Exmo.
Senhor:
Diretor do EXPRESSO
No passado dia 18 de Junho de 2015, foi
publicada uma notícia no vosso jornal, edição digital, com o título “Organização Internacional do
Trabalho não deu razão aos estivadores na queixa contra o Estado português”,
da autoria do Jornalista, Sr. João Palma-Ferreira, que nos deixou estupefatos.
A nossa
estupefação teve origem no teor da notícia, a qual, através de uma “mistura” de
realidade com ficção, deu uma imagem completamente deturpada, quer do fato que
deu origem à notícia em si mesma, quer do enquadramento de toda a restante
factualidade com aquele relacionada, sempre, diga-se, em desabono e descrédito
da imagem pública dos estivadores portugueses.
Tudo isto,
note-se, sem que os diretamente visados Sindicatos Portuários e trabalhadores
por eles representados tenham sido ouvidos sobre o tema objeto da notícia.
Com todo o
respeito pelo Jornalista, Sr. João Palma-Ferreira, a notícia de que é autor e
que aqui se contradita, mais parece uma “encomenda” político-empresarial do que
a comunicação de um fato à opinião pública, sendo entendimento deste Sindicato
que, dada a seriedade daquele Jornalista, tudo não terá passado de um “mau dia”
na vida deste último, em que, de forma involuntária, não observou os normais
cuidados inerentes à profissão.
De resto,
como vem sendo prática corrente nos últimos tempos, a imprensa teve acesso ao
Relatório da OIT antes dos seus
destinatários, pelo menos no que à parte sindical respeita.
Passando à
notícia em si mesma, é importante referir que o relatório da OIT não é uma decisão judicial, não deu
definitivamente por encerradas as questões suscitadas pelos Sindicatos, nem,
tão pouco, a mesma implica o fim do processo de luta sindical relativo à lei do
trabalho portuário.
Acresce,
ainda, que a questão da carteira profissional nunca foi regulamentada pelo
Governo Português, não havendo um só trabalhador
portuário que exerça funções que tenha qualquer carteira profissional,
sendo, por isso, falsa nesta parte a notícia.
Quanto ao
custo das greves, os valores são indicados de forma aleatória, sem qualquer
suporte concreto, havendo apenas o cuidado de referir números elevadíssimos sem
que se diga onde, quando, e de que forma foi feito o seu apuramento; tais
elementos seriam importantes para poderem serem confrontados com os valores
declarados pelos alegados prejudicados em sede fiscal, por forma a poder-se
aferir da veracidade de tais afirmações (porque será que os operadores portuários de Lisboa nas ações
judiciais que avançaram contra o Sindicato dos Estivadores de Portugal todas terminadas por acordo sem
pagamentos de quaisquer indenizações, apenas invocaram prejuízos a rondar o
milhão de euros?).
Aliás, em lado algum, qualquer um dos
inúmeros opinion makers favoráveis
às teses politico-empresariais do setor portuário explicita quais os itens que
compõem a fatura portuária, qual o
peso que os custos salariais no porto
de Lisboa têm na mesma, nem tão pouco demonstram, com exemplos concretos, ou
seja com cópias das respectivas faturas, quais as diferenças entre os valores
globais da fatura portuária no porto
de Lisboa e nos outros portos onde,
alegadamente, se vive uma “grande paz
social” e a Lei do Trabalho Portuário
é “escrupulosamente” cumprida como
por exemplo o porto de Leixões .
No que
concerne ao desemprego e precaridade, os mesmos são hoje uma realidade no setor,
vendo o que se passou no porto de
Aveiro após a publicação da Lei nº3/2013, de 14 de Janeiro, onde mais de duas
dezenas de trabalhadores vinculados
ficaram sem colocação, tendo aumentado substancialmente o número de avulsos,
tendo também sido demitidos 48 trabalhadores
no porto de Lisboa, esse foi um dos
motivos das greves ocorridas nos anos de 2013 e 2014, que terminaram com a
recolocação e readmissão dos trabalhadores.
Aliás,
basta uma simples leitura da lei nº3/2013, para se constatar que a mesma, entre
outras coisas, veio permitir a dupla cedência de trabalhadores temporários, ou seja, uma empresa de trabalho
temporário pode recorrer a trabalhadores
temporários de uma outra empresa similar para, por sua vez, os ceder a um
terceiro utilizador.
Tal comportamento que, no Código do Trabalho é considerado
contraordenação muito grave – cfr.
artº.173º, nº7, do citado diploma no setor portuário é legítimo, tendo a lei
do trabalho portuário afastado
expressamente a sua penalização cfr. artº.9º, nº4, da Lei nº3/2013, de 14 de
Janeiro . Aceitando este Sindicato que a lei tem que tratar como igual aquilo
que efetivamente o é, e de forma desigual aquilo que não é igual, a verdade é
que, ainda assim, não se concebe que um comportamento que a lei, de forma geral
e abstrata, considera ilícito para todos os setores da nossa economia possa ser
considerado lícito apenas no setor portuário.
