29 de dez. de 2021

O estivador sem sorte

 Vivia perto da boemia portuária um estivador que era completamente sem sorte. Nada do que ele fazia dava certo. Muitas vezes a lingada que ele fazia o vento vinha e a levava, outras vezes, era o balanço do mar , que vinha e a tombava. Outras vezes onde colocava sua carteira, as cargas permaneciam no costado, a ver navio.

E ele se queixava com as pessoas e as pessoas escutavam suas queixas, da primeira vez com simpatia, depois com um certo desconforto e enfim quando o viam mudavam de mão, ou mudavam de terno ou até mesma da turma.

Então além de sem sorte, o estivador se tornou chato e muito só. Ele começou a querer achar um culpado para o que acontecia com ele. Analisando a situação de sua família percebeu que seu pai era um homem de sorte, sua mãe, esta tinha sorte por ter se casado com seu pai, e seus irmãos eram  lingadeiros pois então, se não era um caso genético, só poderia ser coisa do Criador. E depois de muito pensar resolveu tomar uma atitude e ir até o fim do mundo falar com o Criador, que como Criador de tudo, deveria ter uma resposta.

Arrumou seus panos, algum alimento e partiu rumo ao fim do mundo. Andou um dia, um mês, um ano e pouco antes de entrar numa grande floresta de armazéns parelha a beira do cais ouviu uma voz:  estivador, me ajude. Ele então olhou para os lados procurando alguém. Até que se deparou com um gestor portuário, magro, pura pele e osso o infeliz. Dava para contar suas costelas.

Ele falou:  Há três meses estou nesta situação. Não sei o que está acontecendo comigo. Não tenho forças para cobrar.

O estivador refeito do susto respondeu: Você está se queixando a toa... Eu tive azar a vida inteira. O que são três meses? Mas faça como eu. Procure uma resposta. Eu estou indo procurar o Criador para resolver o meu problema.

Se eu não tenho forças nem para dar ordem... Faça este favor para mim. Você está indo vê-lo, pergunte o que está acontecendo comigo.

O estivador fez um sinal de insatisfação e disse que estava muito preocupado com seu problema, mas se lembrasse, perguntaria. Virando as costas, continuou seu caminho.

Andou um dia, um mês, um ano e de repente, ao tropeçar numa raiz, ouviu: -estivador, cuidado. E quando olhou, viu uma folhinha que vinha caindo, caindo; Olhando para cima, viu a árvore com apenas duas folhinhas.

Levantou-se e observando suas raízes desenterradas, seus galhos retorcidos, sua casca soltando-se do tronco, falou:

- Você não se envergonha? Olhe as outras árvores a sua volta e diga se você pode ser chamada de árvore? Conserte sua postura.

A árvore, com uma voz de muita dor, disse: - Não sei o que está acontecendo comigo. Estou me sentindo tão doente. Há seis meses que minhas folhas estão caindo, e agora, como vês, só restam duas... E, no fim de uma conversa, pediu ao estivador que procurasse uma solução com o Criador.

Contrariado, o estivador virou as costas com mais uma incumbência. Andou um dia, um mês, um ano e um dia e chegou a um vale muito florido, com flores de todas as cores e perfumes. Mas o estivador não reparou nisto. Chegou até uma casa e na frente da casa estava uma guapa com uma magnifica saboneteira que o convidou a entrar.

Eles conversaram longamente e quando o estivador deu por si já era madrugada. Ele se levantou dizendo que não podia perder tempo e quando já estava saindo ela lhe pediu um favor:

- Você que vai procurar o Criador, podia perguntar uma coisa para mim? É que de vez em quando sinto um vazio no peito, que não tem motivo, nem explicação. Gostaria de saber o que é e o que posso fazer por isto.

O estivador prometeu que perguntaria e virou as costas e andou um dia, um mês, um ano e um dia e chegou por fim ao fim do mundo. Sentou-se e ficou esperando até que ouviu uma voz. E uma voz no fim do mundo, só podia ser a voz do criador...

- Tenho muitos nomes. Chamam-me também de Criador...

E o estivador contou então toda a sua visão de mundo. Conversou longamente com a voz até que se levantou e virando as costas foi saindo, quando a voz lhe perguntou:

- O estivador você não está se esquecendo de nada? Não ficou de saber respostas para uma árvore, para um gestor portuário e para uma guapa?

-Tem razão... E voltou-se para ouvir o que tinha que ser dito.

Depois de um tempinho virou-se e correu... mais rápido que o vento até que chegou na casa da guapa. Como ela estava em frente à casa, vendo-o passar chamou: Ei!!!  conseguiu encontrar o Criador? Teve as respostas que queria?

Sim!!! Claro! O Criador disse que minha sorte está há muito no mundo. Basta ficar alerta para perceber a hora de apanhá-la!

E quanto a mim, você teve a chance de fazer a minha pergunta?

Ah! O Criador disse que o que você sente é solidão. Assim que encontrar a tampa de sua panela, vai ser completamente feliz, e mais feliz ainda vai ser o seu companheiro.

A guapa então abriu um sorriso e perguntou ao estivador se ele queria ser esta tampa.

Claro que não... Já trouxe a sua resposta... Não posso ficar a ver navio. Não foi para ficar aqui que fiz toda esta jornada. Adeus!!! Virando as costas, correu mais rápido do que a água, até a floresta onde estava a árvore. Ele nem se lembrava dela. Mas quando novamente tropeçou em sua raiz, viu caindo uma última folhinha.

Ela perguntou se ele tinha uma resposta, ao que o estivador respondeu:  Tenho muita pressa e vou ser breve, pois estou indo em busca de minha sorte, e ela está no mundo.

O Criador disse que você tem embaixo de suas raízes uma caixa de ferro cheia de moedas de ouro. O ferro desta caixa está corroendo suas raízes. Se você cavar e tirar este tesouro daí vai terminar todo o seu sofrimento e você vai poder virar uma árvore saudável novamente.

Por favor!!! Faça isto por mim!!! Você pode ficar com o tesouro. Ele não serve para mim. Eu só quero de novo minha força e energia. O estivador deu um pulo e falou indignado:

Você está me achando com cara de quê? Já trouxe a resposta para você. Agora resolva o seu problema. O Criador falou que minha sorte está no mundo e eu não posso perder tempo aqui conversando com você, muito menos sujando minhas mãos na terra.

Virando as costas correu, mais rápido do que a luz atravessou a floresta, e chegou onde estava o gestor portuário, mais magro ainda e mais fraco.

O estivador se dirigiu a ele apressadamente e disse:  O Criador o mandou falar que você não está doente. O que você tem é fome.

Está a morrer de inanição, e como não tem forças para reduzir custos a qualquer custo, vai morrer aí mesmo. A não ser, que passe por aqui uma criatura que o ensine a fazer lingada, e você consiga frita-lo.

Nesse momento, os olhos do gestor portuário se encheram de um brilho estranho, e reunindo o restante de suas forças, o gestor portuário deu um pulo e jantou na beira do cais o estivador "sem sorte".

 

O homem sem sorte, Autor desconhecido

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