8 de jan. de 2022

Análise da medida provisória da Covid portuária

 

O cenário decorrente da pandemia provocada pelo novo coronavírus levou à publicação de profusa legislação, dentre leis e Medidas Provisórias, com a finalidade de adequar o ordenamento jurídico à situação peculiar vivenciada, especialmente no campo trabalhista.

O labor realizado no ambiente portuário é o principal retrato do que se conhece por trabalho avulso. O trabalho avulso, por sua vez, é uma modalidade de prestação de serviços eventual na qual o trabalhador, apresenta-se para múltiplas atividades perante um órgão intermediário o OGMO ou o sindicato. Em outras palavras, o trabalho portuário não compreende uma relação de emprego típica, mas, sim, uma relação jurídica atípica dentro do Direito do Trabalho, por isso é regulamentado por legislação específica. Além da Lei nº 12.815/2013, tem a Lei nº 9.719/98, que traz disposições acerca das condições gerais de proteção ao trabalhador portuário, compreendendo normas que versam sobre o funcionamento das escalas, saúde e segurança do trabalho. A segunda corresponde à carta de direitos dos trabalhadores portuários, enquanto a primeira visa a organização coletiva desses trabalhadores. Sob uma perspectiva histórica, a atividade portuária representa um elemento fundamental no desenvolvimento econômico mundial, e a figura dos trabalhadores avulsos portuários revela uma categoria profissional com intenso potencial de organização e reivindicação de direitos e garantias trabalhistas pela via coletiva, com forte atuação dos sindicatos. Possivelmente devido a esses elementos históricos inequívocos é que se percebe que a legislação esparsa e a jurisprudência demonstram uma tendência a expandir os direitos e garantias encontrados na CLT à categoria dos trabalhadores avulsos.

 Com a pandemia do COVID-19 o labor portuário continuou sendo essencial para a manutenção da vida, de muitos setores da economia e do bem-estar da sociedade. De acordo com a exposição de motivos da Medida Provisória nº 945/2020, o setor portuário é responsável por 95% das transações comerciais exteriores realizadas pelo Brasil. A atividade dos trabalhadores avulsos portuários, enquanto potencial alvo de disseminação do novo coronavírus, também foi repensada a fim de obstaculizar a disseminação da doença. Nesse sentido, o objetivo primordial na formulação de um “direito do trabalho de emergência” a essa classe de trabalhadores é assegurar garantias do trabalho constitucionalmente, previstas, especialmente aquelas dirigidas à preservação da saúde e integridade destes trabalhadores; pois, ainda que esta relação de trabalho seja específica e não configure uma relação de emprego, os trabalhadores avulsos portuários são igualmente detentores dos direitos fundamentais previstos nos artigos 7º e 8º da Constituição Federal. Diante de todo esse panorama, é nítido que o ordenamento jurídico protege os trabalhadores avulsos portuários em sua garantia de dignidade humana, ainda que não estejam inseridos em uma relação de emprego.

A Medida Provisória nº 945, promove alterações na configuração do trabalho portuário, estabelecendo medidas temporárias para combater a COVID-19 e modificando dispositivos de leis preexistentes que tratam sobre as atividades exercidas pelos trabalhadores avulsos portuários. De certa maneira a Medida Provisória nº 945 traz, para o ambiente portuário, uma espécie de adaptação do conteúdo da Lei 13.979/2020, que trouxe algumas medidas preventivas que culminam em afastamento social. Veja-se, em particular, o conteúdo do art. 3º, da Lei 13.979/2020: isolamento e quarentena. 

Com a conversa de resguardar a saúde e vida da mão de obra avulsa que trabalha nos portos, no âmbito de sua relação de trabalho diferenciada, o artigo 2º da Medida Provisória nº 945 proíbe a escalação dos trabalhadores portuários que se encontrem nas seguintes condições: for diagnosticado com a covid-19, idade igual ou superior a sessenta anos; ou quando o trabalhador tiver sido diagnosticado com: imunodeficiência, doença respiratória ou doença preexistente crônica, ou grave, como doença cardiovascular, respiratória ou metabólica. 

