3 de out. de 2017

MP em Ensino : avanços e desafios a partir de políticas indutoras II

Resultados e discussão
 Os procedimentos de organização dos documentos e das entrevistas com o objetivo de conhecer as repercussões da indução dos MPs em Ensino na Saúde e procurar subsídios para o aprimoramento e a sustentabilidade dos programas possibilitaram a identificação de duas categorias temáticas e suas relações.
A primeira revelou os “Avanços dos programas em Ensino na Saúde na modalidade profissional”, e a segunda mostrou os “Desafios na implementação da política indutora”.
 Os “Avanços dos programas em Ensino na Saúde na modalidade profissional” foram agrupados em três dimensões:
 (a) crescimento do número de programas;
(b) distribuição regional dos programas;
(c) agregação na Área de Ensino da Capes.
 Os documentos analisados indicam uma forte evolução (12 novos cursos) dos MPs na área de Ensino na Saúde, durante o período de 2010 a 2013 .Observa-se um crescimento expressivo após a implantação da política indutora (Pró-Ensino na Saúde), visto que, antes do seminário, havia apenas um MPES, o Mestrado Profissional em Ensino em Ciências da Saúde – Unifesp, e um outro na modalidade acadêmico, vinculado à UFRJ.
As falas dos coordenadores reforçam a necessidade de crescimento, ao mesmo tempo em que permitiram a identificação da alta demanda dos profissionais por esta modalidade de pós-graduação (PG), que cursam em média com turmas de 20 alunos:
 “Como exemplo, no atual processo seletivo [...], tivemos 202 inscrições revelando a alta procura e a necessidade de se criar estratégias de aproveitamento deste contingente de profissionais que desejam e necessitam a qualificação profissional” (E6).
 Quelhas et al. (2005, p. 104), em estudo realizado sobre objetivos e o posicionamento estratégico do MP no ambiente da pós-graduação brasileira, assinalam
 “[...] que o mestrado profissional, em função de seus pressupostos, pode dar respostas mais ágeis para a implementação das políticas públicas no País”.
 Pesquisas realizadas com egressos de MP (RUAS, 2003; ARAÚJO; AMARAL, 2006) destacam como principais contribuições do curso: maior confiança e segurança para atuar em ambientes complexos e interdisciplinares, como ensino; formação da rede de relacionamento, principalmente por se tratar de profissionais com carreiras mais estabelecidas, o que permitiu a construção de diferentes visões de mundo, mais heterogêneas e, consequentemente, complexas; maior capacidade de analisar mais profundamente os cenários e as situações do mundo real, e postura crítica e reflexiva em relação à atuação docente e à possibilidade de atuação em pesquisas, o que poderia contribuir para a atuação na docência e na resolução de problemas.
 Entende-se que a adesão das instituições de ensino superior e dos profissionais a essa modalidade de PG é proporcional à crença no seu potencial estratégico na formação de profissionais que se utilizam de ferramentas científicas para identificar e analisar problemas vivenciados na prática do Ensino na Saúde, além de propor inovações no setor. Associa-se também essa adesão ao momento atual de expansão do ensino superior público e privado na área da saúde, visto que esta condição demanda profissionais qualificados para atuarem como docentes formais ou preceptores do serviço.
A partir dos dados é também possível inferir que, apesar do grande crescimento da oferta de cursos de MPES, o número ainda é insuficiente para atender à demanda dos profissionais que buscam qualificação na área. Em relação à distribuição regional dos programas, observa-se que todas as regiões do país estão contempladas com alguns dos 13 programas pesquisados, sendo sua quase totalidade (11) ofertada por instituições públicas.
 Nos documentos analisados verifica-se que, do total de 13 programas, cinco encontram-se na região Sudeste, quatro na região Nordeste, dois na região Norte e um nas regiões Centro-Oeste e Sul. Observa-se que a preocupação com a distribuição geográfica regional da pós-graduação no Brasil tem sido tema constante de debate, uma vez que se torna essencial para analisar a realidade dos MPES no país. Santos e colaboradores (2012, p. 50) comentam sobre a expansão de MPs no país, destacando que, sendo essa [...] uma perspectiva válida e o mestrado profissional puder efetivamente ser tomado como estratégia para implementar políticas públicas de formação em saúde, um ponto crucial seria planejar intersetorialmente sua regulação e ordenação, já que a expansão desta modalidade na área precisará guardar coerência e favorecer a consecução de princípios estruturantes do sistema único de saúde brasileiro, como a universalidade e a equidade.