Note-se que se trata de trabalhadores
precários e não trabalhadores efetivos,
ou seja, a Lei nº3/2013, de 14 de Janeiro facilita, e muito, o crescimento do
trabalho precário no setor portuário
veja-se, v.g. os artºs.7º e 9º da lei, em que todas as modalidades de
trabalho precário são previstas com limites menos apertados do que os regimes
previstos no Código do Trabalho -.
Quanto à
nova empresa de trabalho portuário Porlis Empresa de Trabalho Portuário,
Ld.ª , aquilo que se pode dizer é que o Jornalista, João Palma-Ferreira, deu
como boa, sem confirmar, a campanha de desinformação feita à volta das greves
do porto de Lisboa, na qual se afirmou ter sido criada uma nova empresa de
trabalho portuário no porto de Lisboa, que tinha procedido à
contratação de trabalhadores portuários
despedidos no ano anterior. Tal afirmação é falsa, pois não existe um só trabalhador da Porlis Empresa de
Trabalho Portuário, Ld.ª. que tenha
trabalhado no porto de Lisboa antes
de ser admitido por aquela, a qual, em flagrante violação do disposto no
artº.535º do Código do Trabalho, foi somente criada por um Grupo empresarial
que opera no porto de Lisboa, para
permitir a criação de uma poule de trabalhadores que pudesse substituir os
grevistas (talvez por isso, o Grupo ETE não tenha querido participar na dita
empresa).
Por fim, refira-se
que o próprio relatório da OIT não
considera que o assunto em apreço no mesmo esteja encerrado em definitivo,
resultando da parte conclusiva do mesmo uma série de recomendações, podendo, e
devendo, salientar-se a constante da alínea c) do ponto 85, no qual se convida
o Governo Português a apresentar futuramente novas informações na sequência de
um acordo de 12 de Setembro de 2012 relativo ao novo quadro legal do trabalho portuário.
Que acordo é esse? Qual o
seu teor? Quem foram os seus outorgantes? Qual a representatividade dos mesmos
no quadro global dos trabalhadores
portuários portugueses? Qual a exequibilidade do dito acordo no atual
quadro organizativo do trabalho no setor portuário
português?
As
respostas a tais questões deveriam ter sido conhecidas pelo Jornalista, Sr.
João Palma-Ferreira, antes de avançar para a publicação de um artigo cujo
efeito foi apenas propagandear a versão politico-empresarial
e não esclarecer a opinião pública.
O aludido
acordo de 12 de Setembro de 2012, é composto por 8 páginas, as quais contêm
tudo aquilo que veio a ser contemplado pela Lei nº3/2013, de 14 de Janeiro,
tendo sido subscrito, no lado sindical, somente pela Federação Nacional dos
Sindicatos dos Trabalhadores Portuários,
a qual, no seu todo, não representa mais de 18% do total de trabalhadores portuários e, ainda
assim, tal acordo não foi sequer objeto de apreciação e votação pelos trabalhadores associados dos Sindicatos
que integram a Federação, os quais não foram sequer ouvidos por aqueles que
alegam falar em seu nome (desafia-se aqui o Jornalista, Sr. João
Palma-Ferreira, a obter cópia certificada de uma só ata em que o acordo em
causa tenha sido dado a conhecer aos sócios dos Sindicatos que integram a
Federação).
Para além
disso, o próprio Acordo, e também a Lei, contemplam situações que são
inexequíveis, tendo dado origem a situações que, se não fossem de uma gravidade
extrema, seriam risíveis.
Como
exemplo, pode referir-se o fato de quer no Acordo de 12 de Setembro de 2012,
quer na Lei nº3/2013, de 14 de Janeiro, ficou previsto um limite máximo para o
trabalho suplementar de 250 horas anuais – cfr. artº.7º, nº6, da Lei -. Ora,
sabendo todos os signatários do Acordo de 12 de Setembro de 2012 que tal
limitação não era para cumprir, porque, de fato, a organização das empresas de estiva não o permite, optaram por uma
solução simples que foi agir como se, nessa parte, a lei não existisse.
A única
exceção verificou-se no porto de
Leixões, no qual foi implementada uma regra que, em si mesma, constitui ela
própria uma flagrante violação à definição de trabalho suplementar prevista no
artº.226º do Código do Trabalho, segundo a qual, considera-se suplementar todo
o trabalho prestado fora do horário de trabalho; no porto de Leixões, todo o trabalho prestado em Sábado, Domingos e
Feriados, não é considerado trabalho suplementar (???) – cfr. cláusula 47ª-A,
do CCT, publicada no BTE, nº34, de 15/09/2014 -.
Lisboa, 18
de Julho de 2015
António
Mariano
Presidente da Direcção
Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal
Presidente da Direcção
Sindicato dos Estivadores, Trabalhadores do Tráfego e Conferentes Marítimos do Centro e Sul de Portugal
https://oestivador.wordpress.com/2015/08/17/carta-ao-director-do-expresso-a-proposito-da-noticia-que-dava-conta-de-que-a-organizacao-internacional-do-trabalho-nao-deu-razao-aos-estivadores-na-queixa-contra-o-estado-portugues/
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