Como o trabalhador avulso somente tem tenda quando trabalha e a fim de assegurar a subsistência desses trabalhadores, o artigo 3º, e parágrafos, da Medida Provisória nº 945 estabelecem parâmetros para o pagamento de uma indenização compensatória pelo tempo em que persistir a impossibilidade de prestar o serviço. Uma vergonhosa indenização compensatória mensal no valor correspondente a 50% sobre a média mensal recebida no Ogmo entre 1º de outubro de 2019 e 31 de março de 2020. § 1º O pagamento da indenização será custeado pelo operador portuário.

Entretanto, a Medida Provisória extrapola a relação capital trabalho o cunho emergencial que propiciou sua edição. O artigo 4º da Medida Provisória estabeleceu que, na hipótese de indisponibilidade de trabalhadores portuários avulsos para atendimento às requisições, os operadores portuários que não forem atendidos poderão contratar livremente trabalhadores com vínculo empregatício por tempo determinado máximo de 12 meses, para a realização de serviços de capatazia, bloco, estiva, conferência de carga, conserto de carga e vigilância de embarcações. E o maior ato falho legislado por um liberal, constata-se que o § 1º do art. 4º da MP 945 inseriu no quadro de hipóteses de impossibilidade do atendimento às requisições do operador portuário, situações como greves, paralisações e demais atuações coletivas dos trabalhadores do porto. Com este teor, o artigo 4º, parágrafo 1º da MP nº 945, parece configurar uma conduta antissindical, ofendendo o direito de liberdade sindical assegurado no artigo 8º da Constituição Federal. Ademais, o artigo 4º, parágrafo 1º da MP nº 945 , parece infringir, ainda mais diretamente o art. 9, da Constituição Federal: que assegura o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender. Tornando dispositivo uma represália aos movimentos paredistas, pois, a partir de eventuais atuações do ator coletivo (greves, operações-padrão, etc.), poderá haver a contratação de qualquer cidadoa para prestar serviço na beira do cais.

Na situação aqui analisada – em que o cenário é de alastramento de um vírus mortal em escala global-parece-nos certo que a priorização do direito fundamental à saúde é uma escolha óbvia. Contudo, não há aparente razão para que os direitos coletivos do trabalho representem uma afronta à saúde pública. Pelo contrário, a atuação dos sindicatos e o acesso aos direitos à greve e à liberdade sindical são elementos fundamentais para que a classe dos trabalhadores portuários possa assegurar a manutenção de direitos trabalhistas e a conquista de outros.

O momento histórico que vivemos tem motivado inúmeras mudanças nos mais variados aspectos. A beira do cais, tem sido alvo de constantes alterações, provocando um cenário de instabilidade e insegurança às diversas categorias profissionais dos portuários. Essas alterações não se limitam apenas às condições práticas de exercício de determinadas funções e atividades, mas também ao próprio Direito do Trabalho e a regulamentação do labor durante o período de pandemia. Foi nesse panorama de inauguração de um “direito do trabalho de emergência” que se deu a edição da Medida Provisória nº 945/2020, direcionada à regulação do trabalho dos serviços portuários. Como visto, os dispositivos inauguraram grandes novidades no âmbito do labor portuário, que precisam ser analisadas sob um olhar crítico, nunca perdendo de vista os direitos e garantias constitucionalmente garantidos à classe trabalhadora.

Breve análise das alterações no trabalho portuário efetuadas pela medida provisória 945/2020. Marco Aurélio Serau Junior e Júlia Dumont Petry. CERS | REVISTA CIENTÍFICA DISRUPTIVA | VOLUME II | NÚMERO 1 | JAN-JUN / 2020

Nenhum comentário:

Postar um comentário