 Nesse sentido, a análise da distribuição regional e espacial dos MPES pelo Brasil apresenta indícios de potencialidade para a qualificação das práticas profissionais nesse nível, em uma área estratégica para o desenvolvimento do país. Outro ponto de destaque é a maior oferta dessa modalidade de PG em Ensino na Saúde pelas instituições públicas. Esse resultado vai ao encontro do padrão observado da oferta nas demais áreas das ciências da saúde (SANTOS et al., 2012), e retratam o papel que o Estado brasileiro tem assumido na expansão dos MPs, tanto no campo do Ensino como no conjunto das ciências da saúde. A agregação na área de Ensino da Capes, a terceira subcategoria, representa os avanços da indução dos MPES quanto à agregação destes programas na nova área de Ensino, criada em 2011 pelo Conselho Superior da Capes. Esta área foi proposta como ampliação do escopo da área de Ensino de Ciências e Matemática e teve como objetivo avaliar novas propostas de cursos de mestrados acadêmicos, doutorados e MPs que trabalhassem com pesquisa e formação de recursos humanos no ensino de qualquer conteúdo, e não apenas em Ciências e Matemática (ARAÚJO-JORGE et al., 2013).
 Os documentos pesquisados mostram que existe uma tendência (em seis dos 13) de os MPES se agregarem na nova área de Ensino. Essa agregação é vista como avanço, com a possibilidade de maiores ganhos na luta pela sustentabilidade dos MPs, bem como o aperfeiçoamento dos indicadores e dos processos de avaliação da área. Em relação aos desafios na implementação da política indutora, foi possível observar que os MPES possuem especificidades gerenciais cujo enfrentamento envolve o universo do ensino e da saúde, impondo desafios na estrutura operacional dos programas.
 Nessa dimensão, emergem três subcategorias importantes: ausência de financiamento, pouca valorização do MP e carência de critérios de avaliação dos programas.
 A ausência de financiamento é um importante desafio de caráter operacional, citado de alguma maneira por todos os entrevistados. Em alguns momentos, a legislação afirma que a Capes dará apoio ao MP tal qual ao mestrado acadêmico (MA), mas, em outros, é omissa ou insuficiente.
As Portarias de 1995 (BRASIL, 1995) e 1998 (BRASIL, 1998) declaram que o MP tem vocação para o autofinanciamento. Segundo Santos e Hortale (2014), os parâmetros para avaliação de 1999 explicitam que “a Capes, em princípio não financia cursos de MP. Mediante ação indutora poderá vir a apoiar iniciativas voltadas para o desempenho de funções básicas do Estado” (p. 2.148).
Ainda no mesmo artigo, referem que o texto do documento de 2002 omite qualquer participação da Capes nesse sentido, apontando que “a instituição promotora deve formalizar o compromisso com o oferecimento, manutenção e conclusão do curso” (p. 2.148).
 As Portarias de número 7 e 17, ambas de 2009 (BRASIL,2009a,2009b), declaram em seu art. 11 que, “Salvo em áreas excepcionalmente priorizadas, o mestrado profissional não pressupõe, a qualquer título, a concessão de bolsas de estudos pela Capes”. É com base neste artigo que surge, em 2011, a portaria normativa que concede bolsas de formação para professores da rede pública, matriculados em cursos de MP oferecidos por meio do Sistema Universidade Aberta do Brasil (BRASIL, 2011).
 O MP em análise nesta pesquisa trata de uma estratégia no contexto do processo de reorientação da formação profissional em saúde visando à integralidade do cuidado, induzida por agências governamentais, cuja parceria esperada seria do Estado, por meio dos Ministérios (Saúde, Educação e C&T) ou das IES. A ausência do apoio financeiro é destacada na fala de quase todos os coordenadores, tanto de instituições públicas como privadas:
 “(é um desafio) a valorização desse tipo de formação com o incentivo de bolsas de estudo ou ajuda de custos para deslocamentos e diárias aos mestrandos” (E3).
 “(É um nó crítico não ter) verba para financiamento dos projetos de pesquisa” (E4).
 Menandro (2010, p. 371), refletindo sobre o tema na área de Administração, assinala que:
 [...] as características atuais dos Mestrados Profissionais poderiam revelar que a exigência de financiamento independente das fontes governamentais de recursos pode representar um filtro pelo qual só passem profissionais já absorvidos por empresas ou por instituições públicas (ou porque essas empresas ou instituições estão financiando o projeto, ou porque têm renda que permite assumir essa despesa, muitas vezes alta, com a formação complementar). Interessados que não estejam em uma dessas condições terão dificuldade de se engajar em Mestrados Profissionais .
