3 de out. de 2017

IMPACTOS DA LEI Nº 12.815 na Demanda pelo Trabalho Avulso


À primeira vista, pode-se pensar que a alteração feita pela MPnº 595/2012 e posterior Lei nº 12.815/2013 foi sutil. 
Ledo engano! A alteração foi na própria veia do sistema portuário. 
Mas, para entender essa mudança nevrálgica, é preciso compreender alguns pontos prévios  existentes e o próprio sistema. Na égide da Lei nº 8.630/93, havia basicamente dois tipos de portos: portos organizados e terminais de uso privativo. 
Paralelamente a estes, surgiram os portos clandestinos, operando ilicitamente (diante da ausência de autorização da Antaq) e em pequena escala. Os portos organizados, principais portos do país, eram – e são ainda –, sob o pálio da novel lei, aqueles que se encontram sob a “jurisdição” de uma autoridade portuária. Já os terminais de uso privativo eram instalações portuárias exploradas mediante autorização e localizadas fora da área do porto organizado. Subdividiam-se em terminais de uso privativo exclusivo e misto. 
O primeiro era aquele que movimentava apenas carga própria, atendendo a uma necessidade inerente ao negócio , que precisa de um porto para si para movimentar o grande volume de exportações ou importações de seus produtos (por exemplo, a Petrobras). Em contrapartida, o terminal de uso privativo misto poderia movimentar carga própria e de terceiro, desde que o volume da carga própria fosse suficiente para justificar a existência do porto, de acordo com a norma infralegal da Antaq. Desse modo, a carga de terceiros era movimentada de forma suplementar, para aproveitar alguma capacidade ociosa, não sendo, portanto, um concorrente do porto organizado. Ocorre que, diante da impossibilidade dos armadores de se utilizarem de portos que não os portos organizados, estes conquistaram sua profissão, o qual não apenas era aceitável  pelo ordenamento jurídico como respeitado nos termos da Convenção nº 137 da OIT.

E o sistema do porto organizado tem uma massa salarial de mão de obra muito maior do que o dos portos privados, sendo tal fato decorrência tanto de motivos virtuosos quanto de motivos viciosos. Como motivos virtuosos, temos a capacidade de organização e mobilização da categoria, adquirida ao longo da história, fazendo com que o trabalhador registrado no OGMO alcançasse uma remuneração e condições de trabalho consideráveis em relação à maioria dos trabalhadores, a ponto de preferir manter-se como avulso que se ativar com a maior estabilidade do vínculo empregatício. Essas vitórias são conquistadas em negociações coletivas. Por outro prisma, como motivos viciosos, temos o fato de que os sindicalists, para manter seus nacos de poder, boicotaram a multifuncionalidade. Assim, em vez de haver trabalhadores com treinamento e habilitação para as diversas funções, sendo identificado como um trabalhador portuário, continuou a existir um trabalhador de estiva, de conferência, e assim por diante. Tal fragmentação possibilitou a proliferação de diversos sindicatos (sindicato dos estivadores, sindicato dos capatazes, etc.).Ha uma exceção os estivadores são habilitados em varias fainas podendo operar fora do navio vários equipamentos . É cristalina a miopia deste tipo de pensamento: mantém-se um nicho de poder que atende a um interesse de alguns dirigentes, mas prejudica-se a categoria, já que multifuncionalidade significa: 1) flexibilidade do trabalhador para variadas fainas  e 2) a substituição de sindicatos fragmentados por ofícios, por uma entidade sindical mais forte e ampla de trabalhadores portuários. 
 O caro leitor poderia então questionar: e o que mudou com Lei nº 12.815/2013?
 A grande inovação da Lei nº 12.815/2013 consiste em suprimir a antiga dicotomia existente entre terminais de uso privativo exclusivo e misto, antes prevista no art. 4º, II e § 2º, II, a e b, da Lei nº 8.630/93, passando a existir doravante somente terminais de uso privado (sem nenhuma referência a carga própria ou carga de terceiro) paralelamente ao porto organizado. Com isso, permitiu-se que os terminais de uso privado, ou seja, instalações portuárias exploradas mediante autorização e localizadas fora da área do porto organizado (art. 2º, IV, da Lei nº 12.815/2013), operem independentemente de manejarem carga própria ou de terceiro, sendo um concorrente direto dos portos organizados. 
Ocorre que os terminais de uso privado, justamente por se localizarem fora da área do porto organizado (art. 2º, IV, da Lei nº 12.815/2013), não estão sujeitos às  regras para contratação de mão de obra previstas em seu art. 40, ou seja, não precisam se utilizar da intermediação do OGMO. Nesse sentido sinaliza a Súmula nº 309 do TST.
 O art. 44 da Lei nº 12.815/2013 faculta aos titulares das instalações portuárias sujeitas a regime de autorização a contratação de trabalhadores a prazo indeterminado, ou seja, trabalhadores fora do sistema. Dessa forma, como não precisam contratar trabalhadores observando as regras do sistema dos portos organizados, foi liberada oficialmente a precarização da mão de obra , interferindo, indubitavelmente, na demanda pela utilização, ou não, dos portos organizados, pelos empresários, para movimentarem suas cargas. Impactando não somente na demanda pela força de trabalho no porto organizado, mas também na própria economia da cidade que abriga este com  redução da massa salarial . Por outro lado, paradoxalmente, o art. 44 da Lei nº 12.815/2013 faculta aos titulares das instalações portuárias sujeitas a regime de autorização a contratação de trabalhadores a prazo indeterminado, ou seja, trabalhadores fora do sistema. A ideia da novel lei parece ser justamente colocar terminais de uso privado para concorrerem abertamente com portos organizados. Ocorrendo tal concorrência desleal, acobertada pelo manto legal, acabará por precarizar o trabalho portuário .
Infelizmente, a valorização do trabalho humano, que consiste em um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV), foi relegada a segundo plano e preterida em relação à iniciativa privada. No direito comparado, nos países em que se adotou esse modelo preconizado pela nova lei, enaltecedor da iniciativa privada,   houve uma precarização das condições laborais nos paises subdesenvolvidos. 
Assim, pode-se inferir que outra sorte não terá o Brasil.
 Por fim, coloque-se, por oportuno, que antes mesmo da alteração legislativa, o Ministério Público do Trabalho já vinha atuando no sentido de alertar e tentar implementar a multifuncionalidade prevista na Lei nº 8.630/93, encontrando grande resistência dos sindicalistas que não queriam perder poder, já que multifuncionalidade implicaria  na unificação.
Como restou demonstrado, a Lei nº 12.815/2013, embora não tenha trazido consigo grandes alterações sob o enfoque juslaboral, acabou por impactar de forma fulminante na demanda pela mão de obra avulsa nos portos organizados, tradicionalmente mais cara.
 À categoria dos trabalhadores avulsos caberá se mobilizar e se organizar de modo a implementar a multifuncionalidade, o que lhe garantirá sindicato mais homogêneo e coeso, com maior poder de pressão ou então focará a não ver navios. Por fim, ressalte-se que a questão  de ordem econômica, pois a questão portuária é importantíssima para a economia de qualquer cidade que possua um Terminal portuário .
fonte
IMPACTOS DA LEI Nº 12.815 NO SISTEMA PORTUÁRIO BRASILEIRO: AVULSOS PORTUÁRIOS PODEM FICAR A NÃO VER NAVIOS Safira Nila de Araújo Campos

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