquela época os produtos vinham em barris,
tonéis de vinho,
de azeitona,
e outros produtos salgados que vinham em barricas,
a banha vinha
acondicionada em latas de banha
e nós tínhamos que separar esses produtos para
transportar para fora do navio.
Nós trabalhávamos em terno de até 12 homens,
porque tinha muito serviço, era nos ternos que a gente fazia muita
amizade...
Estivador de 1964
A esfera do trabalho em primeiro plano mediava os sentidos
de companheirismo,
pois era no “terno” que as sociabilidades se efetivavam.
As
conexões entre as forças produtivas Estado, agências de navegação,
sindicato
reproduziam relações objetivas de valores subjetivos como poder,
hierarquia, trabalho,
amizade, e que davam significado a condição de estivador.
As relação de trabalho no porto entre as décadas de 1930 e
1980,
deve-se ter em mente que subjacente ao padrão de racionalização
do
processo produtivo mediado por um Estado monopolizador de um conjunto de
atividades,
está uma conjuntura marcada pelo ciclo de industrialização nacional
que apresentou
ritmo acelerado do emprego e da expansão do produto.
Nas décadas de 60/70 do século XX a
conjuntura política,
social e econômica marcada por forte intervencionismo do
Estado,
impôs aos estivadores novas formas de significação em função das novas
relações
entre sindicato e Estado e da própria relação na intervenção militar
com a sociedade,
contudo a força original da ordem cultural que mediava a vida
do estivador
manteve-se intacta porque as relações produtivas base técnica e
organizativa não foram alteradas.
A área
portuária,
como monopólio do Estado,
não funcionava como um empreendimento
produtivo capitalista clássico.
Sua gestão não implicava em padrões de
competitividade entre firmas, modelo dos portos atuais.
Os custos operacionais
estavam associados à simples interface física
de embarque e desembarque de
cargas que determinava o conceito de porto da época.
O núcleo simbólico da
existência da classe
estava localizado no tipo de trabalho e
na remuneração
estilo único facultado pela atividade do trabalho.
O significado atribuído a
noção de eficiência
estava associado às possibilidades de ganho uma vez que o
trabalho era remunerado por produção.
...A eficiência do trabalho você sabia pelo conferente,
porque todo o
movimento do navio o conferente anotava,
quando terminava o trabalho você sabia
quanto foi movimentado.
Aí você sabia quanto tinha para receber. No passado,
quem fazia isso tudo era a estiva...
1 secretário do sindicato dos estivadores
2007.
Os anos 1980 marcam o inicio de um grande processo de
transformação
em termos dos portos nacionais e do porto de Santos.
A empresa
Gaffrée, Guinle & Cia tem sua concessão
encerrada e a partir de 7/11/1980,
a administração do porto passa para
as mãos da Companhia Docas do Estado de São Paulo
- Codesp.
Nesse período,
em termos mundiais vivia-se a
desregulamentação do transporte marítimo internacional
sob o comando dos
principais países desenvolvidos objetivando
a abertura dos mercados ao
desenvolvimento de grandes empresas globais de navegação
que pertenciam a
iniciativa privada.
Presencia-se a intensificação do uso do contêiner para o
transporte de carga geral
proporcionando profundas transformações nos portos
mundiais.
Em 1983,
articulações políticas anunciavam um novo tempo e os
estivadores,
tal qual em períodos mais perturbadores, sentem os riscos.
Notas
publicadas nos jornais
“A tribuna” – “Cidade de Santos” da cidade de Santos e
do
“O Estado de São Paulo” em 23/3/1983,
informavam que no ultimo encontro
Regional da Indústria-Santos,
realizado no Holliday In para 230 participantes,
a palestra proferida pelo presidente da Codesp, Dr. Sergio da Costa Matte
destacava a necessidade de unificação das categorias portuárias,
a criação de
terminais privativos no portos.
No final dos anos 80
o Brasil se inclui entre
os países que iniciam reformas com o objetivo
de diminuir a intervenção do
Estado na economia dando origem as privatizações.
A Lei 8630, promulgada em 25 de fevereiro de
1993
conhecida como Lei de Modernização dos Portos,
vem com o propósito de
adequar a estrutura dos portos brasileiros ao novo processo.
As mudanças são profundas, pois alteram radicalmente a
ordem
cultural que ordenava os significados da vida para os estivadores.
A introdução
da figura do operador portuário
– empresas privadas que realizam o embarque e o
desembarque das cargas,
e a criação por elas,
do Órgão Gestor de Mão-de-Obra OGMO
impõem novas relações de trabalho.
Do ponto de vista da presença de novos
atores no processo de governança do porto,
o OGMO abala os significados de
pertencimento que só fazia sentido com o sindicato.
Se o Estado e os armadores
no passado garantiam a forma social do sindicato
enquanto controlador do
mercado de trabalho, agora esta forma social se altera com
o OGMO, pois
enquanto representante do capital,
substitui o sindicato nos aspectos
primordiais da gestão da força de trabalho avulsa .
Seminário Temático Numero 16
TRANSFORMAÇÃO DO TRABALHO
E
A CULTURA DOS ESTIVADORES DE
SANTOS
João Carlos Gomes
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