Ao mesmo tempo em que houve homogeneidade na fala sobre a falta de apoio financeiro, identificada até mesmo na exclusão dos MPs dos editais da Capes, os gestores apontam também para mecanismos de sustentabilidade como: “(Utilizamos) verba da universidade de chamadas internas; recursos das inscrições dos processos seletivos [...]” (E4). “[...] algumas parcerias foram realizadas com secretaria estadual e municipal da saúde” (E7). “[...] a Pró-Reitoria de Pós-Graduação tem adotado um valor anual para depósito nos cursos de pós-graduação por aluno da universidade. Por enquanto, não temos tido dificuldades” (E8).
 Mesmo nos programas buscando sustentabilidade, as dificuldades em realizar ou manter essa parceria, principalmente quando se trata de instituição pública, foram identificadas nas falas dos coordenadores: “Por ocasião da aprovação pela Capes, foram alocados recursos pela SGTES/MS na Secretaria de Estado da Saúde [...]. Mas não conseguimos utilizar estes recursos na primeira turma.
 O governo da época se recusou a repassar os recursos para a universidade federal tocar o curso” (E5). “Embora seja preconizada a autossustentação dos mestrados profissionais, a própria legislação que rege as instituições públicas acaba dificultando a captação de recursos por meio de parcerias junto aos setores privados” (E6). A reflexão de Teixeira (2006) sobre o MP em Saúde Coletiva demonstra o potencial estratégico dessa modalidade de PG na “integração ensino-serviço”.
Apoiar os MPs na área é visto como possibilidade de conjugar a produção do conhecimento ao desafio cotidiano de encontrar solução para os problemas, desde formular políticas até desenvolver estratégias que incidam efetivamente sobre estruturas e práticas insuficientes para o enfrentamento e resolução dos problemas existentes. O exposto direciona a um questionamento feito por Fischer (2010) sobre a razão pela qual os MPs não poderiam ser oferecidos pelas universidades públicas, de forma gratuita, com financiamento similar ao acadêmico. Também explicita a necessidade de implantação de programa de apoio aos cursos de MP, que não possuem subsídio externo, dentro das IES, para que se desenvolvam adequadamente.
 Ainda em relação aos desafios foi citada, como segunda subcategoria, a “pouca valorização institucional do MP”, tema que tem sido discutido por alguns autores. Paixão (2013), em seu artigo de revisão sobre os MPs, discorre sobre o quanto um novo formato educacional, como é o caso, traz discussões sobre o novo e o estabelecido. O MP foi idealizado no documento que criou a pós-graduação brasileira, o Parecer nº 977/1965 (BRASIL, 1965), no qual a pós graduação era pensada como um sistema com dois eixos de formação (acadêmico e profissional), mas, apenas o eixo acadêmico foi exercitado integralmente por três décadas, respondendo sozinho pelo primeiro degrau para a formação acadêmica científica, necessária à carreira universitária (LOPES NETO et al., 2005; FISCHER; WAIANDT, 2012).
 Os primeiros cursos de MP datam da década de 1990, envolvendo, segundo Fischer (2003, 2010), a sedução de novos modelos curriculares com quadro docente permeado de profissionais e professores doutores, com articulações claras e significativas entre teoria e prática e a conciliação dos estudos com o trabalho. O risco da proposta se expressa em conciliar os contrários, os eixos acadêmico e profissional. A criação de MP requer que a instituição valorize a iniciativa, a prática como um elemento formativo. Esse sentimento não foi percebido pelos coordenadores, que assim se expressam: “(Há) pouco conhecimento institucional (sobre o MP)” (E2).
 “A maior interação poderia agregar mudanças e melhorias, reconhecendo-o como o mestrado acadêmico” (E3). Na visão de Piquet, Leal e Terra (2005), parte da comunidade acadêmica rejeitou (e ainda rejeita) os MPs, considerando-os cursos de “segunda linha”, mesmo pouco conhecendo as suas especificidades.
Para Fischer (2005), a inércia estrutural do sistema de pós-graduação brasileiro, a hipervalorização dos mestrados acadêmicos e o esforço das áreas para serem conhecidas como produtoras de conhecimento científico criaram uma rejeição ao formato diferenciado proposto nos MPs.
 Virmond (2002) alega que há nas instituições uma falsa percepção de que o MP pode desaboná-las e que apenas os programas acadêmicos dão prestígio e promovem a qualificação da universidade, o que se revela um equívoco.
Fischer (2005) assegura que os MPs são cursos acadêmicos, uma vez que a grande maioria existe no ambiente da academia. Paixão e Bruni (2013) apresentam toda uma contribuição para um melhor entendimento da proposta de um MP e seus valores. Diante da fala dos coordenadores, corroborada com a reflexão dos autores disponíveis na literatura, emerge a inevitável indagação: as instituições de ensino superior estão considerando a potencialidade do MP na sua missão com a sociedade? O MP, ao formar indivíduos capazes de transformar suas práticas, também realiza transformações na academia? Surge aqui um campo para futuras pesquisas.
