USL: do
mega-sonho ao mega-pesadelo
Texto
publicado na Porter - Revista
dos Transportes Internacionais Portugueses, editada por CidadesTur Soc. de
Representações, Publicidade e Turismo, de Lisboa e Porto/Portugal, em janeiro
de 1987:
A notícia caiu como uma
bomba, há pouco mais de um mês, nos meios marítimos internacionais, e por se
tratar de um caso de grande relevância, pelas suas graves conseqüências, merece
que a analisemos.
Malcom McLean, de 73 anos, foi até agora um gigante poderoso
através da McLean Industries Inc. e suas filiais de navegação United
States Lines Inc. e U.S. Lines (SA) Inc.
Deve-se ao seu impulso o lançamento da contentorização ns
E.U.A e, como armador, a maior frota especializada, hoje, com 44
navios porta-conteineres.
Tinha uma ambição: dominar o mercado internacional do
conteiner com navios modernos, cujo pavilhão estivesse presente em todos os
oceanos, imparável acutilância de marketing e prática de
fretes baixos, altamente competitivos, para o que seguia uma política de
autêntico outsider, ignorando as Conferências marítimas,
tornando-se numa autêntica super-conferência privada.
Pois a 24 de novembro último, essa ímpar organização
depositou junto do Tribunal do Distrito Sul de Nova Iorque o pedido de
proteção ao abrigo do capítulo 11 da Lei federal de falências. Essa
proteção permite suspender serviços não rentáveis, continuar a exploração dos
que considere de interesse e suspensão temporária de qualquer ação por parte
dos credores, tudo isto por um determinado período.
Mas como foi possível chegar-se a esta situação?
Quando, há uns dois anos, se soube que McLean fez uma encomenda de 12 navios porta-conteineres de 4458 Teus ao
estaleiro sul-coreano Daewoo, no montante fantástico de 570 milhões de dólares,
a concorrência pensou tratar-se de um jogo. De fato, não o era, pois que essa
encomenda correspondia à decisão de implantar um serviço conteinerizado round
world, isto é, uma poderosa e absorvente linha de navegação à volta do
Mundo, a qual teve o seu arranque logo após as primeiras entregas de navios.
Foi um sonho de curta duração. No final de 1985 a
companhia apresentava um prejuízo de $ 72,5 milhões, no primeiro semestre de
1986 $ 147,6 milhões e no 3º trimestre $ 92 milhões, o que perfaz um prejuízo
de $ 239,6 milhões no final dos nove meses do ano passado.
Vários erros fatais estão na origem deste descalabro: a
capacidade dos navios era superior às potencialidades dos portos de escala,
além da proliferação destas; a própria natureza lenta dos super
porta-conteineros, o que diminuía a sua rotação e conseqüente exploração
comercial e industrial; a alternativa tomada de só operar unidades de 40 pés, o
que já fora quase fatal na má experiência da Sealand com as unidades de 35'; as
taxas de fretes extremamente baixas praticadas e, como exemplo, refira-se que
um 40' da USL, da Europa para o Extremo Oriente, era taxado a cerca de $
1.200/1.300, portanto abaixo do que outros concorrentes cobravam para um 20'; o
facto de os novos navios se destinarem a operar em áreas de mercado de
competição quente; as enormes somas de juros bancários que a referida encomenda
provocava.
De todos estes fatores negativos, estamos em crer que o
acelerador da perda de solvência foram os prejuízos financeiros, não podendo a
USL continuar a responder aos seus compromissos bancários.
A rotura verificada redundou, inevitavelmente, em
múltiplas vítimas.
O fim do serviço à volta do Mundo foi um choque para os
seus portos de escala: Nova Iorque, Rotterdam, Khor Fakkan, nos Emiratos Árabes
Unidos , Singapura; Hong-Kong; Kaohsiung; Kobe;
Yokohama; Long Beach; Panama e Savannah.
Em agosto de 1986, a USL abandona o porto de Fos, perto de
Marselha, e a propósito lembramos o que escrevemos no artigo desta revista
"Portos: A Evolução Necessária", p. 20, nº 33. Ao mesmo tempo, era
anulada a escala de Jeddah, na Arábia Saudita.
Recentemente, para a operação portuária de mais de mil
conteineres , em Singapura, para o American New Jersey, bem como de
600 unidades do American Oklahoma, navios que estiveram ali retidos
por dívidas de bancas em outros portos, a USL teve de avançar
verbas no montante de US$ 780.000. De fato, perdida a confiança, a frota
arrisca-se a não se poder reabastecer em escala e, até, a serem arrestados os
navios e o respectivo parque de conteineres, em vários portos do mundo.
Outra vertente da questão, e não menos importante, é a
social. Para obviar ao desemprego, os quadros da USL, na Inglaterra, acabam de
constituir a sociedade Brit-Ocean Agencies para a comercialização, no Reino
Unido, dos novos serviços marítimos da Nedlloyd nas rotas do Atlântico Norte e
Sul, bem como do Golfo do México. Além disso, aquele armador teria absorvido
pessoal da USL após o anúncio de falência.
Mas será, também, o próprio estaleiro sul-coreano Daewoo,
uma das principais vítimas.
Para cumprir a encomenda dos 12 porta-conteineres da 3ª
geração, teve de se financiar, à partida, em cerca de US$ 113 milhões junto do
Korea Development Bank $ 80,3 m, seu principal acionista, e um grupo
bancário dirigido pelo Citicorp $ 32,5 milhões. Agora é o estaleiro que se vê
em extremas dificuldades para liquidar juros elevadíssimos, sem receber fundos
da US Lines. Além disso, do total de $ 570 milhões encomendados, o Daewoo não
verá garantido o reembolso de $ 156 milhões, nem pelos bancos, nem pelo governo
americano, em virtude de ter sido acionado o capítulo 11.
Uma eventual estagnação do mercado de construção naval
ser-lhe-á fatal. Uma hipótese seria retomar os navios para posterior venda, mas
em conseqüência da atual depressão, os $ 570 milhões de arqueação não valerão
mais do que uns $ 240 milhões. Assim, o Daewoo admitiria a preferênica de
interesse na hipoteca legal não dos navios grandes mas de outras unidades da
frota contentorizada da US Lines.
Mas este armador precisa desta frota enquanto sobreviver,
pois continuará a operar nas rotas até agora lucrativas, isto é, o
trans-Pacífico costa Oeste dos E.U.A./Ilhas Hawai-Guam-Extremo Oriente e
sul-americanas costa Leste dos E.U.A./América do Sul.
A falência da United States Lines é a queda de um sonho
mas, também, um fato de grande repercussão mundial e um forte aviso.
U.S.Lines: a queda de um sonho
Nestor Fatia Vital
Fonte http://www.novomilenio.inf.br/porto/contei23.htm
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