Como ampliar a
participação privada sem abandonar o controle público?
Lei para distinguir
terminais públicos de privados, alegam críticos, apenas delimita área do ‘porto
organizado’ e impõe licitações dentro dela
A confirmação pelo
Tribunal Regional Federal de Porto Alegre, na terça-feira 20, da liminar obtida
pela Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Paranaguá, que questiona as
consultas públicas conduzidas pela Secretaria de Portos do governo federal (SEP)
para redefinição dos espaços público e privado naquele porto, o maior
exportador de grãos do País, foi recebida com alívio por centenas de empresas e
entidades ligadas à cadeia produtiva articulada em torno do corredor de
exportação paranaense.
Segundo a decisão
unânime da quarta turma do TRF, “revela-se adequada e necessária a apresentação
de estudos técnicos prévios, a fim de garantir a efetiva e real participação
popular nas consultas públicas destinadas à discussão acerca dos contornos da
redefinição da poligonal do porto”.
O caso é objeto de
intensas discussões e envolve a entidade e a Associação dos Terminais
Portuários Privados, integrada por multinacionais como a Bunge, Cargill,
Ferrous, ThyssenKrupp, além da Samarco, Vale, Mineração Rio do
Norte e outras empresas de grande porte. A ATP solicitou em setembro o ingresso
na ação dos comerciantes paranaenses como amicus curiae, figura
jurídica que admite a participação de terceiros em uma relação processual com a
finalidade de fornecer subsídios às decisões dos tribunais.
O desfecho dessa
disputa extrapolará o caso específico e afetará a normatização do uso dos
portos no País. “A grande discussão no setor, travada hoje muito claramente em
torno do porto de Paranaguá, está relacionada à alteração da chamada poligonal
do porto, que é a área do porto organizado.
A solução da lei
12.815, de 2013, para distinguir os terminais públicos (aqueles que são
licitados e prestam serviço público portuário) dos terminais privados (que
prestam serviço portuário privado fora do controle do poder público) foi
delimitar uma área denominada porto organizado, e estabelecer que dentro dela o
regime de serviço público e os terminais têm de ser licitados, e fora dos seus
limites os terminais não precisam ser licitados e prestam serviços portuários
privados”, diz Cesar Augusto Guimarães Pereira, do escritório Justen, Pereira
Oliveira & Talamini, representante da associação de Paranaguá.
Segundo o
advogado, a questão “mexer a cerca” de lugar, um problema importante a ponto de,
na sua decisão, o TRF reforçar a necessidade de estudos técnicos prévios
“inclusive para avaliação do potencial impacto da revisão das poligonais do
porto”.
A área do chamado
porto organizado é definida legalmente como bem público e “recortá-la para
acomodar interesses privados é comparável a aceitar a presença irregular de uma
indústria poluidora em uma área exclusivamente residencial”, diz Pereira. A seu
ver, a preferência deveria ser por ampliar a área do porto organizado, não
reduzi-la.
Mantida a condução
atual pela SEP, se a poligonal for alterada e áreas atualmente públicas
sujeitas ao regime do porto organizado se tornarem privadas e tiverem sua
exploração autorizada, “haverá em poucos anos a destruição do porto público,
como já está ocorrendo em São Francisco do Sul e Itapoá e em Itajaí e
Navegantes, em Santa Catarina”.
O resultado será
colocar toda a cadeia produtiva “nas mãos das empresas que vierem a explorar
tais terminais de uso privado, eliminando qualquer controle público efetivo e
subordinando o futuro de Paranaguá aos desejos dessas empresas”.
Indagada sobre o
assunto, a SEP afirmou que os estudos por ela própria apresentados no processo
referente à adaptação dos polígonos das áreas dos portos organizados de
Paranaguá e Antonina “são suficientes para promover a adaptação das referidas
poligonais”.
Segundo a SEP, “todas
as áreas contidas nas atuais poligonais, se forem de propriedade pública e
estiverem sob a responsabilidade da autoridade portuária, estão mantidas nas
propostas da Secretaria de Portos”.
A retirada de algumas
áreas das atuais poligonais se dá “por serem bens de propriedade ou sob o
domínio ou posse legal de particulares, ou dos municípios de Paranaguá e
Antonina, ou porque estão sendo utilizadas em finalidades públicas incompatíveis
com a atividade portuária, como as reservas indígenas e áreas de preservação
permanente ou de proteção ao patrimônio histórico, por exemplo”.
A oposição
explicitada nesse trecho da resposta da SEP, de reservas indígenas, áreas de
preservação permanente ou de proteção ao patrimônio histórico à atividade
portuária, não está acima de controvérsias.
Os imóveis a serem
retirados das poligonais, informa a SEP, já não são de responsabilidade da
autoridade portuária e não podem ser licitados pelo porto público, sob pena de
desrespeito aos direitos de propriedade, domínio ou posse legal de terceiros,
ou de descumprimento de outras leis que destinaram áreas para finalidades
públicas incompatíveis com a atividade portuária.
Para o advogado
Rafael Wallbach Schwind, do mesmo escritório de Pereira, a incerteza a respeito
do impacto da alteração das poligonais “é extremamente prejudicial aos
investidores.
Nenhum investidor
quer aplicar recursos numa região em que a poligonal poderá simplesmente ser
alterada sem nenhum critério técnico adequado, sem estudos prévios. É essencial
que haja estudos prévios a qualquer alteração das poligonais para os investidores
terem segurança para investir, seja em terminais de uso privado, seja em
arrendamentos portuários”.
Solicitada a se
manifestar sobre a decisão do TRF de Porto Alegre, a Associação dos Terminais
Portuários Privados não respondeu até o fechamento desta matéria
Fonte Cara Capital
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