 A “carência de critérios de avaliação dos programas de MP” surge como a terceira e última subcategoria. Esta avaliação, como foi estabelecida em 1998, é orientada pela Diretoria de Avaliação/Capes e realizada com a participação da comunidade acadêmico-científica por meio de consultores ad hoc. A avaliação é atividade essencial para assegurar e manter a qualidade dos cursos de mestrado e doutorado no país. Os documentos de área são referências para a avaliação, agora quadrienal, dos cursos em funcionamento.
 Neles estão descritos o estado atual, as características e as perspectivas, assim como os quesitos considerados prioritários na avaliação dos programas de pósgraduação pertencentes a cada uma das 48 áreas de avaliação. A partir de 2009, os critérios do sistema de avaliação para o MP tornaram-se distintos dos do MA. O desafio da avaliação é concreto para os programas e aparece na fala dos coordenadores:“(Para aprimoramento dos programas, a Capes poderia) considerar substancialmente a avaliação de produções técnicas na área, como parte dos critérios para estabelecimento de conceito” (E7). Independentemente de ser modalidade profissional ou acadêmica, a avaliação dos programas ainda é muito contaminada pela lógica da PG acadêmica, em que a publicação em periódicos continua sendo o principal produto nas avaliações. Essa é uma questão também levantada por um dos coordenadores:
 “Percebe-se que há um esforço da Capes para mudar este perfil, mas ainda prevalece e passa a ser a maior dificuldade dos programas de MP que têm mais dificuldades para publicar” (E9).
 Giacomazzo e Leite (2014), analisando dados da Capes de 2011, mostraram que a maioria dos cursos de MP do país está classificada com o conceito 3. Pelas exigências naturais do próprio contexto histórico dos MPs e impulsionadas pelas análises que emergiram das avaliações anteriores, a Capes organizou nova ficha de avaliação. Nesta ficha, ainda é evidente a maior ênfase no Quesito IV – Produção intelectual e profissional e seus respectivos critérios, que incluem diferentes formas de produção. No entanto, outros aspectos que compõem a identidade e a natureza dos MPs são relevantes.
 Fischer (2010) afirma que o sistema de avaliação vigente estimula a qualidade e reprime a criatividade e a inovação, atributos fundamentais de processos artesanais, dos quais o MP é um exemplo pleno de significado. Menandro (2010) argumentou que é possível ter impacto positivo sobre a criatividade e a inovação, desde que haja uma avaliação menos preocupada em estabelecer hierarquias rígidas e conformadas a determinados tipos de distribuição. Na visão desse autor, os MPs exigem relativização do princípio de comparabilidade, base da avaliação dos programas acadêmicos. É justamente esse um dos pontos discutidos, pois os MPs não precisam seguir a mesma base fundamentada para os demais cursos.
 Paixão et al. (2014), utilizando a técnica Delphi para analisar possíveis indicadores de impacto de cursos de MP, apontam: produção técnica; acompanhamento profissional do egresso; aplicabilidade dos projetos de pesquisa; execução técnica; publicação em periódicos de cunho técnico; intercâmbios, parcerias, colaborações com outras instituições de ensino e pesquisa; parcerias com empresas e organizações profissionais, entre outros.
 A eficácia foi a principal dimensão entre os indicadores apontados.
 A reflexão continuada sobre as particularidades do MP e de cada uma das áreas de avaliação da Capes vem gerando o desenvolvimento de indicadores específicos.
 É imprescindível o estímulo à participação dos docentes e coordenadores dos cursos no processo de construção dessas propostas. Os desafios para a sustentabilidade dos MPES indicados nesta pesquisa coincidem com o documento elaborado pelo Fórum Nacional dos Mestrados Profissionais (Foprof), em Florianópolis. O documento aprovado na Assembleia Ordinária do Fórum finaliza com o seguinte texto: [...] As IES e os centros de pesquisa aceitaram o desafio e promoveram os MP.
A Portaria Normativa nº 17, de 28 de dezembro de 2009, ratifica que os MP são uma política pública de Educação Superior.
No entanto, os grandes desafios continuam:
- A falta de adesão do mundo do trabalho aos Mestrados Profissionais;
- A elaboração de um modelo de financiamento dos Mestrados Profissionais nas IES públicas;
 - Fomento aos Mestrados Profissionais através da articulação dos governos federais, estaduais e municipais em algumas áreas estratégicas;
 - Aperfeiçoamento da Avaliação da CAPES dos Mestrados Profissionais;
- Avaliação ser realizada pelos pares com experiência em Mestrados Profissionais. Que as demandas de desenvolvimento e sustentabilidade do Brasil da próxima década sejam fonte de inspiração para transformar nossos anseios em realidade (FOPROF, 2011 p. 10).

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